Resumo
As cidades globais, como produtos da economia global, atuam sob a lógica do capital, incluindo nesses moldes suas políticas culturais. Uma parte importante da influência que essas cidades têm conquistado na economia global está fortemente atrelada à identidade e narrativa que elas desenvolvem e comunicam. O presente artigo analisa Singapura como cidade-estado global e a forma como se posiciona utilizando cultura, economia criativa e (para)diplomacia como ferramentas de place branding.
As dinâmicas transnacionais das cidades globais
Conforme argumenta Sassen (2005: 36), a “ótica da globalização contribui para identificar uma arquitetura organizacional complexa que atravessa fronteiras e é parcialmente desterritorializada e parcialmente concentrada espacialmente nas cidades”. Assim, a análise das cidades – particularmente as cidades globais ou aquelas com funções de cidades globais – torna possível reconhecer as múltiplas dinâmicas transnacionais, entre as quais se destacam as cidades. Essas cidades têm emergido como locais não apenas de capital global, mas também de transnacionalização do trabalho e de formação de comunidades e identidades.
Cidades globais são representadas como a manifestação da economia global; elas são produtos do sistema mundial que articula uma rede de cidades. Essa rede transnacional de capital, segundo Olds e Yeung (2004), possui também um papel fundamental de definir a identidade de cada uma dessas cidades globais. As cidades globais são mercados culturais envolvidos num fluxo transnacional de pessoas; entre profissionais com baixa ou alta qualificação, imigrantes de baixa ou alta renda, elites econômicas e turistas. Como cita Yeoh (1999), as culturas metropolitanas abrem (e fecham) diferentes bases para formas infinitamente hibridizadas de identidades e mobilizações, sendo constantemente (re) moldadas por esses fluxos transnacionais.
A criação de cidades globais está cada vez mais atrelada à integração das atividades econômicas e culturais em torno da produção e consumo de artes, arquitetura, moda, mídia, gastronomia e entretenimento. De acordo com Yeoh (2005), a competição por investimentos, atração de talento internacional e elites cosmopolitas não se dá somente no âmbito econômico, mas também no terreno das políticas culturais da cidade, como na construção de projetos urbanos, planos para o desenvolvimento do setor cultural, além de estratégias de promoção da cidade e place branding. Assim, as cidades globais não apenas incorporam as indústrias culturais, mas são também palco para misturas transnacionais de culturas e dinâmicas sociais.
A formação de Singapura como cidade-estado global
Um dos grandes desafios do mundo atual em constante mudança é a questão da governança e em encontrar estruturas de governança que possam lidar de modo eficiente com os problemas enfrentados por entidades a nível local, nacional, multinacional e supranacional. Desse modo, cidades podem ser mais efetivas lidando com esses problemas, já que tendem a estar focadas em questões do dia a dia e, geralmente, lidam com configurações menos complexas. Um exemplo é Singapura que, como cidade-estado, atua em dois níveis de governança. Como um dos 193 membros da Nações Unidas, tem legitimidade, autonomia e recursos para atuar com autoridade e flexibilidade no cenário global.
No nível único da cidade-estado, vemos a rápida reformulação de políticas, programas e projetos no contexto de uma consciência do que o status de cidade global / mundial traz consigo, e o que pode ser necessário para se tornar tal cidade. Em outras palavras, tais cidades-estados estão intencionalmente adotando alguma forma de discurso global / mundial à medida que remodelam as políticas à luz dos insights percebidos e gerados por esse discurso (Olds e Yeung, 2004: 500)
Esse processo de tornar uma cidade-estado uma cidade global implica em desenvolver políticas para que o local se torne atrativo não apenas para receber os fluxos da economia global, mas também para dar origem a eles. As cidades-estados globais têm a capacidade política e legitimidade para mobilizar recursos estratégicos para atingir objetivos que seriam inimagináveis em cidades globais que não são cidade-estado.
