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Rússia e EUA suspendem o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário – 01 de fevereiro de 2019

Não resta dúvidas que as ogivas nucleares e a capacidade de destruição desse tipo de armamento definiram, em grande parte, a lógica e o destino da Guerra Fria (VAÏSSE, 2013; WALTZ, 1979). Desse modo, “a distribuição de poder no sistema internacional (SI) durante a Guerra Fria foi, em grande medida, determinada pela posse de armamentos termonucleares e pela capacidade de segundo ataque retaliatório com mísseis balísticos intercontinentais” (ÁVILA; MARTINS; CEPIK, 2009, p. 50). Distribuídas em períodos de maior tensão e distensão, as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética foram marcadas tanto pela corrida a essas armas e pelo aumento de capacidade relativa da capacidade de destruição em massa quanto por momentos nos quais o desarmamento era visto como solução para a atenuação das rivalidades (KISSINGER, 1994). 

Um desses momentos de atenuação foi o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (conhecido pela sigla em inglês INF) assinado em 1987 pelos EUA e pela URSS cujo objetivo era diminuir a quantidade de mísseis terra-ar capazes de alcançar distância entre 500 e 5.500 quilômetros (BOHLEN et al., 2012). O tratado teve relativo sucesso por ser capaz de eliminar mais de 2600 mísseis dos dois Estados até 1991 (BODELL, 2012).

Vinte cincos anos depois, o Tratado INF permanece como um marco no controle de armas nucleares. Não somente ele eliminou uma classe inteira de mísseis nucleares, ele o fez relativamente rapidamente, em apenas três anos. O tratado, além disso, aplicou as medidas mais inovadoras e intrusivas que qualquer acordo de controle visto até esse ponto (BOHLEN et al., 2012, p. 2, tradução nossa). 

Apesar dos frutos positivos, os EUA se retiraram unilateralmente do acordo em 2019 com a justificativa de que a Rússia estaria violando os termos do acordo há muitos anos (KRAMER; SPECIA, 2019). Diante de uma rivalidade cada vez mais crescente entre os EUA e a Rússia, o fim desse tratado pode gerar implicações latentes para a segurança internacional, bem como uma nova corrida armamentista desse novo tipo de armamento. No entanto, antes de entrarmos em detalhes nas implicações desse acontecimento, cabe-se uma breve retrospectiva histórica para apresentar o processo de construção do tratado e qual o problema que o produziu.  

História do INF

Apesar de o tratado ter sido assinado em 1987, a formação começou há sete anos antes da eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA. Apresentando uma postura firme contra qualquer tipo de vantagem em armas estratégicas que a União Soviética poderia ter, a administração Reagan se mostrou preocupada com a expansão militar de Moscou devido à sua mobilização de mísseis SS-20 anos antes. Em 1979, a OTAN reagiu a tal movimento soviético posicionando mísseis Pershing II. Diante dessa escalada de armamentos, negociações para lidar com a situação começaram no ano de 1981 (BOHLEN et al., 2012). 

Apesar de dois anos de conversas, em 1983, os soviéticos suspenderam as negociações por conto do seguinte cálculo estratégico: os soviéticos “esperavam que a oposição pública nos cinco países-bases europeus descarrilaram a mobilização de mísseis pelos EUA” (BOHLEN et al., 2012, p. 2, tradução nossa). Era esperado que os europeus se sentiriam vítimas de um escalonamento das tensões entre as duas superpotências, evitando, assim, o posicionamento dos mísseis americanos em território europeu. No entanto, os europeus não se sentiram intimidados e os mísseis Pershing II foram mobilizados para fazer frente aos SS-20 (BOHLEN et al., 2012). 

Diante disso, as negociações foram retomadas em 1985. Muito desse posicionamento foi devido à visão de Gorbachev em relação ao destino dos recursos da URSS perante à fragilidade econômica em que a ela se encontrava. Pode-se somar a isso a agenda do segundo mandato de Reagan destinada a uma busca por maior desarmamento entre os dois Estados. Dessa maneira, depois de dois anos de conversas e negociações, as duas partes chegaram em um acordo em 1987 “para a eliminação de todos seus mísseis do INF” (BOHLEN et al., 2012, p. 2, tradução nossa). 

Motivos e implicações da extinção do Tratado

Em sua clássica obra “Paz e Guerra entre as nações”, Raymond Aron (1986, p.513) esclarece como a capacidade de retaliar um ataque termonuclear com outro ataque termonuclear – second strike capability – é considerado um indicador importante para dissuadir ataques nucleares, bem como influencia a distribuição de poder na arena internacional, desde pelo menos o final da segunda guerra mundial. 

A Rússia e os Estados Unidos da América, em apenas três anos, conseguiram destruir 2.692 mísseis de alcance intermediário, uma conquista considerável para as duas potências que tinham acabado de passar cerca de 40 anos aumentando escancaradamente seus arsenais nucleares. No entanto, com o passar dos anos, houve primeiramente o estrondoso crescimento econômico chinês, seguido pela entrada chinesa na disputa bélica mediante investimentos vultosos no setor. Esse fato pode ser observado tanto estatisticamente, quando se observa o aumento da participação da China nos investimento bélicos mundiais (chegando ao segundo lugar geral), tanto de forma material como, por exemplo, ocorreu no momento que o mundo assistia em estado de atenção os testes de seu míssil hipersônico no fim de 2021.

