Por Richard Atimniraye
Taiwan e Somalilândia são dois países que operam dentro de estruturas internacionais desafiadoras, pois não são reconhecidos ou são apenas parcialmente reconhecidos pela comunidade internacional. Ambos os territórios operam de forma independente, mas continuam sendo reivindicados por potências globais: desde 1949, Taiwan é reivindicado pela República Popular da China sob a política de Uma Só China, e a Somalilândia, que declarou independência da Somália em 18 de maio de 1991, ainda é considerado parte da Somália sob a política de Uma Só Somália. Taiwan tem uma população de aproximadamente 23 milhões de pessoas, enquanto a Somalilândia é lar de cerca de 5,7 milhões de residentes.
Em 2020, Taiwan e Somalilândia deram um passo ousado ao estabelecerem escritórios representativos mútuos — o escritório de Taiwan em Hargeisa foi inaugurado em 17 de agosto, e o escritório da Somalilândia em Taipei em 9 de setembro. Esses movimentos marcaram um importante avanço diplomático, reforçando a busca mútua por reconhecimento.
Para saber mais sobre o desenvolvimento dessa relação, o Global Voices entrevistou o Embaixador Allen Lou (羅震華), representante de Taiwan na Somalilândia, que compartilhou suas percepções sobre como essa parceria oferece uma alternativa democrática à influência da China na África por meio de projetos de desenvolvimento que enfatizam governança e sustentabilidade. A discussão aprofundou-se em como a cooperação entre os dois países serve como um contrapeso ao crescente poder de Pequim e explora as implicações globais mais amplas dessa aliança.b
A relação diplomática entre Taiwan e Somalilândia é emblemática de uma rivalidade geopolítica mais ampla entre Taiwan e a China, especialmente na África. Segundo Lou, enquanto a China se estabeleceu como um ator econômico dominante por meio de sua Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) — caracterizada por grandes projetos de infraestrutura e empréstimos no Sul Global — Taiwan tem se concentrado em construir parcerias baseadas no respeito mútuo e em valores democráticos. Esse contraste é ilustrado de forma marcante nas estratégias divergentes que cada um emprega: a abordagem de Pequim frequentemente envolve investimentos que deixam os países atolados em dívidas, enquanto Taiwan enfatiza projetos de desenvolvimento sustentável e de capacitação.
A visão de Lou sobre a influência da China na África é clara:
“A BRI da China não se trata apenas de infraestrutura; trata-se de criar dependência, tanto econômica quanto política. As iniciativas de Taiwan na Somalilândia servem como um contrapeso ao crescente domínio da China. A Somalilândia é um farol de democracia no Leste da África, assim como Taiwan é na Ásia. Nossa presença aqui não se resume apenas a cooperação no desenvolvimento; é sobre salvaguardar a democracia em uma região onde a China está tentando expandir seu modelo autocrático.”
Uma Visão para Somalilândia: Além da Ajuda
“As iniciativas de Taiwan não se tratam apenas de ajuda, mas de construção de parcerias de longo prazo, baseadas em respeito mútuo e valores compartilhados. “Somalilândia e Taiwan compartilham uma luta comum por reconhecimento internacional, e é daí que nossa ligação começa. Nossa abordagem é centrada nas pessoas, com foco em saúde, agricultura, educação e tecnologia, ao contrário dos pesados empreendimentos econômicos da China que frequentemente resultam em dependência financeira”, explicou Lou.
Ao contrário dos grandes projetos de infraestrutura sob a BRI, as iniciativas de Taiwan são de menor escala, mas projetadas para fomentar a autossuficiência. “Não estamos aqui para criar dependência; estamos aqui para ensinar as pessoas a pescar, não apenas dar-lhes peixe”, comentou Lou, ecoando a filosofia de desenvolvimento sustentável de Taiwan
Lou enfatizou o papel único do escritório representativo de Taiwan na Somalilândia, que o distingue de outras presenças diplomáticas no mundo. “Em outros lugares, você pode encontrar embaixadas da ROC em países como Eswatini — a única nação africana que reconhece Taiwan — ou escritórios representativos de Taipei em lugares como Nigéria e Burkina Faso”, esclareceu. “Mas aqui, na Somalilândia, o uso explícito de ‘Taiwan’ marca uma diferença significativa.” Essa distinção destaca a identidade em evolução de Taiwan e sua afirmação de soberania no palco global, independente tanto da RPC de Mao Tse-tung quanto da ROC de Chiang Kai-shek.
