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3 gráficos para compreender o colonialismo português

Imagem baseada numa fotografia de Bruno Martins (via Unsplash)

O colonialismo e o imperialismo são estruturas políticas complexas, que pressupõem o domínio sobre outros povos e territórios. Este domínio tem múltiplas vertentes: política, econômica, militar. No caso do colonialismo europeu, onde naturalmente se inclui o português, estava também explícita a crença numa supremacia cultural sobre a população nativa.

A ocupação portuguesa de territórios ultramarinos, bem como a sua exploração, não foram eventos homogêneos. A exploração colonialista teve períodos de maior e menor intensidade, mas a constante ao longo da história foi ter sido grande motor da economia portuguesa nos últimos cinco séculos.

Importa, ainda, clarificar que, quando falamos em ocupação territorial das ex-colônias, nem sempre nos referimos à totalidade desses países. Até ao final do século XIX, Portugal ocupava sobretudo porções de faixa costeira nos territórios que hoje correspondem aos países de Angola e Moçambique, com pouco domínio sobre o interior. Foi apenas em 1885, na Conferência de Berlim, que as potências coloniais europeias definiram quais as fronteiras de cada território, repartindo entre si um continente que não lhes pertencia. Ao longo de mais de quinhentos anos, os vários povos africanos revoltaram-se inúmeras vezes contra os invasores europeus.

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Gráfico: Interruptor (CC BY-SA) Fonte: COLDAT – The Colonial Dates Dataset (adaptado) Descarregar estes dados Criado com Datawrapper

Chegada, ocupação e desocupação de territórios

Liderada pelo Infante D. Henrique, a exploração marítima portuguesa começou no século XV. Este empreendimento justificava-se através da natureza missionária do catolicismo, que orientaria igualmente as incursões sobre o norte de África nos séculos XV e XVI. O seu objetivo era perceber até onde se estendia o domínio muçulmano. A conquista de Celta em 1415 foi o arranque oficial das hostilidades.

Apesar de os portugueses terem descoberto múltiplos territórios durante as suas expedições, convém distinguir descoberta de alcance. A maior parte das reais descobertas durante este período são múltiplas ilhas, sobretudo nos oceanos Atlântico e Índico. Para lá do cabo Bojador, a “descoberta” foi fundamentalmente cartográfica, uma vez que a existência de terras além desse ponto já era conhecida. O facto de uma parte significativa dos territórios colonizados ser habitada quando os marinheiros lá chegaram indica que esta ideia de descobertas é uma narrativa europeizada – alguém já sabia que existiam aquelas terras, os europeus é que ainda não tinham lá chegado. Neste sentido, a título de exemplo, os portugueses foram os primeiros europeus a pisar o Japão (1542/43). De certo modo, o que se descobriu verdadeiramente foram novos caminhos.

A saída de Portugal dos territórios colonizados foi lenta. Exceção feita aos territórios que foram sendo conquistados por outras potências coloniais ao longo dos séculos, como partes do Sri Lanka e da Malásia, esta saída começou em 1822 com a independência do Brasil e só terminou em 1999, quando Macau regressou à soberania chinesa – cerca de 450 anos depois da chegada dos primeiros portugueses à península. Pese o facto de países como França e Reino Unido ainda hoje manterem a administração de pequenos territórios ultramarinos espalhados pelo globo, Portugal foi o país europeu que levou mais tempo a reconhecer a independência dos territórios ocupados.

O tráfico humano, a escravatura e os trabalhos forçados

É certo que a escravatura já existia tanto em Portugal como em África muito antes da expansão marítima. Existem duas características que distinguem a operação portuguesa da realidade até então: 1) a industrialização do processo por via do comércio transatlântico e 2) a introdução de um fator biológico na seleção das pessoas a quem a humanidade seria transformada em mercadoria. A cor da pele passou a ditar quem era o livre e quem era o escravo.