As cidades-estados globais não são restringidas pelas tensões inerentes à política nacional versus urbana (ou política de desenvolvimento regional) que confronta tantos países em desenvolvimento e desenvolvidos que aspiram “construir” suas cidades globais. Em outras palavras, não há regiões ou cidades intranacionais competindo por recursos materiais e imateriais. A política de construção da cidade / nação tende a se concentrar nos pontos fortes e fracos das opções políticas, e não em qual unidade territorial intranacional que merece atenção e recursos (Olds e Yeung, 2004: 508-5010).
Localizada no coração da região mais populosa e com o desenvolvimento econômico mais acelerado do mundo, Singapura encontra-se numa situação favorável para ser um hub global e um laboratório de políticas urbanas para o mundo. Conforme menciona Calder (2016), a geografia de Singapura, seu sistema de transporte, comunicação e infraestrutura institucional facilitam o movimento de pessoas, produtos e ideias, assim, destaca-se seu potencial de crescimento econômico, mesmo estando apartada de centros econômicos da Europa e América do Norte. Além disso, a ausência de corrupção e a facilidade de fazer negócios na cidade-estado dá confiança ao investimento estrangeiro.
A arte da sobrevivência de pequenos Estados, como Singapura, inclui tentativas de ampliar sua importância para a comunidade internacional. Por conta da habilidade política de sua liderança e assistência em investimento e desenvolvimento de países desenvolvidos, Singapura pôde prosperar mesmo sem recursos naturais ou fundos econômicos. Muito da história de Singapura está atrelada à contínua da conectividade da ilha com o mundo, atribuindo o sucesso de Singapura à sua função como cidade portuária e extensão em que os fluxos de capital, cultura e demográficos foram facilitados.
Uma ampla variedade de explicações foi oferecida para o sucesso de Singapura, principalmente por sociólogos e economistas políticos. Muitos apontaram a notável liderança pessoal do fundador de Singapura, Lee Kuan Yew, e os valores de pragmatismo, meritocracia e honestidade que ele disseminou. Outros enfatizaram a estrutura organizacional distinta da burocracia de Singapura, enquanto outros ainda privilegiam as coalizões sociais e a organização socioeconômica da sociedade civil. Outros ainda enfatizaram a capacidade dos singapurianos de compreender e responder às forças do mercado global. Alguns, no entanto, são totalmente céticos não apenas em relação às realizações econômicas de Singapura, mas também em seus resultados sociais, que consideram como resultados perversos de sua história de autoritarismo brando (Calder, 2016:30-31).
A característica dupla de Singapura como nação e cidade também influencia sua importância como um paradigma global, como indica Calder (2016), sendo considerada uma smart city por ser um laboratório de soluções globais. Sendo de modo simples inteligente e adaptável – tanto como nação e como comunidade urbano – Singapura tende a se destacar em um mundo cada vez mais volátil. O Banco Mundial, por exemplo, considerou Singapura, por 11 anos consecutivos (de 2006 a 2016) como o país mais fácil de fazer negócios no mundo.
Muito da obsessão de Singapura por excelência levou a cidade à uma hierarquia geográfica de superlativos, sendo por vezes posicionada como hub global ou hub asiático, dependendo de qual posição tem mais vantagem. Assim, como pontua Yew (2011), os principais fatos históricos da cidade-estado são, na verdade, diferentes partes do capitalismo se desenvolvendo, transformando e moldando Singapura nas lógicas do capital. Por meio de um dinâmico fluxo de capitais e ideias, Singapura tem desempenhado um papel cada vez mais importante como hub global – especialmente quando se trata de desenvolvimento urbano, em que tem a vantagem de ser tanto uma cidade como um Estado.
Desde o começo dos anos 1990, o investimento estrangeiro tem crescido continuamente em Singapura. Mudanças na geopolítica mundial, particularmente com o fim da Guerra Fria, permitiram Singapura ter acesso a países como Vietnã, China e Rússia, antes parte do bloco comunista; um fator que facilitou o crescimento de Singapura em alta-tecnologia, equipamentos de precisão e de setores de serviço.
