Durante a hiperinflação da década de 1980 e início de 1990, onde foi atingido o marco histórico 4.922% de inflação acumulada de doze meses em junho de 1994, a partir de dados do Banco Central do Brasil, houve grandes mudanças econômicas, sociais e institucionais no Brasil. O Plano Real, ornamentação econômica desenvolvida para combater a inflação e estabilizar a moeda brasileira, permitiu avanços significativos para a política econômica brasileira, incapaz de realizar planejamentos estáveis durante a hiperinflação. Entretanto, para falar-se de eventos posteriores ao Plano Real, necessita-se esclarecer alguns de seus aspectos, seus impactos iniciais e outras políticas que tinham como objetivo auxiliar sua eficácia e impulsionar o desenvolvimento.
Primordialmente, a partir da troca efetiva da moeda no dia primeiro de julho de 1994, substituindo a medida URV – que equivalia a 2.750 cruzeiros reais – para a medida Real, foram lançadas outras medidas para a estabilização, como bem destaca Edmar. L Bacha (p. 183 – 186; 1997). Desse modo, destaca-se as medidas realizadas em relação ao regime de livre contratação salarial em 1995 a desvalorização cambial feita pelo Banco Central no mesmo ano para balancear as exportações, juntamente com aumento de tarifas sobre importações (BACHA, 1997). Essas e outras políticas tomadas após o Plano Real ajudaram sua estabilização, tiveram consequências importantes para a nação, fomentando sentimentos nacionais e mudanças institucionais, abordadas posteriormente.
Por outro lado, a manutenção da alta taxa de juros, justificada pelo controle da demanda agregada para evitar “erros” dos planos anteriores (SAYAD, 1995), gerando uma grande entrada de capital estrangeira para a nação logo após a promulgação da moeda real. Como já mencionado, a desvalorização cambial buscou consertar as contas públicas e gerar a estabilização, uma vez que o Brasil necessita de um câmbio relativamente “baixo”, a fim de fomentar sua exportação para o globo. Entretanto, em meados da década de 1990 a estabilização cambial e a taxa de juros sofreram mudanças em suas políticas devido a crise Mexicana e a crise Russa, que afetaram a nação brasileira em aspectos políticos e econômicos, voltando a estabilizar-se novamente apenas em 1999 (FERRARI, 2001).
Em outra ótica, ainda, há as responsabilidades fiscais da nação, assunto de certa conturbação dado os efeitos do Plano Real durante o restante da década e a retomada da nação. Nesse âmbito, o cientista político David Samuels oferece uma análise completa e abrangente das consequências fiscais da nação:
Em suma, o crescimento da relação dívida/PIB no Brasil durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso não foi uma conseqüência do desregramento dos gastos públicos, mas da própria política de juros e de câmbio do seu governo, e decorreu dos esforços para sanar as finanças da União e dos estados e municípios. Ao contrário do que se poderia esperar, embora a responsabilidade fiscal fosse um objetivo básico do Plano Real, as políticas do governo federal provocaram a explosão da dívida pública. (SAMUELS, 2003). Assim, compreende-se melhor outra grande consequência das decisões político-econômicas brasileiras durante o período, atuando também no papel do federalismo brasileiro. Nesse sentido, afirma-se ainda a disparidade da situação interna brasileira à sua postura internacional, certamente influenciada pelas mudanças estruturais pela nação. Para tanto, retoma-se a um ponto comentado acerca dos impactos do desemprego brasileiro, sinal dinâmico que mostra dificuldade do desenvolvimento da nação, mantendo sua economia estagnada (BRESSER-PEREIRA, 2003). Para maior comparação, analisa-se a Tabela 1, que traz a comparação da média do desemprego entre nações.