O tráfico humano do período expansionista começou oficialmente em 1444, quando 235 pessoas foram capturadas na África ocidental, trazidas para Portugal e vendidas como escravos em Lagos. De entre as potências coloniais que foram surgindo ao longo dos séculos de colonialismo europeu, Portugal foi o país que traficou mais pessoas escravizadas.

A ideia de que Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a escravatura é falsa, a começar pelo facto de que esta abolição foi um processo, ao invés de um acontecimento. O decreto do Marquês de Pombal publicado em 1761 proibia apenas a importação de escravos para a metrópole. A visão do estadista era, contudo, avançada no contexto europeu da altura. Dois anos depois, ao introduzir a Lei do Ventre Livre, que ditava que os filhos de escravos passavam a ser libertos à nascença, fez com que o final da escravatura em Portugal estivesse a uma geração de distância, pelo menos no papel. Confinadas à metrópole, estas regulações tiveram pouco ou nenhum efeito no contexto do império colonial, já que a rota da maior parte das pessoas raptadas era de África para o continente americano.

A grande reviravolta legislativa só chegaria cerca de um século mais tarde, com uma iniciativa de Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, mais conhecido por Sá da Bandeira. É ele que em 1836 aprova a abolição do tráfico de escravos “nas colônias portuguesas a sul do Equador”. Também a independência do Brasil, em 1822, ajudaria a melhorar os números oficiais portugueses. Porém, uma vez que os colonos instalados eram essencialmente portugueses (e seus descendentes), os intervenientes não terão mudado drasticamente. O real abrandamento do massacre chegou apenas na segunda metade do século XIX: entre 1750 e 1850, Portugal e Brasil traficaram quase 4 milhões de pessoas.

Apesar dos claros avanços das leis de Sá da Bandeira, a desarticulação da abolição da escravatura com qualquer tipo de apoio social fez com que os novos libertos mantivessem a sua condição socioeconômica profundamente fragilizada, uma vez que não detinham propriedade, rendimentos próprios e, muitas vezes, nem sequer rede de apoio pessoal, dado que as suas relações estavam limitadas ao seu próprio enquadramento. Do mesmo modo, a introdução da Lei do Ventre Livre em todos os territórios da monarquia portuguesa, em 1856, levou à separação forçada das crianças de suas mães, que continuavam a ser consideradas propriedade. Os filhos de escravas podiam manter-se à guarda da mãe até aos sete anos, mas depois disso acabavam deixados à sua sorte.

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Não obstante a existência destas leis, o regime de trabalhos forçados perdurou até ao século XX nos territórios colonizados por Portugal, sendo assegurado pelas populações nativas e legitimado sucessivamente pelo Estado português. Em 1897, o Regulamento do Trabalho dos Indígenas impunha-lhes a obrigação de “procurar adquirir trabalho”, sendo que, no caso de tal não acontecer, competia ao Estado “impor-lhes o seu cumprimento”. Esta obrigação foi reforçada depois da implantação da república, em 1914, com o Regulamento Geral do Trabalho dos Indígenas nas Colônias Portuguesas. Nesta lógica, a obrigação moral ao trabalho por parte destas populações desdobrava-se em três tipos:

  • voluntário – quando a pessoa adquiria trabalho por meios próprios sem a intervenção do Estado
  • compelido – quando a pessoa, por ventura de não se “subordinar” ao trabalho, é compelida (leia-se forçada) pelo Estado a aceitar determinada função
  • correcional – quando o trabalho forçado é usado como medida de condenação criminal

Em 1929, o Estatuto Político Civil e Criminal dos Indígenas das Colônias de Moçambique e Angola, legitimava a diferenciação entre colonos e nativos, explicitando que “Não se poderia atribuir aos indígenas os direitos relacionados com as instituições constitucionais.” Esta segregação seria reforçada por múltiplos decretos, ao longo do período do Estado Novo.