Gráfico 01 – Representação por país na porcentagem dos investimentos militares mundial, correspondente ao ano de 2020.

Rússia e EUA suspendem o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário – 01 de fevereiro de 2019 1
Fonte: SIPRI (2020)

A Rússia e os EUA não ficam para trás. A primeira informou que também já lançou seu primeiro míssil hipersônico, enquanto os EUA alegaram conhecer a tecnologia por trás dessa capacidade bélica. Portanto, nota-se que a afirmativa de Raymond Aron continua correta. Os Estados ainda continuam demonstrando sua força no sistema internacional baseado nas expectativas de seus adversários, neste caso concreto, pode-se notar a importância da força termonuclear, pelo fato de ela ser capaz de resistir e contra-atacá-los. 

Bem além da resposta dada pelos oficiais da diplomacia americana – de que saíram do tratado por conta da violação russa das regras do INF -, Felipe Dalcin Silva (2022), professor da Escola Superior de Relações Internacionais (ESRI), traz uma outra perspectiva para os motivos que levaram os EUA tomarem tal atitude. A averiguação deste autor está baseada, em grande medida, nas observações de Kuczynski (2019, p. 2-4), a qual afirma que os americanos tinham como interesse principal balancear as forças no leste asiático frente aos mísseis criados e já lançados através da plataforma terrestre chinesa. Relatórios oficiais de 2017 e 2018 vão ao encontro dos indicativos encontrados nos documentos de defesa da administração Obama: o planejamento militar do país seria deliberadamente organizado para enfrentar a ascensão da capacidade militar russa e, sobretudo, chinesa. Para isso, seria necessário revisar ou extinguir certos acordos de desarmamento realizados no passado pelos EUA, o que de fato ocorreu.

Com isto posto, é possível concluir que os interesses internacionais das grandes potências nucleares estão se chocando, o que significa o aumento da concorrência e, assim, o fortalecimento militar tão necessário para a conquista dos desejos das nações no cenário internacional. A primazia do setor militar em relação aos outros setores é defendida tradicionalmente pelos autores realistas das relações internacionais, que demonstram como o ator estatal, inserido em um sistema anárquico, vive quase sempre em estado de alerta/desconfiança para com seus rivais, sejam eles pontuais ou históricos.  

Portanto, tal fato leva a crer que é muito provável que o cenário esteja sendo montado, no médio e longo prazo, para uma inevitável disputa militar-tecnológica de grandes proporções entre as três grandes potências militares: os EUA, Rússia e China. Um cenário de incertezas, leva o restante da comunidade internacional a pensar meios de controle e, ao mesmo tempo, de defesa. A ministra turca, à época, afirmou que a saída americana do do INF era uma ameaça à Europa. Um ano após o fim do tratado, Putin declarou que a atitude americana foi um “erro grave que aumenta os riscos de se desencadear uma corrida armamentista de mísseis, de incremento do potencial de confrontação e de surgimento de uma escalada descontrolável”. Apesar disso, o então secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, afirmou não querer uma nova corrida armamentista.

Referências Bibliográficas

ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília: UnB, 1986a. Acesso em: 20/01/2022.

ÁVILA, Fabrício Schiavo; MARTINS, José Miguel; CEPIK, Marco. Armas estratégicas e poder no sistema internacional: o advento das armas de energia direta e seu impacto potencial sobre a guerra e a distribuição multipolar de capacidades. Contexto internacional, [S. l.], v. 31, p. 49–83, 2009.

BODELL, Nenne. Arms control and disarmament agreements. SIPRI yearbook, [S. l.], p. 455–485, 2012.

BOHLEN, Avis T.; BURNS, William F.; PIFER, Steven; WOODWORTH, John. The Treaty on Intermediate-Range Nuclear Forces: History and Lessons Learned. [s.l.] : Brookings Institution, 2012.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. [s.l.] : Simon and Schuster, 1994.

KRAMER, Andrew E.; SPECIA, Megan. What Is the I.N.F. Treaty and Why Does It Matter?  . 2019. Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/02/01/world/europe/inf-treaty.html. Acesso em: 22 jan. 2022.

KUCZYNSKI, Grzegorz. The Collapse of the INF Treaty and the US-China Rivalry. 2019. Disponível em: https://warsawinstitute.org/the-collapse-of-the-inf-treaty-and-the-us-china- rivalry/. Acesso em: 21/01/2022. 

SILVA, Felipe Dalcin. Averiguação do porquê da saída dos Estados Unidos do Intermediate-Range Nuclear Forces Treat (INF). 2022. Disponível em: <https://www.enabed2021.abedef.org/resources/anais/15/enabed2020/1626490147_ARQUIVO_8c18116ce2e753cccf1cd0299abf07eb.pdf>. Acesso em: 20/01/2022

VAÏSSE, Maurice. As relações internacionais depois de 1945. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, [S. l.], 2013.

WALTZ, Kenneth N. Theory of international politics. [s.l.] : Waveland Press, 1979. 

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