Os acontecimentos do último fim de semana deixaram muitos observadores com a sensação de estar vendo o drama da História se desenrolar diante de seus olhos. O conteúdo dos discursos proferidos pelo Secretário de Defesa Pete Hegseth e pelo vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, no quartel-general da OTAN, em Bruxelas, e na Conferência de Segurança de Munique, respectivamente, eram esperados e previsíveis em seu fundo, mas foram devastadores na forma: uma reprimenda sem rodeios aos seus parceiros e aliados europeus.
As consequências práticas de ambos os discursos ainda estão por ser completamente avaliadas e podem vir a mudar o curso da história. Quaisquer que sejam, é inegável que o vínculo transatlântico sofreu um dano considerável.
Parece que os Estados Unidos já não estão dispostos a cobrir incondicionalmente as costas da Europa, e que a garantia de segurança que oferecem ao continente desde 1945 agora dependerá de os aliados atenderem às exigências impostas por Washington; uma relação assimétrica em que tudo tem um preço.
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Decadentes e inoperantes?
O tom de ambos os discursos manifesta com toda clareza o pouco respeito que os EUA dispensam aos seus parceiros europeus, a quem consideram decadentes e inoperantes; a visão puramente realista e transacional que Donald Trump tem sobre as relações exteriores, ignorando que a presença dos Estados Unidos na Europa responde, antes de tudo, à necessidade de satisfazer seus interesses geoestratégicos; e as tristes realidades da indefesa da Europa diante das ameaças que pairam sobre ela, e de que, se não reagir, está condenada à irrelevância, se já não está plenamente instalada nela.
A reunião de países europeus organizada apressadamente em Paris, com sua liturgia de queixas dos não convocados e de divergências sobre o papel da Europa nesta grave circunstância, não faz nada além de aprofundar a ferida.
Um anão militar
Não faltará quem considere que a Europa colhe hoje o que semeou ao longo de várias décadas, ignorando as demandas por uma defesa digna desse nome. A Europa optou por se tornar um anão militar e, consequentemente, o presidente Trump decidiu agora, porque pode, resolver o futuro da Ucrânia bilateralmente com a Rússia, sem levar em consideração nem a Ucrânia nem o continente.
Tal visão não está isenta de mérito, mas é injusta neste caso concreto, porque, com todas as limitações que possa ter, a assistência financeira e material europeia à Ucrânia não foi pequena, e porque o continente teve que fazer um esforço importante – do qual os Estados Unidos se beneficiaram – para reduzir sua dependência dos recursos energéticos russos.
Além disso, a questão que está em jogo afeta diretamente a Europa, já que convive com a Rússia na Eurásia sem poder se beneficiar do fosso protetor do Atlântico.
Negociações sobre a Ucrânia, mas sem a Ucrânia
As negociações mal começaram e seus contornos ainda são imprecisos. A ideia de implantar na Ucrânia uma força multinacional europeia para manter a paz parece estar se consolidando como uma das demandas que Trump poderia fazer aos seus parceiros.
Se, finalmente, a Rússia aceitasse tal implantação, provavelmente os europeus aceitariam a decisão para não desagradar mais os Estados Unidos. No entanto, fazê-lo requer esclarecer antes aspectos cruciais, como a necessidade de contar com uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, onde, não se esqueça, a Grã-Bretanha e a França têm direito de veto; ou os objetivos específicos que as forças deverão cumprir, as condições para o uso da força ou a situação final desejada para proceder ao redesdobramento.
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Além disso, a força deveria contar com um sistema robusto de comando e controle, e com capacitações essenciais, como comunicações, inteligência ou defesa aérea. Finalmente, deveria ter uma reserva potente e o respaldo credível de outros meios para dissuadir a Rússia de atacar ou hostilizar as forças implantadas na Ucrânia. Tudo isso, atualmente, torna imprescindível uma contribuição norte-americana mínima.
Preparar-se para o pior dos cenários
Aceitar o desdobramento sem uma resposta satisfatória a essas questões envolve aceitar riscos significativos: o que acontece se, por exemplo, um membro da OTAN for atacado pela Rússia?
A decisão de participar é soberana de cada um dos países europeus afetados, que, em nome de sua própria segurança, não devem desistir de exigir uma voz na tomada de decisões que os afetam tão gravemente.
A chegada de Trump abriu um parêntese que pode ser fechado, retornando à normalidade, quando seu mandato terminar. A Europa deve, no entanto, se preparar para o pior dos cenários; considerar que as relações transatlânticas nunca mais serão como antes; e fazer da necessidade uma virtude, avançando na direção de alcançar uma verdadeira autonomia estratégica com a ajuda da OTAN, que, apesar de tudo, continua sendo vital para a segurança do continente.
Texto traduzido do artigo ¿Cuál debe ser la respuesta europea ante la encrucijada de Ucrania?, de Salvador Sánchez Tapia, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.