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A nova faceta da paradiplomacia no Brasil: manifestações contra a gestão da pandemia

A globalização possibilitou um aumento exponencial das conexões internacionais em todo o mundo. Paralelamente à expansão dos acordos externos tradicionais, a paradiplomacia também avançou em suas relações, tornando ainda mais sólida a interconexão entre unidades subnacionais mundo afora. Na era contemporânea, a paradiplomacia tem revelado uma nova vertente, em que tornou-se possível o compartilhamento de manifestações e pautas comuns às unidades subnacionais em diversos países – seja pela semelhança de situação, seja por identificação como unidade subnacional. No Brasil, a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro, a diplomacia tradicional sofreu um esvaziamento de práticas, e a paradiplomacia assumiu grande parte da representação nacional em Organizações ou em relações com países que a diplomacia tradicional estagnou. Com a chegada da pandemia da Covid-19, a paradiplomacia exerce diversos papéis importantes, ligados ao enfrentamento da crise sanitária, mas também de denúncia internacional da péssima postura adotada pelo Governo Federal. Movidos pela insatisfação da gestão federal, a militância nacional e internacional passou a se organizar de maneira independente, com o intuito de denunciar a postura do Executivo Brasileiro, marcada por desorganização, atrasos em instauração de protocolos e minimização dos danos oriundos da pandemia. Esse artigo se propõe a analisar como a paradiplomacia brasileira, impactada pela crise advinda da pandemia da Covid-19, foi forçada a assumir novos papéis, desde a captação de recursos para lidar com a pandemia, mas principalmente de internacionalizar a gravidade da má gestão executiva da mesma.

Introdução

De tempos em tempos, algumas criações conseguem impactar e mudar os rumos da história nas Relações Internacionais. O advento da globalização possui esse poder. Ela não apenas inseriu de modo definitivo os governos subnacionais (Estados, províncias e municípios) na arena internacional, como também instaurou o que Sassen (2000) denominou de “nova geografia de poder”. É nesse cenário que a paradiplomacia se torna protagonista, seja por inabilidade do Estado Central em tratar de interesses ou preferências locais, ou pela consciência de que a globalização funciona, de fato, nas cidades.

Este artigo propõe trazer, de forma breve, uma análise da evolução da paradiplomacia a partir do advento da globalização, seu significado, no tocante a internacionalização de demandas, e interesses das unidades subnacionais por todo o mundo. Além disso, há também uma preocupação em demonstrar que as relações internacionais praticadas por estados e municípios não buscam rivalizar com seus Governos Federais, mas trabalham paralelamente, como aliadas do processo de imersão das nações no sistema internacional.

Tratando-se de Brasil, nos últimos anos, a paradiplomacia tem assumido um papel ainda mais importante. Com a radicalização nos rumos das relações internacionais praticadas pela diplomacia tradicional no país (SPEKTOR, 2019), o Brasil se distanciou de alguns parceiros internacionais importantes em um momento bastante complexo para todo o mundo. O enfrentamento à pandemia da Covid-19 tem revelado a potência das unidades subnacionais, tanto na realização de transações de equipamentos de proteção individual, respiradores e materiais para os hospitais, quanto na internacionalização de denúncias contra a péssima gestão federal do combate ao Covid no Brasil.

Em sua nova face, a paradiplomacia brasileira conta com mobilizações internacionais de diversos grupos da sociedade civil, compostos por brasileiros e estrangeiros simpatizantes por todo o mundo, visando expor a conduta do Executivo brasileiro. Essa nova forma de parceria internacional revela a paradiplomacia não apenas como veículo de celebração de acordos internacionais, mas também internacionaliza reivindicações públicas.

A Paradiplomacia: uma breve explanação teórica

Os processos globais passaram a fazer parte da dinâmica doméstica e foi desligada “a intersecção entre soberania e território que caracterizou o Estado e o sistema interestatal moderno” (SANTOS, 2016). Contudo, essa nova configuração não significou uma perda ou declínio do poder do Estado, mas sim no reposicionamento do mesmo em um campo mais amplo de poder, assim como uma reconfiguração de trabalhos dos Estados Soberanos (SASSEN, 1999; SASSEN, 2000).