Em 1953, a Lei Orgânica do Ultramar deixou de fora o termo “império colonial”, mas manteve o trabalho forçado. Neste documento lê-se que “o Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em obras públicas de interesse geral da coletividade, em ocupações cujos resultados lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de caráter penal ou para cumprimento de obrigações fiscais”.

Nos últimos séculos do seu império, o Estado português assumia-se como protagonista benevolente do colonialismo sobre os povos africanos, mas era na exploração do trabalho que estava a maior ferramenta da sua “missão civilizadora”. Em 1962, depois de observações no terreno, o investigador Perry Anderson referia que “o aspecto mais notório da colonização portuguesa na África é o uso sistemático do trabalho forçado”. Citando o relato de Gwendolen Carter, em Angola em 1959, escrevia:

os trabalhos de construção e reparação de estradas são constantes por toda a Angola… Mas quase executados por mulheres e crianças. Em muitos lugares, vi mulheres africanas com pesadas ferramentas de madeira nas mãos a alisar trechos reparados ou a tapar buracos. Uma vez vi um capataz africano, com os ‘distintivos do cargo’ (um cassetete e um chicote), normalmente para exibição, mas ocasionalmente usados.– Gwendolen Carter (1959), citado por Perry Anderson (1962)

O Estado Novo, o colonialismo e a guerra

A exaltação do colonialismo enquanto glória nacional foi uma das marcas ideológicas do Estado Novo. Ancorada no luso tropicalismo de Gilberto Freyre, teoria que, nas palavras da historiadora Cláudia Castelo, concedia “aos portugueses uma especial capacidade de adaptação aos trópicos, fruto da sua apetência pela mestiçagem, pela interpenetração de culturas e pelo ecumenismo”. Ademais, via no colonialismo português uma benevolência natural, derivada da sua “cristandade fraternal”, e atribuía aos povos português e das demais colônias (incluindo o Brasil) um espírito de unidade cultural.

A partir da década de 1950, contudo, a pressão internacional (incluindo de instituições como a ONU) acabou por levar a uma alteração na maneira como o regime lidava com o tema. É neste contexto, por exemplo, que a terminologia ligada ao colonialismo se transforma em “ultramarina”, numa tentativa de dissimular a realidade.

Em 1961, um ataque reivindicado pelo MPLA à prisão de Luanda desencadeia uma série de acontecimentos que dão início à guerra colonial ou guerra da libertação, para os movimentos libertários africanos. A guerra duraria até ao 25 de abril de 1974, sendo o seu fim a maior motivação para a revolta dos militares que derrubaria a ditadura. Mas os portugueses não combatiam sozinhos: entre 1961 e 1973, as Forças Armadas Portuguesas recrutaram milhares de soldados africanos, integrando-os nos seus contingentes, e trabalhando afincadamente nos esforços anti subversão.

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Gráfico: Interruptor (CC BY-SA) Fonte: Estado Maior do Exército - Resenha Histórico-Militar das Campanhas Africanas (1961-1974), 1º vol. Descarregar estes dados Criado com Datawrapper

O esforço da guerra para Portugal teve impacto a múltiplos níveis: desde a despesa orçamental aos milhares de vidas envolvidas. Cerca de 90% da população jovem masculina foi mobilizada para a guerra, intensificando uma vaga de emigração que só abrandaria já depois da implantação da democracia. Nos territórios ocupados, os massacres duraram até ao fim da guerra. Depois da retirada das tropas portuguesas, vários países mergulharam em guerras civis, acentuando a destruição deixada, mas importa sublinhar que a luta de libertação dos povos africanos contra o colonialismo português foi o maior catalisador do final do fascismo em Portugal.

A guerra colonial causou cerca de 10 mil mortos e 20 mil inválidos entre os soldados portugueses e mais de 100 mil vítimas entre os civis africanos. O trauma dura até hoje para milhares de portugueses, africanos e seus descendentes. Daí que o espaço da memória conjunta da guerra colonial seja avançado por alguns especialistas, como Miguel Cardina ou Fátima da Cruz Rodrigues, como campo de reconciliação entre os povos.

