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Como as medidas de combate ao COVID-19 afetaram a migração internacional: um estudo de caso dos países Balcãs e do Brasil

Com o advento da pandemia de COVID-19, a mobilidade humana sofreu severas mudanças. Uma das medidas mais usadas pelos países para conter o vírus foi o fechamento das fronteiras, detenções arbitrárias de migrantes internacionais, deportações e impedimento de requerimento de asilo e vistos. Dessa forma, este artigo tem como objetivo descrever como as medidas de proteção contra o COVID-19 afetaram a migração internacional em países como o Brasil e os Balcãs, bem como apontar perspectivas para o cenário migratório nos países após o término da pandemia. Esta é uma pesquisa com proposta metodológica mista. Num primeiro momento, foi utilizado o método quantitativo de investigação sobre os dados relativos ao fluxo migratório dos países citados, analisando a quantidade de entrada dos migrantes bem como o número de solicitações de refúgios entre o período de 2019 até 2020. Após, foi utilizada a análise qualitativa dos dados sobre os resultados obtidos, para analisar as medidas de combate tomadas e seus resultados antes e durante a pandemia. Nesse sentido, concluímos que as medidas de combate a pandemia de COVID-19 foram prejudiciais ao fluxo migratório internacional. Os migrantes sofreram as duras sanções dos governos dos países hospedeiros, os quais se aproveitaram das leis sanitárias para propagar discursos e normas xenofóbicas. Constata-se, por fim, que não houve o cumprimento de tratados internacionais que protegem o direito dos migrantes e refugiados.

Introdução

A mobilidade humana é inerente à nossa existência e desenvolvimento. Ela pode acontecer naturalmente, expressando uma vontade individual de poder escolher onde e como morar. Contudo, ela pode ocorrer de forma forçada, ante a necessidade de se achar proteção e abrigo, dada a falta de cruciais condições de vida no seu país de origem.

De acordo com o relatório World Migration Report (IOM, 2020, p. 20), em 2019, o número de migrantes no mundo foi estimado em, aproximadamente, 272 milhões de pessoas, o que chega a ser 3,5% da população mundial. Diante desse aumento expressivo, a questão de migração internacional tem sido tratada como tópico de segurança internacional em vários países, principalmente a questão dos refugiados, os quais foram considerados como ameaças nacionais após ataques terroristas que aconteceram em algumas nações, bem como o aumento da xenofobia.

No início de 2020, o mundo se tornou ciente da gravidade do COVID-19, um vírus letal e extremamente contagioso. Em março desse mesmo ano, 173 países interromperam a mobilidade internacional humana. Atualmente, em 2021, algumas nações abriram parcialmente as suas fronteiras, delimitando quem poderia ou não entrar.

Países como os Balcãs (aos quais pertencem Albânia, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslovênia, Grécia, Kosovo, Macedônia, Montenegro, Romênia, Sérvia e parte da Turquia) e o Brasil já apresentavam sérias questões migratórias antes da pandemia, bem como o aumento de sentimentos anti-imigração e a presença de líderes nacionalistas que promoveram impedimentos migratórios, que desrespeitando os direitos humanos internacionais, somados às restrições garantidas pela pandemia, indicam os efeitos gravosos causados na migração nessas nações. Espera-se, com este trabalho, verificar como as medidas tomadas contra o vírus da COVID-19 afetaram cada país e verificar quais impactos isso causou na política imigratória deles.

Contexto pré-pandêmico da migração internacional na Europa e no Brasil

Nos últimos anos, a questão da migração internacional se tornou parte da agenda de segurança de diversos países, em particular dos países da Europa e do Brasil, objetos de estudo deste artigo. São diversas as causas das migrações internacionais.

Elas podem ser voluntárias, em que o indivíduo parte em direção a outro país em busca de uma considerável melhoria de vida ou pode, ainda, ser em decorrência de uma reintegração familiar. Contudo, pode ser por questões sociais, políticas e culturais, em que os indivíduos buscam proteção e abrigo, assegurando os seus direitos básicos no país hospedeiro. Em 2015, tivemos duas grandes crises migratórias tanto na Europa – com foco na região Balcã –, bem como em terras brasileiras, com a migração venezuelana.

Embora a crise migratória na Europa em 2015 tenha mais de uma causa, há que se reconhecer que a Primavera Árabe (2010) foi um dos grandes fatores da crise. Movimento iniciado em 2010, países como a Tunísia, Egito e Líbia iniciaram manifestações populares em busca de expressar as suas insatisfações com os governos dos seus países. Protestos contra a corrupção, desigualdades sociais, desemprego, entre outras questões, fizeram com que, principalmente, a camada jovem da população fosse às ruas demandar mudanças estruturais na política dos seus países. As demais nações árabes se juntaram no movimento, tais como a Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Suécia, Omã e Iêmen.