Conforme foi construindo sua imagem e adquirindo protagonismo, o aumento da participação internacional das unidades subnacionais não foi um movimento que agradou os governos centrais. Teoricamente, pelo Realismo Clássico, a concentração das práticas internacionais a partir de um Estado soberano se faz crucial para a manutenção da coerência e da unidade política internacional de qualquer país. Ou seja, o estadocentrismo internacional, pela visão tradicional das Relações Internacionais, ainda é essencial para a garantia de impedimento de quaisquer tentativas de vantagens de adversários ou até mesmo parceiros dos países (VIGEVANI, 2006).

Tratando-se de Brasil, é possível perceber que houve um esforço por parte do governo federal para se adaptar a essa nova movimentação das suas unidades subnacionais, algo que pode ser notado especialmente a partir de 1997, com a criação da chamada Assessoria de Relações Federativas, associada ao gabinete do ministro das Relações Exteriores com o intuito de colocar os dois planos para caminhar na mesma direção (VIGEVANI, 2006). O aumento da interdependência das nações, somada à preocupação com o welfare, é considerado um grande estimulante à tendência dos estados e municípios de se adaptarem a partir rumo à arena internacional (DUCHACEK, 1990).

Autores como Paquin e Lachapelle (2005) defendem a postura de que a globalização e o processo de interdependência, somadas à crise do Estado-nação, foram os principais motivadores da paradiplomacia. Não há uma definição ou uma prerrogativa de cunho ideológico que sirva como indicação a respeito das razões ou estratégias de inserção internacional dos governos subnacionais (KEATING, 1998). Com o fim da essencialidade de conquista territorial, pós-divisão internacional do trabalho na era contemporânea, os Estados passaram a encontrar um mercado cada vez mais acirrado. Isso também incentivou a internacionalização das unidades subnacionais, visto que estas sentiram diretamente a maior dificuldade econômica internacional, cujos Estados Centrais foram expostos (PAQUIN e LACHAPELLE, 2005).

Apesar da paradiplomacia surgir em um contexto de internacionalização em massa de interesses e demandas – por parte das unidades subnacionais –, a partir de uma ineficiência do governo federal em atender de forma eficaz e completa suas questões, historicamente, ela é uma aliada da diplomacia tradicional e da imersão internacional do país como um todo. A paradiplomacia nunca objetivou competir com os moldes tradicionais da execução de política externa, não obstante, busca se apoiar em seus conhecimentos mais específicos sobre os níveis micro dos estados e municípios, a fim de executar acordos e transações mais efetivas e direcionadas (BARRETO, 2001), o que é importante para maior diversificação de temas da participação internacional do Brasil.

Porém, a partir de 2018, há o início de um novo capítulo da política externa brasileira, que acabou por implicar em novas direções para a paradiplomacia. Autores como Matias Spektor (2019) afirmam que houve uma mudança de comportamento das relações internacionais brasileiras. Tais mudanças culminaram em uma sequência de rupturas de comportamentos e acordos internacionais tradicionalmente estabelecidos ao longo da história diplomática do país.

A nova fase da diplomacia tradicional brasileira, iniciada a partir da eleição do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, em 2018, também impactou, mesmo que indiretamente, nas atividades paradiplomáticas das unidades subnacionais brasileiras. Estas, por sua vez, assumiram ainda mais a responsabilidade por demandas locais e uma postura até então não exercida pela paradiplomacia brasileira, que é a de exposição internacional da gestão federal.