Conforme cita Yew (2011), desde os anos de 1990, o governo de Singapura tem usado o conceito de “economia do conhecimento” para marcar a transição econômica da fase de produção – economia industrial intensiva em trabalho e material – para a fase de produção de pesquisa e conhecimento. Nesse processo, o governo atraiu investidores, parceiros e talentos com generosas concessões e infraestrutura de pesquisa, organizou seus regimes de propriedade intelectual e enfatizou um novo modelo de Singapura como empreendedora.
No modelo da economia do conhecimento, acredita-se que novas formas de commodities como equipamentos eletrônicos, software, produtos farmacêuticos, filmes, livros e música irão substituir commodities tradicionais por conta de seus valores serem baseados no conhecimento mais do que no trabalho braçal e na matéria-prima. Singapura constrói sua economia do conhecimento nos fluxos locais e globais que permitem a circulação de commodities do conhecimento, capital e recursos.
Por ter o conhecimento regional ao mesmo tempo em que as habilidades para interagir com a rede global de conhecimento, Singapura é vista como um hub global e regional. Assim, o governo local tem investido na narrativa do papel de Singapura na economia global, da importância do empreendedorismo e da necessidade de uma economia diversificada que integre empresas multinacionais, startups e empresas locais para produzir produtos e serviços inovadores. Assim, Singapura deseja posicionar-se como “hub global do conhecimento na Ásia”, com princípios ancorados no capitalismo global, tecnologia, transnacionalismo e no fluxo de cultura e de pessoas.
Singapura também inaugurou centros de pesquisas de excelência com parceiros estratégicos globais como o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a Universidade Cambridge, além de programas com universidades locais como a Universidade Nacional de Singapura. Como resultado do forte compromisso de Singapura com pesquisa e desenvolvimento, para melhoria da atuação em ciência, tecnologia e inovação, as universidades nacionais têm se destacado regional e globalmente. A forma de gestão de Singapura – nos níveis locais, nacionais e globais – tornou-se cada vez mais inteligente na medida em que teve uma abordagem inovadora ao unir tecnologia com a eficiência de seus líderes.
O crescimento rápido de Singapura fez aumentar exponencialmente o número de estrangeiros no país, que hoje já são mais de 2 milhões e representam quase 40% da população. Cerca de 80% desses trabalhadores são profissionais menos qualificados de países vizinhos em desenvolvimento que foram à cidade em busca de melhor qualidade de vida. Por outro lado, Singapura tem trabalhadores qualificados, atraindo expatriados do Oriente Médio, Europa e América do Norte – um dos exemplos é o brasileiro cofundador do Facebook, Eduardo Saverin. Importante dizer que muito do sucesso de Singapura em receber investimento estrangeiro está relacionado com suas políticas amigáveis de imposto e negócios.
Um ambiente favorável de negócios também requer uma situação política e social estável, um sistema legal eficiente e transparente, efetividade na proteção de direitos de propriedade intelectual, entre outras características. Embora a literatura sobre cidades-globais esteja relacionada principalmente em negócios transnacionais, capitais e finanças, segundo Chang (2000), o foco tem se direcionado cada vez mais para aspectos culturais e sociais da vida urbana. As cidades-globais não somente influenciam a organização da economia mundial por direcionar fluxos de capital, mas também por formatar significados culturais e normas sociais em campos diversos como moda, mídia e informação.
A economia criativa em Singapura
A produção cultural da identidade nacional é um projeto crucial para o desenvolvimento do Estado capitalista. As políticas culturais de Estados capitalistas têm sido reconfiguradas para abranger tanto a viabilidade comercial de suas várias práticas estéticas e culturais, quanto o papel do governo de manutenção do que é tradicionalmente percebido como um bem público. Cidades europeias como Glasgow, Atenas, Bruxelas e Amsterdã utilizaram-se de conceitos como “cidade das artes”, “cidade cultural” e “capital cultural” para atrair turistas e investimento financeiro, criar novos imaginários urbanos, desenvolver oportunidades para emprego e reuso de áreas e estruturas urbanas abandonadas, além de encorajar residentes a redescobrir o centro das cidades.