É certo que as manifestações sofreram represálias e guerras civis aconteceram no Líbano e na Síria, o que ocasionou um aumento do número de mortos e civis que precisaram deixar seu país em busca de proteção (FAÇANHA, 2016). De acordo com o relatório da UNHCR (GLOBAL TRENDS, p. 35, 2016), em 2015, aproximadamente, 1 milhão dos migrantes que adentraram a Europa passaram pelo corredor Balcã. Entre setembro de 2015 e março de 2016, os países da rota Balcã facilitaram a entrada dos migrantes advindos da Turquia, criando corredores especiais para que eles passassem de forma mais invisível possível até a Europa Central.

As rotas Balcãs mudaram constantemente com o passar do tempo, de acordo com a mudança de critério de entrada impostas pelos países do corredor. Em 2016, após os esgotamentos dos recursos dos países Balcãs, houve o fechamento da rota, acordo esse firmado entre a Europa e a Turquia, que garantia a devolução de migrantes irregulares – e não passíveis de asilo – que chegassem às ilhas gregas ao país turco. Contudo, mesmo após o acordo, a rota ainda é utilizada como forma de se adentrar à Europa.

Vale ressaltar as diversas violações de direitos humanos adotadas pelos governos dos países Balcãs como forma de se tentar impedir a migração nesse período, tais como a criação de campos de refugiados, que são forçados a permanecer até a resolução da sua permanência. Na Grécia, mães sírias foram afastadas dos seus filhos, demorando meses para haver a reunificação familiar. Na Sérvia, houve o fechamento das fronteiras como forma a se evitar os pedidos de asilo e vistos. Dessa forma, os migrantes internacionais foram considerados como ameaça à segurança nacional e à cultura dos países da rota Balcã, ante o alto fluxo de migração irregular, ameaças terroristas e o tráfico de pessoas.

De acordo com Bauman (p. 23, 2017), os países, em particular, na Europa e os Estados Unidos, adotaram uma política de securitização devido à massiva migração, que tem acontecido recentemente. Essa política ajuda na “adiaforização” do problema migração, fazendo com eles sejam classificados como terroristas. Isso explica o aumento da xenofobia e movimentos racistas, bem como o surgimento de discursos nacionalistas de vários países. Soma-se a isso que os migrantes sofrem com falta de acesso aos mecanismos de proteção básica, pois, na maioria dos casos, não são bem recebidos e integrados nos países hospedeiros.

No que tange ao Brasil, a nação se tornou um dos destinos dos venezuelanos que abandonaram seu país natal. Para explicar esse fluxo migratório, faz-se necessário entender que até o ano de 2013, a Venezuela vivia uma estabilidade econômica e social. Isso ocorreu, tendo em vista que a sua economia estava atrelada à produção e à venda de petróleo, que estava em alta na época. Dessa forma, com base na renda obtida na venda dos barris, o governo adotou programas sociais de renda e melhorias na qualidade dos serviços de educação e saúde, intensificando a transição para o modelo socialista (OLIVEIRA, 2019).

Após 2013, com a morte de Hugo Chávez e a queda no preço do petróleo, a crise econômica e social começou a afetar o país. Sem a continuidade dos investimentos nos programas adotados anteriormente, bem como uma crise política, milhares de venezuelanos começaram a deixar o país em 2015.

Tendo em vista a proximidade geográfica, os venezuelanos adentraram ao solo brasileiro pelo Estado de Roraima, norte do Brasil. Contudo, vale ressaltar que o colapso do sistema roraimense era evidente, uma vez que as cidades não possuíam infraestrutura suficientes para suportar essa demanda humanitária, já que boa parte do estado é considerada rural.

Ante tal crise, as autoridades locais adotaram os mesmos discursos de xenofobia e racismo que outros países já praticavam, incitando a população a agir com aversão, também solicitando ao Governo Federal o fechamento das fronteiras.

Muito embora a migração venezuelana tenha começado em 2015, o governo brasileiro somente começou a elaborar propostas para essa questão humanitária após o início do governo Temer, que criou a “Operação Acolhida”, comandada pelo Exército Militar brasileiro, com o objetivo de auxiliar a interiorização desses migrantes no Brasil.