A nova prática expositiva de questões internas pela paradiplomacia, no entanto, apenas tornou-se perceptível a partir março de 2020, com a chegada da pandemia da Covid-19 ao Brasil. O atraso na tomada de decisões a respeito de uma campanha nacional de isolamento social, por parte do governo federal, impulsionou as unidades subnacionais a capitanearem esse processo de forma descentralizada. O afastamento do Brasil de parceiros internacionais importantes – que têm tido um papel bastante significativo no tocante à produção de vacinas e demais medidas de enfrentamento da Covid-19, como a China e a Índia – fortaleceu ainda mais os blocos regionais formados por estados e municípios, que passaram a buscar acordos independentes do Executivo.

De forma independente, as unidades subnacionais brasileiras instauraram protocolos de isolamento próprios e realizaram compras internacionais de equipamentos de proteção individual e respiradores. Como novidade, ao longo de 2020, a paradiplomacia brasileira passou a se conectar com redes que encorajavam suas ações e cederam espaço para mobilização e organização de manifestações populares a nível internacional. Os brasileiros que residem em outros países e até mesmo estrangeiros que aderiram à causa, se colocaram como mobilizadores da publicação internacional da gestão do primeiro ano da pandemia da Covid-19 no Brasil pelo atual governo federal.

Mobilizações internacionais: uma nova face da paradiplomacia contemporânea

As mobilizações nacionais e internacionais foram propostas por entidades e coletivos representados pela “Campanha Fora Bolsonaro” e Frente Internacional Brasileira (FIBRA). Independentemente do país, as manifestações representaram uma só voz, acima de tudo, em defesa da vida, que em um pouco mais de um ano, esteve sob clara e constante ameaça na gestão do governo Bolsonaro. Por isso, pelos cinco dias, em diferentes meses, em que brasileiros e estrangeiros foram às ruas, as demandas não divergiram. A denúncia é a mesma: a ineficiência do governo para com as diretrizes – estipuladas pela OMS – necessárias na condução da crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19 que vem assolando o território nacional.

Entre os dizeres bradados, é possível destacar um pedido urgente de afastamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de seu atual cargo, graças à insatisfação crescente relacionada a sua postura e decisões como líder político. No que tange a isso, portanto, é cobrado, por parte da população, um posicionamento do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, que atualmente se depara com o encaminhamento de mais de 120 pedidos de impeachment contra o chefe de Estado.

Ademais, o povo brasileiro urge pela implementação necessária de medidas sanitárias eficazes no atual cenário, como a compra de vacinas, insumos e serviços capazes de elevar o número de vacinados no país. Enquanto que, no que se refere ao cenário econômico em que o Brasil se encontra, quem vai às ruas clama por políticas de manutenção relacionadas à atual renda dos milhares de brasileiros afetados pela onda de desemprego e falências recorrentes não só da pandemia, visto que essa é uma realidade que gera preocupação há alguns anos. Destaca-se, portanto, a volta do auxílio emergencial no valor médio de R$600, enquanto o valor atual, incompatível com a realidade dos brasileiros, é de R$250.

Além disso, cabe salientar que, outro aspecto comum às manifestações ocorridas nos últimos meses diz respeito à ampliação no número nacional e internacional de adeptos. Isso se explica, dentre outras razões, pelo impacto gerado a partir da instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que, como observado, vem obtendo altíssima visibilidade e acompanhamento por parte da população brasileira, algo que acabou por gerar certo constrangimento ao governo federal ao longo das sessões.

A Comissão tem apresentado diariamente diversos depoimentos que apontam para a tentativa de transferência de responsabilidade, negacionismo e pouca visão por parte do governo federal para resolver a crise. Essa situação tem colocado nas mãos do organismo de investigação a ferramenta responsável por causar efeito “imediato” no desgaste da popularidade do presidente, algo que vem sendo observado nas pesquisas realizadas durante esse período pelo Datafolha. Tudo isso tem servido para ampliar ainda mais a crise política que o país atravessa, visto que oferece munições para que o Planalto tente reagir ao governo, mobilizando apoiadores e, como objeto dessa análise, levando o povo brasileiro às ruas.