Durante os anos de 1990, as economias do Sudeste Asiático tornaram-se cada vez mais integradas com as redes regionais e globais, na lógica da globalização, investindo no desenvolvimento do imaginário global e utilizando-se da cultura como modo de preservar o senso de identidade única. A ocidentalização de Singapura favoreceu o processo de industrialização e desenvolvimento econômico da cidade-estado, que paralelamente receou perder suas raízes e identidades asiáticas. A cidade-estado não passou imune pelo rápido processo de urbanização, recebendo críticas sobre as excessivas interferências em áreas de patrimônio cultural e natural, culminando numa perda de autenticidade e identidade.
Nas primeiras duas décadas após a independência, as artes e as políticas culturais raramente apareciam nas mentes dos formuladores de políticas e, quando o faziam, visavam o uso de atividades artísticas e culturais para fins de construção nacional, especialmente para incutir valores “apropriados”, como um senso de patriotismo, em seus cidadãos. As artes e a cultura locais eram vistas como formas pelas quais a influência dos valores e estilos de vida ocidentais poderiam ser contornados antes de deturpar o sistema de valores da juventude de Singapura (Kong 2000). O conceito de indústria / economia criativa ainda não havia sido inventado e, se tivesse, não teria lugar em um país predominantemente dependente do comércio e da indústria secundária (manufatura). O espaço político foi, portanto, ocupado pelo que pode ser mais bem descrito como uma pragmática “política cultural” (Kong, 2012: 281).
Nos anos 1990, observou-se a diversificação das estratégias de globalização em Singapura, passando a incluir o desenvolvimento das artes, cultura e entretenimento como ferramenta para se tornar uma cidade-global de destaque. O governo começou a explorar o potencial econômico das artes. Essa estratégia abrangeu a revalorização de antigas áreas urbanas da cidade como “Chinatown”, “Little India” e “Kampong Glam” (área malaia) como distritos históricos. Assim, a cidade passou a desenvolver o imaginário da cidade nos sentidos contraditórios de afirmar uma identidade nacional ao mesmo tempo em que estende seu alcance global.
Em 1992, o governo singapuriano cunhou o termo “Cidade Global das Artes” para encabeçar a visão do cultivo das artes e da cena cultural e de entretenimento com objetivo sociocultural de enriquecer a cultura local e incentivar o orgulho nacional, além do objetivo econômico de atrair turistas e reter mão-de-obra estrangeira qualificada. Nesse sentido, em 1999, o então primeiro-ministro de Singapura Goh Chok Tong introduziu o termo “Cidade Renascentista”.
Uma cidade renascentista serve a objetivos tanto globais econômicos quanto locais socioculturais. As artes auxiliam na formação da nação e promovem um senso de comunidade imaginada entre os residentes. Como uma nação guiada pelo pragmatismo, o governo de Singapura adotou uma perspectiva econômica das artes, focando no aspecto comerciais das artes, como destacou Chang (2000).
Há variados exemplos de espaços nacionais em Singapura que foram designados para refletir as aspirações do Estado de ser uma cidade global das artes. Um desses espaços é o maior local de espetáculos da cidade-Estado, a Esplanada (The Esplanade – Theatres on the Bay), aberto em 2002, e com um custo de construção de cerca de US$600 milhões. O local compreende uma série de espaços para performances artísticas, na beira da famosa baía da Marina, além de área para alimentação, uma biblioteca pública e um shopping.
Como mencionam Chaudhury e Lundberg (2018), o “plano para cidade renascentista” demonstra a intenção do governo local de tornar Singapura um dos destinos mais competitivos do mundo, a partir de um plano que projeta socialmente uma cidade criativa. Ou seja, há um esforço planejado e consciente para transformar Singapura numa cidade criativa. Um lugar em que a arte e cultura local, regional e internacional são expostas e consumidas.
O plano para tornar Singapura uma cidade criativa é baseado num ponto de vista econômico pragmático. Para continuar relevante no contexto global, a cidade necessita continuar a recorrer a recursos humanos e a investir em indústrias criativas e economias onde há um valor agregado alto aos produtos – e, neste sentido, o governo de Singapura identificou as sociedades criativas como indústrias de bilhões de dólares (Chaudhury e Lundberg, 2010: 111).