Na era do governo de Jair Bolsonaro, a questão da crise migratória se tornou ainda mais crítica ante os discursos que apontaram os migrantes venezuelanos como ameaça à segurança internacional, bem como a proposta em criar campos de refugiados em Roraima. Embora tal proposta não tenha sido concretizada e a Operação Acolhida tenha continuado a ajudar os venezuelanos, é certo que durante a pandemia do COVID-19, as primeiras respostas do Governo Federal foram exatamente com relação à entrada desses migrantes no país, como veremos a seguir.

Pandemia do COVID-19 e o fluxo migratório

No início de 2020, o mundo tomou ciência da gravidade do vírus SARS-COV-2, em meio ao medo e às incertezas. Em março desse mesmo ano, 173 países interromperam todos os tipos de mobilidade humana, adotando-se o isolamento social e o fechamento das fronteiras como forma de se tentar barrar o avanço dos vírus. É certo que a pandemia tem sido difícil para todos, contudo, é preciso lembrar que tem sido um período ainda mais complicado para os migrantes.

De acordo com o Migration Factsheet nº 06 da IOM, os aproximadamente 272 milhões de migrantes internacionais se encontram em situação de vulnerabilidade por causa das suas situações pessoais, social e estruturais. Ainda, os 25.9 milhões de refugiados e 41.3 milhões das pessoas deslocadas internamente estão em países em desenvolvimento, os quais estão afetados gravemente pela pandemia.

A situação de vulnerabilidade dos migrantes e refugiados internacionais foi corroborada pelos ambientes insalubres que muitos trabalham, aumentando o risco do contágio desse vírus letal; pela interrupção voluntária adotada pela maioria dos Estados, com relação ao trabalho dos migrantes, deixando-os economicamente vulneráveis; bem como pela restrição ao acesso à saúde, uma vez que muitos migrantes não possuem documentos ou reservas econômicas suficientes para contratar os serviços.

Ainda, a pandemia acentuou movimentos racistas, xenofóbicos e anti-imigrantistas em todo mundo, bem como discursos nacionalistas de líderes conservadores, tornando a situação dos migrantes cada vez mais complicada. No período pandêmico, países viram nas políticas sanitárias de combate ao vírus, a possibilidade de fechar as fronteiras, suspender os processos de migração e asilos políticos, ignorando completamente o princípio non-refoulement – que garante que nenhum Estado devolva um migrante que solicite refúgio para o país em que sua vida ou integridade física, bem como os seus direitos fundamentais estejam sob ameaça.

Para impedir os movimentos migratórios, diversos países adotaram detenções e retornos forçados aos países de origem. O exemplo mais recente que podemos acompanhar é o caso americano e os migrantes haitianos.

Mais de 14.000 migrantes adentraram aos Estados Unidos solicitando refúgio em setembro de 2021, contudo foram detidos fronteira na de Del Rio, Texas, por violarem as políticas sanitárias americanas de combate ao vírus SARS-COV-2, sendo obrigados a retornar ao Haiti, o que é uma clara evidencia de violação às normas e aos tratados internacionais. Dessa forma, podemos ver que a pandemia de COVID-19 exacerbou o sentimento nacionalista e xenofóbico que floresce em muitos países e a política migratória enfrenta um enorme retrocesso e perdas como resultado de tais medidas.

Estudo de caso: combate ao COVID-19 e a migração internacional nos países Balcãs e no Brasil

As crises migratórias se tornaram uma séria questão para os países hospedeiros, principalmente a questão dos refugiados. Essas situações se tornaram piores com o início da pandemia do COVID-19.

De acordo com os dados da Flow Monitoring (IOM), em 2019, cerca de 128.536 mil novos refugiados e migrantes entraram na Europa, no entanto, em 2020, esse número caiu para 99.489 mil, devido à pandemia e às restrições adotadas como os fechamentos das fronteiras. No entanto, embora esse número tenha caído, o movimento dos migrantes pelo corredor Balcã ainda era presente, causando problemas para os países hospedeiros com relação a acomodações, suplementos e demandas da saúde.

Com a forte presença de um sentimento nacionalista exacerbado, líderes populistas se valeram da pandemia para reafirmar discursos políticos contra minorias e a presenças de migrantes, culpando-os de espalhar o vírus em seus países. Então, como forma de contenção sanitária, os países Balcãs adotaram duras restrições contra os migrantes internacionais, impossibilitando-os de saírem dos centros de recepções, bem como detenções e expulsões – os que merecem destaque são apresentados a seguir.