O supracitado acompanhamento da CPI por parte da população brasileira que, nesse caso, tem tido um caráter diferenciado de outras comissões parlamentares ocorridas nos últimos anos, acabou por fomentar significativamente o debate político nas redes sociais. Ademais, paralelo a isso, a repercussão da comissão vem sendo potencializada incisivamente pelos senadores, que acabam por atribuir destaque diário à questão das vacinas, algo que produz efeito direto às expectativas da sociedade para com o andamento das investigações.

Dessa forma, graças ao processo dado pela Comissão no cenário atual, oferecendo uma sensação de transparência frente às decisões tomadas pelo governo que vêm sendo esclarecidas, é possível perceber seu impacto no aumento de adesão nacional e internacional às manifestações. Até mesmo a parcela da população que, nas primeiras mobilizações, se opuseram aos atos públicos, estão aos poucos cedendo à participação, por compreenderem a necessidade de imunização em massa para que a pandemia possa ser contida e perceberem que, da forma como o Executivo vem agindo, tornou-se insustentável.

Aliás, outro ponto importante que as manifestações abordam diz respeito às expectativas para as próximas eleições, em 2022. Não há, historicamente, um posicionamento da paradiplomacia brasileira nesse sentido, contudo, como uma das principais bandeiras apontam para a insatisfação com o atual presidente, percebe-se que há uma demonstração coletiva, e não, partidária, por parte das unidades subnacionais, de não apoiar em seus territórios uma possível tentativa de uma candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro.

No que tange, portanto, às mobilizações, o dia 25 de abril de 2021 foi responsável por marcar o início de uma união entre a militância nacional e internacional no que tange às denúncias sobre a má gestão da pandemia de Covid-19 no Brasil por parte do governo Bolsonaro, que se mostrava contra direitos fundamentais. Pouco mais de um ano do começo da pandemia, o país se encontrava com crescimento exponencial no número de mortes e diversos estados beirando o colapso em seus atendimentos de saúde. Essa realidade resultou na mobilização de partidos, organizações da sociedade civil e outros grupos a deixarem suas divergências políticas de lado por um bem maior, a vida.

Aos olhos do país e do mundo, o presidente Jair Bolsonaro levou ao extremo a insatisfação do povo brasileiro. Ao negar a ciência – pela promoção do descaso sobre a gravidade da situação e ignorando a necessidade do uso de máscaras –, incentivar aglomerações e divulgar mentiras sobre o novo vírus e seu tratamento em meios de comunicação, o chefe de Estado desprezou a preocupação da população mundial e ignorou a crescente ameaça acerca de um colapso do sistema de saúde do próprio país.

Enquanto, em território nacional, houve a articulação de todo o país para que milhares de brasileiros fossem às ruas bradar pelas 400 mil mortes, internacionalmente, outros países e organizações internacionais aderiram à causa. Cerca de 16 países uniram-se em solidariedade à indignação da população brasileira que, em sua grande maioria, acredita que tantas perdas poderiam ter sido evitadas se não fosse pela negligência estatal.

Outra manifestação importante ocorreu no dia 29 de maio de 2021, quando espalhou-se, por toda a internet, a hashtag “#29MForaBolsonaro”, visando dar visibilidade ao movimento e às manifestações anti-bolsonaristas. No cenário nacional houve atos em 213 cidades no Brasil pedindo satisfações pelas então mais de 460 mil mortes causadas pela Covid-19, por um auxílio emergencial maior e pelas primeiras revelações trazidas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid.

Internacionalmente, manifestantes se reuniram em 14 cidades no exterior, como Londres, Paris, Bruxelas, Lisboa, Amsterdã, Genebra, Berlim, Nova York, entre outras. Esses atos reuniram, ao todo, dezenas de milhares de pessoas. Em alguns casos, essas manifestações foram destaque internacional, aparecendo em jornais como The Guardian, La Nación, Reuters, Al Jazeera, France 24 e TRT. Em algumas delas, somadas às demandas relacionadas à pandemia, houve menções à preservação da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas, à democracia e à Marielle Franco.

