Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o mundo viu fenômeno do terrorismo ganhar uma relevância como não antes visto. A imagem das duas torres do World Trade Center em chamas, após serem atingidas por aviões sequestrados por terroristas fez com que palavras como terrorismo, Guerra ao Terror, e em especial al-Qaeda e Osama bin Laden ecoassem por todos os lados.
O grupo terrorista al-Qaeda, formado inicialmente em 1987, teve suas origens marcadas por dois eventos – a luta contra a invasão soviética no Afeganistão e a Revolução Islâmica no Irã –, e tem em sua base o neo-salafismo e expansão do Islã como doutrinas, adotando uma postura extremamente violenta, considerando ser o único modo de libertação dos infiéis (MARINHA, 2013). Com o tempo, a al-Qaeda aumentou suas áreas de influência em vários países do Oriente Médio, não sendo diferente no Iêmen.
Embora tenha chamado mais atenção nos últimos anos por conta da guerra civil que assola o país desde 2015, o Iêmen possui um histórico conturbado há décadas, indo desde o governo de Ali Abdullah Saleh, que permaneceu no poder por mais de 30 anos, passando pela corrupção das instituições e negligência regional, além de conflitos entre grupos regionais (SOHLMAN, 2011). Com a chegada da al-Qaeda na década de 1990, o país já tão problemático, ganhou mais um ator em suas disputas internas.
A al-Qaeda no Iêmen
Após décadas de conflitos entre a República Arábica do Iêmen (parte norte) e a República Democrática do Iêmen (parte sul) – oficialmente uma república socialista, no ano de 1990 os dois Estados se unificaram. Embora o processo de criação da República do Iêmen prometesse transformar as relações entre as duas partes do país, não muito tempo depois, as tensões voltaram a eclodir. Como motivo para a relação tumultuada entre norte e sul, pode-se afirmar que a influência socialista na ex-República Democrática era o principal deles. Sob o comando do presidente Ali Abdullah Saleh, guerrilheiros do norte se deslocaram para a parte sul dando início a uma guerra civil, e futuramente se tornando parte do braço da al-Qaeda no Iêmen (AHMED, 2019).
Após uma repressão extremamente violenta, a guerra civil teve fim com a vitória dos guerrilheiros do norte e tomada total do controle sobre o sul. Sob o governo de Saleh, foram impostas políticas restritivas, em especial sobre as mulheres, e diminuição de instrumentos de proteção legal sobre a população do sul, criando-se um vácuo de poder e serviços na região, e abrindo espaço para a chegada e expansão da al-Qaeda (AHMED, 2019). Não menos violenta que as forças do governo, o grupo viu a pobreza e vulnerabilidade dos povos da região como facilitadores do recrutamento para suas atividades (MACLEOD; ARRABYEE, 2010).
No ano de 2009, os movimentos jihadistas do Iêmen e Arábia Saudita se uniram criando a AQAP (al-Qaeda in the Arabian Peninsula). Movidos principalmente pelo descontentamento com a influência de potências ocidentais no Oriente Médio (KENDALL, 2016), posteriormente se tornaram uma das mais fortes e ativas ramificações do grupo terrorista (CLAUSEN, 2017).
O governo iemenita declara guerra à al-Qaeda
Com uma atuação mais ativa após os atentados de 11/09 aos Estados Unidos, no final da década de 2000, a AQAP passou a chamar atenção em especial por ameaças de ataques terroristas a alvos ocidentais no Oriente Médio, e agravado pelo atentado fracassado ao avião da Northwest Airlines, que ia de Amsterdam a Chicago, em dezembro de 2009. Este evento serviu como impulsionador da represália do governo iemenita ao grupo terrorista (MACLEOD; ARRABYEE, 2010).
Embora não esteja claro quando a cooperação de segurança entre Estados Unidos e Iêmen teve início, é sabido que o governo de Saleh sofreu pressões externas, não só dos norte-americanos, mas também dos governos da Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos – seus principais apoios financeiros – para combater os terroristas em suas fronteiras. Estima-se que no ano de 2010, como moeda de troca ao combate das forças da AQAP no país, a ajuda financeira dos Estados unidos ao governo iemenita chegou ao montante de 155 milhões de dólares, além da promessa da injeção de até meio bilhão de dólares nos cinco anos seguintes a fim de reconstruir as forças de segurança do país (SOHLMAN, 2011). Mesmo enfrentando enorme descontentamento de grande parte da população por sua aproximação com o ocidente, em especial os Estados Unidos, a partir de dezembro de 2009, as operações de combate ao grupo terrorista emergiram (PRIEST, 2010).