A presença de Taiwan na Somalilândia não é apenas simbólica; é respaldada por iniciativas concretas voltadas para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento das capacidades locais. Taiwan lançou projetos nas áreas de saúde, agricultura, TIC e treinamento profissional, além de oferecer bolsas de estudo para estudantes da Somalilândia estudarem em Taiwan. Adicionalmente, pessoal militar da Somalilândia é convidado para receber treinamento em Taiwan, fortalecendo ainda mais a parceria entre os dois países. Na visão do Embaixador, esses esforços contrastam fortemente com os empreendimentos econômicos da China na África, que muitas vezes levam à dependência financeira. Em vez disso, a abordagem de Taiwan reflete seu compromisso em capacitar a Somâlilandia como um parceiro estável e democrático na região.
Resolução 2758 da ONU: um campo de batalha diplomático
Para Taiwan, um elemento-chave de seu reconhecimento internacional é sua narrativa sobre a Resolução 2758 da ONU. Aprovada em 1971, a resolução reconheceu a RPC como “a única representante legítima da China nas Nações Unidas”, substituindo efetivamente a ROC, comumente referida como Taiwan.
Lou oferece uma perspectiva nuançada e não convencional sobre a resolução. Ele explica que o objetivo original não era expulsar Taiwan por completo, mas especificamente remover os representantes de Chiang Kai-shek, líder da República da China (ROC), que governou de 1928 até 1975. Após perder a Guerra Civil Chinesa para o Partido Comunista Chinês (PCC), o governo de Chiang se refugiou em Taiwan em 1949 e continuou a reivindicar a representação de toda a China nas Nações Unidas. A Resolução 2758 da ONU transferiu essa representação para a República Popular da China (RPC), removendo os delegados de Chiang, mas não tratando diretamente do status de Taiwan. “A resolução se concentrou no assento da ROC, não em Taiwan em si”, explicou. “A RPC distorceu essa resolução para sugerir que Taiwan faz parte da China, mas esse nunca foi o significado original.” Lou observou que, embora a resolução tenha restaurado os “direitos legais” da RPC nas Nações Unidas, ela nunca mencionou explicitamente Taiwan ou seu povo.
Lou apontou ainda que a maioria dos países, incluindo os Estados Unidos e o Canadá, observou a Resolução 2758, mas nunca reconheceu formalmente Taiwan como parte da China. “Há uma diferença sutil, mas importante”, explicou Lou. “Os EUA e o Canadá reconheceram a RPC como representante da China, mas nunca reconheceram formalmente Taiwan como parte da China.”
Segundo Lou, Pequim utiliza sua interpretação da resolução como uma arma diplomática para isolar Taiwan e excluí-lo de organizações internacionais, como as Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso faz parte de uma estratégia mais ampla da RPC para expandir sua influência global, particularmente em regiões como a África.
A Somalilândia enfrenta uma luta semelhante por reconhecimento internacional.
Apesar de ter declarado sua independência da Somália em 1991, a Somalilândia não é formalmente reconhecido por nenhum país, embora mantenha relações diplomáticas com várias nações e entidades, incluindo Taiwan. A estratégia da Somâlilandia para obter reconhecimento se concentra em demonstrar sua estabilidade, governança democrática e potencial econômico, especialmente por meio de parcerias estratégicas.
Uma dessas parcerias é o Memorando de Entendimento (MOU) assinado em janeiro de 2024 com a Etiópia, visando garantir o reconhecimento da Somalilândia e aumentar o comércio e a cooperação entre os dois vizinhos. Além disso, a cidade portuária de Berbera despertou o interesse como um possível local para bases militares, com discussões sobre a possibilidade de bases navais dos EUA e de Taiwan, como parte da importância geopolítica da região. Esses movimentos, combinados com os esforços da Somâlilandia para manter fortes laços com parceiros influentes, refletem sua determinação em finalmente obter reconhecimento internacional e estabelecer-se cada vez mais como uma entidade soberana e estável.
Texto traduzido do artigo Taiwan’s presence in Somaliland: Interview with Ambassador Allen Lou, de Richard Atimniraye, publicado por Global Voices sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Global Voices.