Em um sábado do mês seguinte, no dia 19 de junho de 2021, outra grande mobilização ocorreu  com 427 atos no Brasil e no exterior. Ao todo, mais de 750 mil pessoas se mobilizaram nas ruas para protestar em prol de respostas para mais de um ano de ineficiência do governo federal brasileiro. Outras questões pautadas pela população foram a defesa dos serviços públicos, a luta contra os cortes na educação, o teto de gastos e as privatizações – principalmente após a autorização da privatização da Eletrobrás.

A mobilização foi divulgada, nas redes sociais, por meio da hashtag “#19JForaBolsonaro” e coincidiu com o dia no qual o Brasil passou a marca de 500 mil mortos pelo vírus responsável pela Covid-19. Ao todo, em território nacional, participaram 25 capitais dos estados brasileiros, além de Brasília. No cenário internacional, em paralelo, algumas proeminentes cidades como Zurique, Londres, Samur, Coimbra, Dublin, Berlim, Washington e Roma  garantiram a adesão ao movimento.

Na época, diversas figuras políticas se posicionaram a favor das manifestações e contra o governo de Jair Bolsonaro ou lamentaram o número de mortes. Uma comoção pública por parte de representantes políticos brasileiros tomou as redes sociais em figuras como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) e o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos (PSOL), diversos senadores da CPI da Covid e governadores estaduais, Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Até então essa havia sido a maior manifestação do gênero, tanto em número de participantes, quanto no pronunciamento público de políticos de tantos partidos diferentes.

O dia 03 de julho de 2021 pode ser considerado um grito de angústia das milhares de pessoas que foram às ruas comparecer ao ato divulgado nas redes sociais como “#3JForaBolsonaro”. Sua realização, a princípio, estava prevista para o final do mês, dia 24, mas foi antecipada em caráter de urgência devido à gravidade das descobertas a partir de novos depoimentos ouvidos na CPI da Covid. Nelas, o governo foi colocado no centro de um escândalo de propina na compra de vacinas – uma das principais demandas da população que tem ido às ruas –, no valor de US$1 por dose a ser comprada, sendo esta compra então negociada pelo já exonerado diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias.

Além do supracitado escândalo que impulsionou a insatisfação da população frente à gestão do atual governo, um “super pedido” de impeachment foi responsável por ocupar a sinalização realizada pelos milhares de cartazes que marcavam presença nas ruas das grandes cidades do Brasil e do mundo, como na própria capital do país, Brasília. O documento em questão, com 46 signatários de diferentes partidos da esquerda e direita, reuniu acusações de crimes do presidente Jair Bolsonaro presentes em mais de 120 pedidos anteriores – já encaminhados à Câmara dos Deputados sem obter uma satisfatória resposta.

O ato em questão, igualmente aos demais, sendo articulado por entidades políticas, coletivos e organizações não-governamentais, foi responsável por levar cerca de 800 mil pessoas às ruas. No dia, 312 cidades brasileiras, além de 35 cidades em 16 países do exterior – entre eles, Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Portugal e Itália –, tornaram-se cenário das denúncias feitas aos discursos e posicionamentos individuais do presidente, assim como as decisões tomadas por seu governo que, direta e indiretamente, acabam por afetar e prejudicar ainda mais a população brasileira que urge por dias melhores frente à pandemia.

Por fim, concluindo o até então calendário de manifestações em cooperação entre entidades nacionais e internacionais, o conhecido nas redes sociais como “#24JForaBolsonaro” estava marcado para acontecer desde a mobilização do dia 19 de Junho de 2021. Independentemente do dia 03 de julho ter acontecido pela urgência frente às novidades da CPI da Covid e a necessidade da população de manifestar sua indignação naquele momento, o planejamento para o dia 24 foi mantido e ocorreu conforme programado, possuindo ampla mobilização das entidades responsáveis por sua articulação e divulgação.