A Grécia, país que era a principal rota dos migrantes internacional, tornou-se a terceira opção, ficando atrás da Espanha e da Itália, apenas 16% dos migrantes entraram por esse caminho. Em março de 2020, o país suspendeu qualquer tipo de pedido de asilo, bem como qualquer tipo de auxílio aos migrantes que se encontravam no país. Ainda, o país grego adotou detenções e proibições de se deixar dos centros de recepções, o quais superlotaram e aumentaram o risco de contaminações.

De acordo com o projeto Save the children in north West Balkans (JOVANOVIC, 2020), aproximadamente 15.688 novos refugiados entraram no país, sendo que um terço dos migrantes que chegaram eram crianças desacompanhadas e não tiveram o adequado acompanhamento social. No mais, vale mencionar que durante o período pandêmico, os dados de migração estão quase inacessíveis, as autoridades deixaram de publicar dados estatísticos acerca do fluxo migratório, sendo um indicativo de como o governo grego lida com essa questão.

Além disso, a ONG Are you Syrus? que mantém informações sobre migrantes internacionais na Europa, relatou diversos ataques violentos da população grega contra refugiados e voluntários na ilha de Lesbos. Ainda, a ONG documenta e acusa o governo grego de deportar diversos refugiados ilegalmente, obrigando os migrantes a assinarem um termo de retorno voluntário à Turquia. O documento se encontra em grego e nenhuma autoridade explica ou se faz entender, não informando aos migrantes o impacto do que foi assinado.

Na Sérvia, ataques racistas da ala direita conservadora foram realizados contra os migrantes. Além disso, a polícia desse país deixou uma criança migrante gravemente ferida durante os protestos realizados pelos residentes dos centros de recepções. A ONG Are you Syrus reportou que, após isso, os migrantes desse centro de recepção foram levados embora sem destino conhecido (SIRAGUSA, 2020).

De acordo com o relatório Country Report: Serbia (2021), pelo menos 350 pessoas foram expulsas coletivamente da Sérvia para o Norte da Macedônia. Além disso, as medidas de combate ao COVID-19 prejudicaram duramente os migrantes internacionais. Entre elas podemos citar a cerca construída entre a Sérvia e o Norte da Macedônia, como forma de evitar as suas entradas. Durante os dois primeiros meses da pandemia, as solicitações de refúgio foram suspensas. Contudo, mesmo após a volta das solicitações, durante o ano de 2020, somente 145 pessoas conseguiram efetuar o pedido solicitando asilo, o que representa uma queda de 27,2% comparado ao ano anterior. Desse número, somente 19 pessoas conseguiram o status de refugiado. Ainda, o relatório declara a prisão ilegal de mais de 9.000 migrantes e refugiados no país.

Na Bósnia-Herzegovina, aproximadamente 9.517 novos migrantes internacionais entraram no país em 2020 e somente um pouco mais da metade, cerca de 5.983 mil migrantes, foram acomodados nos centros de recepção (JOVANOVIC, 2020, p. 11). Durante o mês de abril de 2020, o ministro de segurança adotou severas regras de combate ao vírus COVID-19, determinando a total proibição dos migrantes de saírem dos centros de recepção. Além dos centros de recepção serem pequenos e não poderem garantir o adequado isolamento social, a tensão, o estresse e o medo dos migrantes causaram o aumento de tensões internas, resultando em brigas e em desentendimentos.

Além disso, o restante dos migrantes que não tiveram o acesso aos centros de recepção, ficaram abandonados, sem acesso a eletricidade, água ou outras necessidades básicas, proibidos de irem até outras localidades para procurar comida. Embora associações humanitárias tenham criticado as ações na Bósnia-Herzegovina nenhuma sanção internacional foi tomada.

Os demais países Balcãs como Albânia, Kosovo, Romênia, Montenegro, Bulgária, Croácia e Eslovênia também apresentaram medidas duras medias de combate ao COVID-19, tais como os centros de detenções com inadequadas condições de moradia e fechamento das fronteiras. Além disso, a Bulgária rejeitou 100% dos pedidos elaborados por certas nacionalidades, como o Afeganistão, por exemplo, sem qualquer justificativa plausível (COUNTRY REPORT BULGARIA, 2021).

As violações de direitos humanos contra os migrantes também podem ser vistas nas medidas adotadas pelo Brasil. O primeiro caso registrado de COVID-19 no Brasil foi em fevereiro de 2020. Enquanto o mundo se organizava para enfrentar a pandemia, acolhendo as recomendações da OMS, o nosso país enfrentava o descaso do governo federal com a ciência e a falta de planejamento para lidar com essa nova doença.