Assim, Singapura passou a encorajar o investimento em indústrias e financiar o setor. Por exemplo, entre 2006 e 2010, o governo injetou cerca de USD 381 milhões na indústria de mídia digital. Também há outras numerosas assistências disponíveis para companhias e indivíduos da indústria criativa. Além dos incentivos econômicos, o governo endereçou questões as necessidades de infraestrutura do setor criativo, agrupando esses profissionais em grupos segmentados e criando comunidades. O governo também facilitou a entrada de talentos de fora do país, o que também ajudou a atrair companhias e organizações do setor.
Em 2001, o governo de Singapura criou o Economic Review Comitee (ERC), que inclui sete subcomitês, com o intuito de assegurar uma contínua prosperidade econômica do país. O subcomitê do grupo de trabalho de indústrias criativas (ERC-CI) atua para que Singapura mova de uma economia industrial para uma economia de inovação, com base nas artes, negócios e tecnologia. As autoridades locais também têm buscado oportunidades para tornar a cidade-estado um hub global e regional para organizações de mídia, telecomunicações, farmacêuticas e do setor financeiro. Singapura já é hub regional de empresas da indústria de mídia como MTV, Discovery, HBO e BBC.
Como Henderson (2012) pontua, o governo de Singapura tem sido descrito como um regime híbrido, não tão democrático, mas também não tão autoritário. O governo é reconhecido por perseguir a ordem e controle através da censura, regulações eleitorais, leis de difamação entre outras restrições que impactam a vida local e inibem a oposição ativa. A expressão pública de ideias controversas é algo reprimido em Singapura. Além disso, propagandas de oposição são proibidas para assegurar que a cidade-estado mantenha sua estabilidade política – uma das estratégias do governo para atrair e manter investimento estrangeiro.
O senso comum indicaria que as leis de censura de Singapura desencorajariam a criativa, porém, não é exatamente o que se vê na cidade. Conforme mapearam Chaudhury e Lundberg (2018), há exemplos em Singapura de como a criatividade pode ser expressada incorporando e se apropriando de temas do hiperconsumismo, globalização e das leis restritivas locais. Portanto, há manifestações culturais e criativas apesar dos processos predefinidos e institucionalizados. Além disso, como cita Lee (2004), a política cultural de Singapura, com sua receptividade à arte e outras formas criativas revelam uma mudança da sociedade e uma abertura política.
O desafio principal de Singapura continua a ser a adoção do o “go-global” e o “stay-local” ao mesmo tempo, uma filosofia comum no planejamento urbano. Essa harmonização de estruturas de nível global com atributos únicos locais é crucial no desenvolvimento e marketing de cidades globais. Tornar-se global enquanto continua local permite à Singapura ser uma cidade global com forte reputação por suas artes, cultura e entretenimento, ao mesmo tempo em que mantem seus valores e normas locais.
A política de place branding de Singapura
A fim de criar uma imagem positiva e coerente de si mesmas, cidades e países adotam o chamado place branding, no intuito de vender produtos, atrair investimentos e talentos globais, além de turistas. O propósito de uma campanha de place branding é definir a imagem pública do local e guiar a audiência a uma imagem desejada. Para isso, é desenvolvido um imaginário coletivo com imagens, atrações e atividades que são relevantes aos valores de marca escolhidos, ou seja, o objetivo desta técnica é definir uma percepção coletiva numa direção especifica desejada.
Há muitas razões para que arte e cultura sejam usadas como parte da estratégia de place branding. Entre elas está o fato de que história, herança cultural e vida cultural popular oferecem ao local singularidade e uma forma de se destacar em meio aos competidores. Importante destacar que imagem criada para o local é normativa, no sentido de que também transforma o país ou cidade. Ou seja, produtos culturais são inventados e reinventados, transformando a forma com que os residentes percebem e vivem o local.
