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A ascensão do Paquistão como potência nuclear – 20 de janeiro de 1972

No dia 20 de janeiro de 1972, o então presidente paquistanês Zulfikar Ali Bhutto coordenou um encontro com engenheiros e cientistas que marcaria o início do projeto de armas nucleares do Paquistão, em resposta à declaração de independência de Bangladesh, que até o ano anterior consistia na porção Oriental do país. Além da Guerra de Independência de Bangladesh, que outro evento serviu como antecedente dessa decisão? O que exatamente ocorreu no dia 20 de janeiro de 1972? Quais foram as consequências desde então? Neste texto, serão respondidas cada uma dessas perguntas, formando uma caracterização geral da inserção do Paquistão como uma potência nuclear no sistema internacional.

Os precedentes das armas nucleares: a guerra indo-paquistanesa de 1971

Além da Guerra de Independência de Bangladesh e o custo humanitário incorrido para a população bengalesa (que hoje compõe o grupo étnico majoritário do Bangladesh), um outro conflito no mesmo ano seria de extrema importância para a decisão de Ali Bhutto no ano seguinte: a Guerra Indo-Paquistanesa de 1971. No dia 3 de dezembro de 1971, a Força Aérea Paquistanesa atacou diversos pontos de interesse da Força Aérea Indiana no território da Índia (WYNBRANDT, 2008).

Apesar da multiplicidade de alvos, os danos causados pelos paquistaneses foram pouco significativos; mas, mesmo assim, a primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, considerou os ataques como uma declaração de guerra. Ainda no mesmo dia, os indianos respondem com ataques potentes, o que se manteria durante os próximos 13 dias, deixando-os em uma situação de significativa vantagem sobre os paquistaneses. Além disso, a Índia se colocou como defensora da independência de Bangladesh, garantindo a vitória dos separatistas e decidindo os rumos da região oriental do Paquistão (WYNBRANDT, 2008).

No dia 16 de dezembro, ocorre o Paquistão perde de vez o controle de Daca, atual capital do Bangladesh, e assina o Instrumento de Rendição do Paquistão, que no ano seguinte seria comparado por Ali Bhutto com o Tratado de Versalhes, com o Paquistão sofrendo tanto quanto os alemães naquela ocasião. Com isso em mente, 1972 seria um ano decisivo para o Paquistão, na medida em que Ali Bhutto prometera que aquilo jamais se repetiria. Surge, então, o ressentimento que seria combustível para o desenvolvimento do programa nuclear do Paquistão.

A conferência de Multã

Diferente do projeto nuclear indiano, o início do programa nuclear do Paquistão tem um dia exato muito bem definido: 20 de janeiro de 1972. Foi neste dia que o presidente Zulfikar Ali Bhutto consolidou o objetivo do Paquistão de adquirir armas nucleares, durante uma Conferência secreta realizada na cidade paquistanesa de Multã.

A história da Conferência em Multã só se tornou pública em 1980, quando os jornalistas Steve Weissman e Herbert Krosney divulgaram-na em um programa intitulado Panorama na BBC, contando-a com mais detalhes no ano seguinte no livro The Islamic Bomb (KROSNEY e WEISSMAN, 1981). A Conferência deveria ter acontecido originalmente em Quetta, eles contam, mas acabou mudando para Multã, contando com os principais cientistas do Paquistão – incluindo o físico internacionalmente reconhecido (e mais tarde vencedor do Prêmio Nobel) Abdus Salam. A reunião também contou com Ishrat Usmani, chefe da Comissão de Energia Atômica do Paquistão, e com aquele que seria o futuro presidente desta mesma instituição, Munir Ahmad Khan, dentre diversos outros.

De forma geral, o intuito de Bhutto não era consultar os cientistas sobre a viabilidade do projeto, mas sim de inspirá-los a se comprometerem com a inserção do Paquistão na lista de países nuclearmente armados. A ideia era garantir uma vantagem contra o forte exército indiano, que havia manifestado sua superioridade militar no ano anterior com a custosa derrota dos paquistaneses em Bangladesh. O grande resultado da Conferência viria poucos anos depois e ocuparia quase uma década de esforço militar e científico por parte do Paquistão: o Projeto-706.