Notas Metodológicas

Ocupação e devolução de territórios por Portugal (1450-2000)

Utilizámos o COLDAT, um conjunto de dados relativo ao processo colonial europeu, que tenta consolidar múltiplas fontes e enquadramentos teóricos relativos a esse período. Ajustámos a data de início de período colonial da Guiné-Bissau e de Moçambique:

Guiné-Bissau - Considerámos o ano de 1588, visto que corresponde à fundação da cidade de Cacheu, onde os portugueses implantaram feitoria e permaneceram até à independência do país, em 1975. A data de 1879, mencionada no COLDAT, diz respeito ao reconhecimento do domínio português num território mais alargado, disputado à altura com os britânicos, que acabariam por conceder Bolama nesse ano.

Moçambique - Considerámos o ano de 1506, uma vez que foi nesta data que se estabeleceram as primeiras feitorias nesse território. O ano de 1885, considerado como o início no COLDAT, diz respeito ao reconhecimento do domínio português sobre o território decorrente da Conferência de Berlim.

A esse conjunto acrescentámos a Índia e Macau, dado que a permanência portuguesa nesses territórios durou vários séculos. Informação acessória sobre o COLDAT pode ser consultada aqui (em inglês).

Tráfico transatlântico de escravos por país (1501-1866)

Dados extraídos da base de dados Slave Voyages, que reúne (e consolida, na medida do possível) os registos do tráfico de escravos pelos vários países europeus ao longo dos vários séculos de exploração colonial. Informação adicional sobre a metodologia utilizada nesta recolhas de dados pode ser consultada aqui.

Cronologia da abolição da escravatura e trabalhos forçados

Foram utilizadas múltiplas fontes, listadas nas referências abaixo.

Referências

  1. CALDEIRA, Arlindo Manuel - Escravos e traficantes no império português: o comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos XV a XIX. 1a. edição ed. Lisboa : Esfera dos Livros, 2013. ISBN 9789896264789.
  2. CASTELO, Cláudia - «O modo português de estar no mundo»: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961)Biblioteca das ciências do homem. História. . Porto : Edições Afrontamento, 1998. ISBN 9789723604863.
  3. CASTELO, Cláudia - José Pedro Monteiro, Portugal e a questão do trabalho forçado : um império sob escrutínio (1944-1962). Lisboa : Edições 70, 2018, 401 pp. ISBN : 978-972-44-2060-8. Ler História. . ISSN 0870-6182, 2183-7791. 75 (2019) 296–299. doi: 10.4000/lerhistoria.6218.
  4. MARQUES, A. H. De Oliveira - Brevíssima História de Portugal . Lisboa : Tinta da China, 2018. ISBN 9789896714185.
  5. NETO, Maria Da Conceição - A República no seu estado colonial: combater a escravatura, estabelecer o «indigenato». Ler História. . ISSN 0870-6182, 2183-7791. 59 (2010) 205–225. doi: 10.4000/lerhistoria.1391.
  6. NETO, Maria Da Conceição - De Escravos a “Serviçais”, de “Serviçais” a “Contratados”: Omissões, perceções e equívocos na história do trabalho africano na Angola colonial. Cadernos de Estudos Africanos. . ISSN 1645-3794, 2182-7400. 33 (2017) 107–129. doi: 10.4000/cea.2206.
  7. PAÇO, António Simões Do (ED.) - 0 25 de abril començou em África. 1a. ed ed. Ribeirão, V. N. Famalicão : Húmus, 2019. ISBN 9789897554605.
  8. RODRIGUES, Fátima Da Cruz - A desmobilização dos combatentes africanos das Forças Armadas Portuguesas da Guerra Colonial (1961-1974). Ler História. . ISSN 0870-6182, 2183-7791. 65 (2013) 113–128. doi: 10.4000/lerhistoria.484.

Texto de Rute Corrêa, originalmente publicado por Interruptor sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Interruptor.

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