No caso de Singapura, desde sua independência, em 1965, o governo local tem agido fortemente transformar e assegurar o seu desenvolvimento econômico e enfatizar as fortalezas práticas da cidade-estado, incluindo características como ordem, segurança e estabilidade. Como aponta Ooi (2008), o governo está afastando a economia local da indústria manufatureira e eletrônica para aproximá-la cada vez mais dos serviços financeiros, telecomunicação, ciências e indústria criativa. Hoje, a cidade-estado já é reconhecida como um dos principais atores na economia criativa da Ásia, e a promoção de artes e cultura é peça-chave desta estratégia.
Como indica Henderson (2006), a intenção é propagar uma imagem de cidade-estado estimulante, mas ao mesmo tempo bem organizada, onde os visitantes se sintam seguros. Há, assim, uma tensão entre atender as demandas para liberdade social e os esforços para manter a ordem social. Entre os atributos de marca do destino, destaca-se “uma mistura única entre o melhor do mundo moderno e as culturas ricas que oferecem experiências enriquecedoras”.
O governo de Singapura, desde sua independência, tem investido em campanhas de posicionamento para o país. Inicialmente, a estratégia tinha como público-alvo as audiências domésticas para promover certos comportamentos sociais, mas, no início dos anos 1970, foi expandida internacionalmente. Por meio de place branding, a cidade-estado buscou compensar seu pequeno tamanho com a busca por uma posição de destaque no cenário internacional.
Em Singapura, o turismo tem um papel importante na política local e internacional, contribuindo e beneficiando-se de suas relações internacionais. Nesse sentido, o trabalho de posicionamento de Singapura está mais atrelado à “cidade” do que ao “país”, atrelando à cidade-estado a promoção das artes e cultura. Até pouco tempo atrás, Singapura tinha uma imagem raramente atrelada a artes, cultura e criatividade. Porém, o governo local tem investido em mudar este imaginário e, como já anteriormente citado, tem desenvolvimento políticas a fim de transformar Singapura numa metrópole criativa como Nova York, Londres, Melbourne e Hong Kong.
Em 2004, o Conselho de Turismo de Singapura (Singapore Tourism Board) lançou a campanha “Uniquely Singapore”, destacando Singapura como um local localizado no coração do Sudeste Asiático, sendo uma ponte entre o Oriente e o Ocidente e, atualmente, abraçando a tradição e a modernidade. A cidade é apontada como única, oferecendo uma série de experiências memoráveis prestes a serem descobertas.
Em 2010, a cidade-estado vivenciou a abertura de dois resorts integrados com cassinos, hotel, centro de reuniões e convenções, lojas e entretenimento. São claros os esforços para que Singapura seja percebida como vibrante, criativa e eficiente, um lugar em que os negócios criativos podem funcionar de modo eficiente e lucrativo, e que os residentes possam ter um modo de vida confortável e excitante. A competição com países vizinhos como Malásia, Tailândia e China tem sido acirrada, mas a cidade-estado tem investido para oferecer atrações multiculturais especialmente para viajantes de negócios, que visitam a cidade para reuniões, conferências e eventos.
Turismo é redefinido não só apenas para atrair turistas para visitas mas também atraindo empresas globais para investir e empreendedores internacionais para convergir em Singapura. Ao mesmo tempo, turismo é também visto como uma força centrífuga e empreendedores e companhias de turismo são encorajados a investir na região Ásia-Pacifico (Chang, 2000:825).
Como parte deste plano de place branding, Singapura tem recebido eventos de relevância global, como o Grand Prix de Formula 1, a reunião do Conselho Internacional das Olimpíadas em 2005, a reunião anual do FMI em 2006, a primeira Olimpíadas da Juventude em 2010, entre outras reuniões do Banco Mundial. Entregar sucessos econômicos em Singapura, seja no campo da cultura, das artes ou do entretenimento, é precisamente sobre mostrar o poder público, em que o Estado ganha créditos por todos os feitos.
A (para)diplomacia e o soft power de Singapura
Em 12 de Junho de 2018, Singapura foi palco de um encontro histórico entre o presidente norte-americano Donald Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-Un. Ao receber a primeira reunião entre os dois líderes, a pequena cidade-estado protagonizou uma importante ação de relações públicas internacionais e de place branding.