O Projeto-706

Com a soma da humilhação das derrotas em 1971 e o medo dos indianos estarem desenvolvendo um programa nuclear (o que se confirmaria em 1974 com as explosões do Pokhran-I), os paquistaneses logo começaram a acelerar os seus esforços científicos e militares para conquistarem sua bomba nuclear: em 1974, sob a liderança dos cientistas Munir Ahmad Khan e Abdul Qadeer Khan, o Projeto-706 começa e a empreitada nuclear paquistanesa ganha força.

Ainda em 1972, pouco depois da já mencionada Conferência de Multã, Ali Bhutto aprovou um orçamento de aproximadamente 450 milhões de dólares para financiar os esforços nucleares do país. Ao longo dos anos, esse projeto conduziria à criação de diversos locais de produção e pesquisa que operaram em sigilo da comunidade internacional, com muitas respostas ambíguas do governo paquistanês quando questionados sobre a natureza dessas construções.

Além de pesquisa e desenvolvimento, o Projeto-706 também fez muito uso da coleta de informações feita por espiões a respeito dos trabalhos em desenvolvimento de armas nucleares na Índia. O projeto chegaria ao fim em 1983, quando a Comissão de Energia Atômica do Paquistão realizou o primeiro teste de um dispositivo nuclear. Os cientistas e militares que participaram do projeto receberam promoções e condecorações civis pelo governo paquistanês. Estava consolidado o Paquistão como um país nuclearmente armado: quais seriam as consequências disso para o resto do mundo?

Consequências de um Paquistão Nuclear

Para finalizar essa caracterização histórica do que ensejou a criação do programa nuclear paquistanês, é fundamental refletir sobre algumas das consequências de um Paquistão nuclear para o mundo. Primeiro, com o desenvolvimento quase que simultâneo dos programas nucleares de Paquistão e Índia, a rivalidade entre os países deixou de ter repercussões meramente regionais e passou a significar um conflito entre potências nucleares com significativa importância para o sistema internacional de forma geral. Ainda que o caráter das disputas não tenha se alterado, o fato de ambos os países se equalizarem com a obtenção de armas nucleares emparelhou a disputa ao ponto de uma situação com a que ocorreu em 1971, com a absoluta superioridade indiana garantindo vitória fácil em Bangladesh, não pudesse mais ocorrer. O cenário que se configurou foi, portanto, o de um balanceamento.

Segundo, é importante notar que o Paquistão estreitou as relações com a Coreia do Norte desde a emergência do seu programa nuclear (WYNBRANDT, 2008), tendo o período em que Ali Bhutto esteve à frente do país sido de extrema importância para o fortalecimento dessas relações. Isso estremeceu, ao longo dos anos, a relação paquistanesa com os EUA, sendo essa uma das principais pedras no sapato da desconfiança que os norte-americanos possuem com os interesses paquistaneses.

Por fim, com a entrada do Paquistão no clube dos países nuclearmente armados, em conjunto com a Índia, o mundo passou a ter um equilíbrio em termos de capacidade de destruição (WYNBRANDT, 2008), com a distribuição desse tipo de poderio com potencial de destruição global se tornando maior, tirando o protagonismo absoluto das relações intricadas entre russos, europeus e os EUA.

Referências

KROSNEY, Hebert; WEISSMAN, Steve. The Islamic Bomb. Times Books: Londres, 1981.

Pakistan’s Nuclear Weapons Program: The Beginning. Nuclear Weapon Archive, 2002. Disponível em: <https://nuclearweaponarchive.org/Pakistan/PakOrigin.html>. Acesso em 25 nov. 2021.

The Surrender Document. New York Times, 1971. Disponível em: <https://www.nytimes.com/1971/12/17/archives/the-surrender-document.html>. Acesso em 25 nov. 2021.

WYNBRANDT, James. A Brief History of Pakistan. Checkmark Books: Nova Iorque, 2008.

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