Embora o governo federal tratasse a pandemia de COVID-19 como uma simples “gripe”, a primeira medida adotada foi a Portaria nº 120, de 17 de março de 2020, a qual proibia excepcionalmente a entrada de venezuelanos, por meio terrestre, no país. Tal medida tem caráter extremamente discriminatório, uma vez que não houve o efetivo fechamento da fronteira, mas somente a proibição de venezuelanos no país.

Nesse mesmo mês, diversas outras portarias foram editadas proibindo seletivamente outros países de adentrarem ao Brasil, tais como o restante do Mercosul, países asiáticos – os quais também sofreram com comentários xenófobos por parte do governo federal, sendo que somente na Portaria nº 152, de 27 de março de 2020, foi declarado o completo fechamento das fronteiras a todas as nacionalidades. Dentre todas as portarias emitidas, a de nº 204, de 29 de abril de 2020, foi a mais grave.

 De acordo com ela, restava proibida a entrada de venezuelanos, mesmo que eles possuíssem cônjuges, companheiros, filhos e curadores brasileiros ou, ainda, mesmo que tivessem visto de residência ou Registro Nacional Migratório. Isso denota o claro sentimento racista do governo federal com a população venezuelana.

Todas essas portarias resultaram na diminuição nas solicitações de refúgios no país. Em 2020, foram 28.899 novos pedidos, 65% a menos em comparação com o ano de 2019, quando o país recebeu 82.552 pedidos. Ainda, dentre os 63.790 processos de solicitação de reconhecimento da condição de refugiados pelo CONARE, 24.880 foram deferidos (sendo 24.030 venezuelanos solicitando refúgio), o que se comparado ao ano anterior, não houve alterações significativas. Contudo, quando se analisa o número de extinções declaradas por esse órgão, em 2020, 34.497 pedidos foram declarados extintos, um aumento de considerável 25.913 com relação ao ano anterior (REFÚGIOS EM NÚMERO, 2020, p. 10).

Ainda, de acordo como Relatório Executivo da OBMIGRA (2020), houve uma diminuição drástica no fluxo de pessoas nas fronteiras brasileiras, em 2019, havia o fluxo de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas. Esse número em 2020 caiu para 90 mil nos dois primeiros meses da pandemia e depois caiu para 40 mil em junho e julho. Embora no mês de agosto o número tenha aumentado, ele não chega aos níveis pré-pandemia.

A pandemia trouxe à tona todas as mazelas das desigualdades sociais do país, bem como manifestações xenofóbicas e racistas. Em março de 2020, a Polícia Federal, armada, tentou deportar, a força, 55 mulheres venezuelanas em Roraima, sob o pretexto de estas não estarem cumprindo as normas de vigilância sanitária do país (G1, 2021). Ainda, a pandemia contribuiu para o aumento do trabalho análogo ao escravo utilizando migrantes internacionais, sendo que diversas empresas foram autuadas por conta de lugares insalubres e outras violações de direitos humanos (UOL, 2021).

Embora a pandemia não tenha acabado, é certo que ela deixará graves consequências na mobilidade internacional. Gamlen (2020) cita que o sentimento anti-imigrantista e regimes autocráticos que suprimem a diversidade poderá extinguir a era da migração, além de aumentar o fluxo migratório regular. Dessa forma, faz-se necessária uma maior cooperação internacional entre os países, para que se cumpra os tratados internacionais e garantam a efetiva aplicação de direitos humanos.

Considerações Finais

Os diversos problemas migratórios pelo mundo foram acentuados pela pandemia do COVID-19, consequências como interrupção do trabalho, aumento das desigualdades sociais, fechamento das fronteiras e falta de assistência para os migrantes internacionais, deixaram-nos em situações extremamente vulneráveis. A região Balcã e o Brasil se valeram da pandemia de COVID-19, sob o pretexto de controlar a crise sanitária vigente, para editarem leis ante imigratórias e medidas restritivas contra os migrantes internacionais presente nos países, para que os seus discursos ultranacionalistas e xenofóbicos fossem suportados. As diversas violações de direitos humanos nesses países fazem com que os migrantes fiquem cada vez mais sem acesso a direitos básicos, como a liberdade, a saúde e ao emprego digno.

Assim, podemos afirmar que as medidas de combate ao COVID-19 foram maléficas ao fluxo migratório internacional, principalmente, porque violaram direitos humanos e tratados internacionais de forma clara e expressa. É importante considerar que essas medidas poderão ter efeitos de longo prazo na mobilidade internacional e que elas poderão continuar mesmo após o término da pandemia, resultando num maior nível de desigualdade social e maior vulnerabilidade para os migrantes internacionais.

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