Muitos cidadãos singapurianos participaram da celebração recebendo os líderes e injetando um clima festivo ao evento. Durante a conferência, por exemplo, o restaurante cinco-estrelas Royal Plaza do Hotel Scotts vendeu centenas de um hambúrguer chamado “Trump-Kim Burguer” que continha uma mistura de picadinho de frango, alga e kimchi, acompanhada de rolinhos de arroz coreanos e batatas fritas. Além disso, várias lojas produziram souvenirs com o tema Trump-Kim.
De acordo com uma análise da Straits Times, Singapura gastou cerca de 12 milhões de dólares na conferência, e a cobertura do evento gerou dez vezes mais em exposição internacional. Em 11 de junho de 2018, um dia antes do início do evento, “Singapura” foi o termo mais buscado no Google dos Estados Unidos. Para o governo de Singapura, é evidente que receber eventos culturais, econômicos e políticos serve ao objetivo de trazer desenvolvimento econômico e social.
A Singapura pós-colonial já vinha emergindo como um ator importante no cenário internacional de resolução de conflito – uma posição tradicionalmente associada a cidades europeias como Genebra e Oslo. Segundo afirmam Kim e Lee (2020), receber o evento Trump-Kim reflete os contínuos esforços exitosos de Singapura em se tornar destino de eventos internacionais em vários níveis e demonstra sua popularidade como escolha de localidade para o diálogo internacional. A cidade-estado alcançou conquistas importantes, desde sua independência em 1965, quando tinha um mercado doméstico pequeno e altas taxas de desemprego e pobreza, até se tornar um dos locais que recebe mais investimentos estrangeiros e uma das nações mais ricas em PIB per capita no mundo.
Como aponta Chong (2010), pequenos Estados, diferentemente de seus vizinhos maiores com grandes poderes, beneficiam-se da expectativa diplomática que seu tamanho levam a ser mais imparciais e pacíficos. Assim, pequenos estados podem potencialmente destacar-se na mediação de questões internacionais se mantêm uma coerência doméstica institucional e exibem uma política cultural de harmonia. A mediação diplomática é percebida como uma ferramenta para evitar a hegemonia dos vizinhos de Singapura, além de estabelecer boas relações para o futuro. Há outros numerosos exemplos de mediações diplomáticas de Singapura de suporte à ONU em ações de paz no Timor Leste, Kosovo e África Central.
A localização de Singapura – no meio de grandes potências da Ásia – permitiu-lhe desafios e oportunidades diplomáticas. Como afirma Calder (2016), a liderança visionária e pragmática de Singapura sem dúvidas contribuiu significativamente para o sucesso econômico e diplomática da cidade-estado, operando num contexto sociopolítico de um único partido e com uma dominância tecnocrática que tornou as políticas neoliberais orientadas ao mercado possíveis e, em geral, efetivas.
Apesar de ser uma cidade-estado, Singapura possui uma influência internacional – soft power – maximizada principalmente pela forma que exporta sua própria eficiência e suas práticas tecnológicas, especialmente àquelas relacionadas ao desenvolvimento urbano. Por outro lado, Singapura tem sofrido com desigualdade política e social, por exemplo com os preços imobiliários cada vez mais exorbitantes, além do alto custo de vida na cidade. As políticas de direitos humanos de Singapura também são, muitas vezes, consideradas excessivamente subordinadas ao direcionamento estatal das prioridades econômicas da cidade-Estado.
Como uma das três cidades-estados soberanas (juntamente com Mônaco e Vaticano), Singapura é um caso bem-sucedido de place branding ao expandir suas responsabilidades de (para)diplomacia e relações internacionais. Esse exercício de branding desenvolveu-se de modo transformativo em marketing e infraestrutura. Alguns diplomatas atribuem a neutralidade da cidade-estado às suas características de sociedade multiétnica, multicultural e multireligiosa.