No exterior, em mais de 35 cidades, brasileiros e estrangeiros simpatizantes com a causa ocuparam as ruas em denúncia às decisões do governo Bolsonaro frente à pandemia de Covid-19 no Brasil. Além disso, em particular na Holanda, na cidade de Haia – sede do Tribunal Penal Internacional (TPI), em que tramitam ações e denúncias contra o presidente –, ativistas realizaram atos para reforçar as denúncias, clamando por urgência. Enquanto isso, no Brasil, cerca de 120 cidades, espalhadas em 26 estados e o Distrito Federal, tiveram ruas ocupadas pela população que, além das supracitadas demandas referentes à pandemia, mostravam-se contra a privatização da Eletrobrás e dos Correios.

Portando máscaras e mantendo o máximo do distanciamento social possível em virtude do coronavírus, os estimados 600 mil manifestantes ocuparam as ruas portando cartazes com os dizeres “Vamos celebrar a vida: Viva a vacina” e “#ForaBolsonaro”; “Amazônia em pé, abaixo Bolsonaro” e “Correios ficam, Bolsonaro sai”. Deixando de lado divergências políticas, representantes da esquerda e direita, mais uma vez se uniram, com apoio estrangeiro, em defesa da vida dos brasileiros e contra a permanência do presidente Jair Bolsonaro.

Considerações Finais

A paradiplomacia foi fundamental para a imersão das unidades subnacionais no sistema internacional. Graças a ela, estados e municípios conseguem realizar acordos e estabelecer parcerias paralelas às do Governo Central. Como parte das transformações temporais, entre as novas práticas de acordos paradiplomáticos, há adoção de pautas internacionais, que mobilizam diversas organizações da sociedade civil de forma pública, atribuindo caráter transfronteiriço a manifestações locais.

Em síntese, no que se refere às mobilizações, merece destaque a publicidade executada através de redes sociais pela imprensa não tradicional, que se preocupou em demonstrar as narrativas populares dos protestos e, em muitos casos, ofereceu a cobertura de atos em diferentes cidades do Brasil e do mundo. Essas plataformas têm sido cruciais para a mobilização nacional e internacional, demonstrando que todos que vão às ruas, o fazem pelo mesmo propósito. Juntos por uma mesma causa, maior que divisões políticas e fronteiras, manifestantes dos mais diversos lugares do mundo marcaram presença clamando pela saída do presidente Jair Bolsonaro e efetivas diretrizes acerca da pandemia.

Nesse sentido, ao analisar individualmente as manifestações ocorridas ao longo dos últimos meses, foi perceptível que a insatisfação por parte dos brasileiros cresceu a cada ato realizado. As descobertas de novos acontecimentos no cenário político, que afirmam a tentativa de transferência de responsabilidade, por parte do Ministério da Saúde e do próprio Governo Federal, somado ao fato do apelo emocional que a pandemia possui sobre a população, agiram como catalisadores para a organização nacional e internacional de novos atos.

De fato, não se pode atribuir exclusivamente a movimentação da paradiplomacia brasileira ao atual desgaste do Governo. Porém, a articulação das unidades subnacionais tem sido essencial desde a captação de recursos e práticas de enfrentamento à pandemia, como na exposição da conduta do atual Executivo, algo que tem ampliado sua base de destaque internacional e impactado diretamente a política doméstica brasileira. Tal fato pode ser confirmado pela prorrogação do prazo de funcionamento da CPI, onde o requerimento que deu origem ao pedido obteve 34 assinaturas de parlamentares, sete a mais do que o necessário. Ainda há poucas informações para se afirmar o tamanho desse impacto para a paradiplomacia, contudo, a forma como ela se viu motivada pela crise à assumir novos papéis e influenciar o âmbito nacional para além da internacionalização de demandas, demonstra que nada mais será como antes para a política externa brasileira no mundo pós-pandemia.

Referências Bibliográficas

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VIGEVANI, Tullo. Problemas para a Atividade Internacional das Unidades Subnacionais: Estados e Municípios brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, 2006.

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