No dia 29 de setembro de 2019 a Assembleia Geral da ONU em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) estabeleceu a criação do Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos. A data representa um reforço na conscientização e de vários dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a erradicação da fome, consumo e produção sustentáveis, luta contra a mudança climática e vários outros conectados à promoção do bem-estar humano e proteção ambiental. Mais claramente pode-se destacar o ODS 2 – “Fome Zero e Agricultura Sustentável” e o ODS 12 – “Consumo e Produção Responsáveis”. A importância da institucionalização da data se dá para além de trazer conscientização e atenção para o problema. Em nível global estimativas da FAO apontam para mais de 820 milhões de pessoas sofrem com a fome ou não tem acesso à nutrição adequada, ao passo que cerca de um terço (1,3 bilhões de toneladas) de toda a comida produzida no mundo é perdida ou desperdiçada todos os anos.
Neste sentido, é importante salientar que a organização do marco buscou incluir e diferenciar duas das principais formas em que alimentos são perdidos. O termo “perda de alimentos” está conectado majoritariamente aos processos produtivos reforçando, por exemplo, perdas decorrentes de problemas no plantio, no transporte e no armazenamento de alimentos antes mesmo de chegar ao consumidor final. Nesta categoria os planos de ação da agência da ONU, governos locais e organizações não governamentais visam estabelecer novas formas diretamente com o produtor rural e empresas na cadeia produtiva. Ao incluir também o termo “desperdício de alimento” a referência se expande principalmente para supermercados, restaurantes e para o consumidor final, demonstrando as camadas deste problema e ampliando as possibilidades de ação em diferentes níveis. É interessante notar que muitos alimentos não chegam sequer às redes de supermercados por simplesmente não atenderem padrões estéticos para a venda. Os alimentos que passam por esta triagem muitas vezes não são consumidos a tempo ou são descartados quando estão próximos às datas de vencimento. Chegando na casa do consumidor outras formas de desperdício tomam forma e contribuem para a expansão do problema.
Lidar com a perda e o desperdício de alimentos vai além dos bens produzidos para a nutrição humana uma vez que a agricultura no mundo é responsável pelo uso de 70% da água potável consumida, 22% das emissões de gases do efeito estufa e de forma direta e indireta representa a fonte de renda para 60% da população mundial (UNEP, 2010). Esses dados representam a importância do tema ser tratado de forma holística, uma vez que estamos lidando com recursos naturais finitos e a necessidade de contribuir para a ampliação da qualidade de vida de milhões de pessoas no planeta. Para além dos recursos naturais envolvidos e das diferentes capacidades tecnológicas, a questão alimentar tratada neste tema se relaciona intimamente com a situação de desenvolvimento de países em diversas regiões do mundo. Países com processos produtivos mais mecanizados e com maior infraestrutura (armazenamento e transporte) apresentam dados de perda de alimentos inferiores à países em desenvolvimento. Já no caso de desperdício de alimento, que é conectado mais com o consumidor final, os números são maiores principalmente em zonas urbanas e em regiões em que a população possui maior poder aquisitivo (IFCO, 2020).
O Brasil faz parte do top 5 países que mais produzem e exportam alimentos, sendo o agronegócio o cargo chefe do país. Assim a quantidade de alimentos que é produzida no país deveria ser suficiente para alimentar toda a população brasileira. Entretanto, no Brasil há a desigual distribuição de alimentos, fato esse que ocorre quando investe-se apenas na produção agrícola para a venda de commodities e devido a falta de leis que destinem parte dessa produção para o consumo interno e o efeito da ausência de políticas resulta na insegurança alimentar que hoje é presente nas famílias brasileiras. Somado a esse fator, o combate à fome no Brasil também tem outro inimigo: o desperdício de alimentos, que além de reforçar a insegurança alimentar, a perda e o desperdício de alimentos também impactam diretamente no meio ambiente.
Neste sentido, o Brasil está na lista dos 10 países que mais desperdiçam alimentos no mundo, gerando descarte de aproximadamente 30% de tudo que é produzido para o consumo. Isso gera um prejuízo econômico de quase 940 bilhões de dólares por ano, afetando todas as camadas da sociedade e prejudicando o desenvolvimento do país. Segundo um estudo realizado por Walter Belik (2020), alguns itens como as hortaliças e as frutas, são muito sensíveis, por isso se são mais propensos a serem danificados durante o transporte, armazenamento e venda e acabam sendo desperdiçados antes ou depois de chegar no consumidor final. Essa perda de folhas depois de colhidas, por exemplo, atinge de 9% a 11%, e é provável que isso aconteça especialmente pelo manuseio incorreto, danos mecânicos e embalamento inadequado dos alimentos. Nos países considerados em desenvolvimento, considerando condições mais precárias de infraestrutura, o cálculo da perda das frutas e hortaliças fica entre 35% e 50% do total produzido ao ano (Walter Belik2020). No Brasil, a precariedade em termos de infraestrutura tem a ver com o sistema rodoviário que resulta na perda de alimentos. Tanto a perda como o desperdício tem um mesmo impacto: recursos e trabalho em larga escala que não vão cumprir a sua finalidade principal de alimentar as pessoas.
Para entender um pouco mais as formas que podemos contribuir para a diminuição deste problema, veja abaixo algumas iniciativas que você pode se engajar e usufruir:
Fruta Imperfeita: frutas e legumes que seriam descartados por não possuírem padrões estéticos são compradas e entregues para o consumidor final que não se importa com o formato de seu alimento.
Transformar os resíduos orgânicos em adubo: Ao transformar os resíduos em adubo você ajuda a diminuir o impacto que é gerado nos grandes lixões. E de quebra ainda consegue deixar suas plantas mais nutridas.
To good to go: aplicativo presente mundialmente e no Brasil que permite restaurantes anunciarem comidas no final do dia que seriam desperdiçadas pelo preço de custo para o o consumidor (disponível na Google Play e AppStore).
Comprar de Produtores Locais: Ao comprar de produtores locais além de ajudar a combater a pobreza no campo, você ainda terá um alimento mais saudáveis, saborosos e garantem uma melhor experiência de consumo justamente pelo fato de, geralmente, serem livres de conservantes e agrotóxicos
#SemDesperdicio: plataforma que visa a conscientização com dados e conteúdos referenciando toda a América Latina.
Caldo de Legumes ou Carne: Com o resto de vegetais ou carnes você consegue fazer um caldo para colocar em suas outras preparações culinárias e deixar suas refeições muito mais saborosas.
Em linhas gerais o presente marco histórico e consolidação da data deve ser entendido como um desafio em nível global mas que deve ser tratado de acordo com as especificidades de cada contexto regional e suas diferentes características. O cenário atual da pandemia de COVID-19 revela as fragilidades sociais que atingem as parcelas mais vulneráveis da população mundial e brasileira. Em um dos países com maior produção de alimentos do mundo ainda convivemos paradoxalmente com números crescentes de insegurança alimentar, fator que corre paralelo à níveis consideráveis de perda e desperdício de alimentos.