Amparado por equipes de apoio tático norte americanas, quem também forneceram equipamentos militares e treinamento a soldados iemenitas, além de ataques por drones, o governo iniciou uma série de ataques à região sul do país, com vista a investir contra células e importantes figuras da AQAP (PRIEST, 2010). Após a declaração de guerra à AQAP em 10 de janeiro de 2010, forças de operações do governo iemenita começaram a explorar as montanhas e províncias ao sul do país à procura de militantes escondidos entre a população. Tais ataques tiveram impacto direto sobre o descontentamento da população, já que tais investidas também causavam um grande número de fatalidades entre civis. (SUDAM, 2010).
Considerações finais
Quanto ao Iêmen, o país continua sendo assolado por sucessivas crises agravadas na última década por conta dos desdobramentos da Primavera Árabe, que desencadeou na deposição de Ali Abdullah Saleh e posteriormente levou a uma nova guerra civil entre os rebeldes Houthis e forças do governo provisório eleito após a queda do então presidente, que já se estende por mais de uma década (FERNANDES; LIMA; LINS, 2020). Juntando-se a isso, a região também se tornou uma área de competição por influência entre a al-Qaeda e o Estado Islâmico (KENDALL, 2016). Segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ANCNUR), atualmente no Iêmen há mais de 3,6 milhões de pessoas deslocadas no país, com aproximadamente 80% da população em situação de vulnerabilidade.
Quanto à al-Qaeda, após as consequências da Primavera Árabe, o grupo terrorista teve sua melhor fase no país, aproveitando-se do caos instalado pela guerra civil. Porém, a partir de 2015, teve início o declínio do grupo terrorista no Iêmen, principalmente devido a morte de seu líder Nasir al-Wuhayshi em um ataque por drones, efetuado pelos Estados Unidos, e a uma crise ideológica instaurada em sua formação (AL-JAMAL, 2021). Aliado a isso, o crescimento do auto intitulado Estado Islâmico na região, contribuiu para o declínio da AQAP (KENDALL, 2016). Mesmo enfraquecida, a al-Qaeda e suas ramificações permanecem ativas ainda nos dias de hoje.
Referências
AL-JAMAL, Abdulrazzaq. Al-Qaeda’s Decline in Yemen: an abandonment of ideology amid a crisis of leadership. Sana’a Center for Strategic Studies. 2021. Disponível em: < https://sanaacenter.org/publications/analysis/15138>. Acesso em 26 de nov. de 2021.
CLAUSEN, Maria-Louise. Islamic State in Yemen – A Rival to al-Qaeda? Connections, Vol. 16, Nº 1 (Winter 2017), p. 60-62. Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/10.2307/26326470>. Acesso em: 22 de nov. 2021.
FERNANDES, Antônio Alves Tôrres; LIMA, Amanda Rafaela Domingos; LINS, Rodrigo Galvão Pinho. Democracia após a Primavera Árabe? Os casos de Tunísia, Egito, Iêmen e Líbia. Brazilian Journal of International Relations. Edição Quadrimestral, V. 9, Ed. 3, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.36311/2237-7743.2020.v9n3.p604-624>. Acesso em: 22 de nov. de 2021.
KENDALL, Elizabeth. Al-Qa’ida & Islamic State in Yemen: A battle for Local Audiences. Jihadism Transformed: Al-Qaeda and Islamic State’s Global Battle of Ideas. Hurst Publishers, London – 2016. Disponível em < 10.1093/acprof:oso/9780190650292.003.0006>. Acesso em 23 de nov. de 2021.
MACLEOD, Hugh; ARRABYEE, Nasser. Yemeni air attacks on al-Qaeda fighters risk mobilising hostile tribes. The Guardian. 03 de jan. 2010. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2010/jan/03/yemen-air-attacks-alqaida>. Acesso em 21 de nov. 2021.
MARINHA, Cândida Neves. A liderança numa organização terrorista: a Al-Qaeda como estudo de caso. Universidade de Coimbra. 26 de fev. de 2013. Disponível em: <
http://hdl.handle.net/10316/23285>. Acesso em 25 de nov de 2021.
PRIEST, Dana. U.S. military teams, intelligence deeply involved in aiding Yemen on strikes. The Washington Post. 27 de jan. 2010. Disponível em: < https://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/01/26/AR2010012604239_pf. html>. Acesso em 20 de nov. de 2021.
SOHLMAN, Eva. Yemen Fractures on the Brink of Civil War as al-Qaeda Gains Ground. American Foreign Policy Interests. 2011. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1080/10803920.2011.620517>. Acesso em 22 de nov de 2021.