No caso de Singapura, o governo tomou a decisão estratégica de compensar sua inferioridade territorial, vulnerabilidade política e limitação de recursos ampliando seu valor internacional a partir de uma série de medidas de soft power. E, como também assinala Chong (2010), as estratégias de soft power de Singapura não têm sido um exercício suave, mas um experimento embrionário com sucessos tangíveis, embora tenha imposto alguns custos inevitáveis à sociedade local.
Conclusão
Singapura é uma ilha com uma área bastante limitada, ao mesmo tempo em que é uma cidade-global em que o mundo passou a ser parte do seu território. Assim, forma-se uma cidade global que não só influencia as tendências globais quanto é alimentada por elas, e moldada por uma série de forças locais e regionais. Por ser cidade e Estado ao mesmo tempo, possui uma agenda nacional e internacional que coincidem e permitem que a cidade-estado responda rápida e criativamente a desafios urbanos atuais, afinal sua governança nacional e local estão bastante alinhadas e podem suportar uma a outra. Além disso, essa característica dupla é útil por dar uma dimensão internacional à cidade. Ao mesmo tempo em que Singapura pode participar dos programas urbanos da Nações Unidas, como nação-estado, também pode participar da rede de prefeitos globais do C-40.
Por outro lado, como cidade-estado que possui um papel importante na economia global, algumas vezes, as lógicas do capital podem se sobrepor aos interesses dos cidadãos. A justaposição da governança da nação da cidade permite o controle maior dos aspectos sociais e políticos da vida de seus cidadãos. Nessas circunstâncias, o Estado nacional torna-se a cidade e a cidade torna-se o Estado nacional, como mencionam Olds e Yeung (2004).
Singapura já é bastante reconhecida por ter um ambiente de negócios estável nos âmbitos legal, político, econômico, tecnológico e social, e, nos anos 2000, passou a investir num ambicioso programa para se tornar uma cidade-Estado representativa na economia criativa global. A cidade-global seguiu a tendência das indústrias criativas afastando-se das artes para buscar novas e mais abrangentes formas de aplicação da criatividade, mais globais e menos nacionais.
Singapura é um exemplo de como uma cidade combinou o desenvolvimento de uma infraestrutura de primeira e suas características culturais locais para criar uma imagem de destino cultural e de negócios, atraindo investimento estrangeiro. A diplomacia e relações internacionais também foram incorporadas como estratégias de place branding. O governo de Singapura tem atuado proativamente na comunicação e promoção da imagem do país.
O exemplo de Singapura sugere que cidades globais podem ter um papel socioeconômico significativo no cenário internacional, sendo também crucial como laboratórios de políticas de inovação. Singapura tem lidado de modo inovador com problemas do mundo em desenvolvimento, capitalizando na Revolução Digital e na Internet das Coisas. Apesar disso, ainda há uma discrepância entre as imagens de Singapura como uma economia moderna e um Estado levemente autoritário e moralista, apesar de sua forma aparentemente democrática de governança.
O equilíbrio entre promover a economia criativa e, ao mesmo tempo, manter o status quo político-social do país é um desafio para o governo porque, se não for bem executado, a imagem criativa da cidade-estado pode ser vista como uma farsa, uma marca sem conteúdo e substância. O “go-global” e “stay-local” é um desafio para a indústria de arte de Singapura e, em geral, um desafio para todas as cidades na era da globalização.
Ao receber a conferência Trump-Kim em 2018, Singapura continua a investir em sua imagem internacional, reforçando seu posicionamento de localidade para negociações de paz, um atributo já atrelado a sua identidade como cidade-estado. A habilidade de Singapura de se autopromover como modelo de boa governança está estritamente relacionada à sua competência econômica, mas devem ser consideradas todas as estratégias de posicionamento da cidade-estado como cidade global e ator diplomático internacional.
O caso de Singapura demonstra a importância de cidades do sul global, sendo uma nação que possui soft power, influenciando o cenário internacional de modo desproporcional se comparado com seu tamanho. A reputação da cidade-estado de um governo eficiente, sem corrupção, com infraestrutura de qualidade, performance econômica e estabilidade social e política, tem incentivado o destino para lazer e negócios.
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