Tabela 1
Média percentual de desemprego em países selecionados durante a década de 1990
Algumas notas devem ser tomadas referente à Tabela 1, destacando-se inicialmente que os picos atingidos pela nação brasileira e argentina, obtendo os valores de 10,2% em 1999 e 18,8% em 1995, respectivamente. Paralelamente, tanto a nação brasileira, quanto Argentina e Rússia, apresentaram uma elevação a partir de 1993-1994; representando possivelmente o início da crise russa, citada anteriormente. A visão das taxas de desemprego nos oferece ainda outra perspectiva; sendo essa a inclinação do país à medidas econômicas populistas (BRESSER-PEREIRA, 2003), que geram instabilidade no país.
Analisando agora as causas que influenciam essas taxas ao longo do período, deve-se ter em atenção que o desemprego brasileiro na época deveu-se principalmente pelas crises externas e sua abertura comercial (CAMARGO, 2000). Do mesmo modo, Camargo (2000) destaca uma importante diferença dos dados de desemprego brasileiro do período 1990-94 e 1994-98; onde no primeiro há um aumento do custo real do trabalho e no segundo um aumento no rendimento real dos trabalhadores, juntamente com o aumento do desemprego após a crise do México. Com isso, desmembra-se os principais aspectos de um importante índice macroeconômico nacional.
A partir dessas notas iniciais, completa-se a análise inicial do cenário brasileiro na década de 1990, restando apenas uma observação sobre o novo desenvolvimentismo e, consequentemente, sobre a industrialização brasileira nessa década. Essa última notação tem como objetivo elucidar pontos sobre a ótica industrial do Brasil e um pouco de sua literatura, observando tópicos importantes para a compreensão completa. Desse modo, observa-se inicialmente a definição do fenômeno desenvolvimentista e suas implicações nacionais.
O nacionalismo econômico brasileiro
A industrialização da nação brasileira possui diversas fases e interpretações sobre seu papel no desempenho econômico e avanço social. Contudo, pode-se afirmar sua intensificação, a partir do século XX, especialmente na década de 1940-1960 a partir das medidas de desenvolvimento nacional promovidas pela nação (FAUSTO, 1995). Esse progresso industrial, como afirma o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira em sua investigação sobre o novo desenvolvimentismo, encontra-se no âmbito do desenvolvimentismo clássico. Nessa nova fase, encontra-se uma nova forma de organização econômica e política que seria denominado de novo desenvolvimentismo em anos posteriores.
Antes de estabelecer a relação do fenômeno no período sob análise, observa-se, primordialmente, suas bases a partir do nacionalismo e seu efeito sobre a nação, assim como sua relação com a globalização. Inicialmente, o nacionalismo deve ser compreendido não como valor universal e sim como fenômeno histórico, diversificando temporalmente e espacialmente (BATISTA, 2007). Em outro estudo sobre o nacionalismo econômico, o doutor em história social das relações políticas, Flávio Oliveira (2017), destaca a contribuição de Friedrich List para a construção desse efeito com alicerce essencialmente político-econômico. List destinou sua principal obra, Sistema nacional da economia política (1841) no objetivo principal de expor as vantagens da unificação alemã no século XIX através do Estado e sua industrialização.
Paralelamente, ainda que o nacionalismo seja espacialmente temporalmente condicionado, sua aparição possui padrões a serem observados, mais fortemente no século XX e recentemente na crise econômica de 2008. Em ambos momentos houve grandes crises econômicas, fomentando o nacionalismo como uma medida protetiva do povo, a exemplo da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) como exemplo de nacionalismo regional (MIHAELA, 2015). Logo, compreende-se uma aparição constante do nacionalismo e seus diferentes níveis, não restritivo a isoladamente uma única nação.
A importância da compreensão dessa volatilidade é exposta quando observado agora o caso brasileiro, cerne da análise. A fim de relacionar esse fenômeno e a economia política internacional brasileira, é preciso saber seus vínculos principais para, posteriormente, analisar-se dados do avanço da presença internacional brasileira no decorrer da década de 1990. Portanto, qual seria o comportamento do nacionalismo da nação brasileira no período estudado?
Para atingir um significado e resposta precisa, será investigado inicialmente a condição temporal que o nacionalismo se encontra, não apenas internamente, mas externamente ao ser observado importantes avanços da globalização, como destaca o cientista político Fábio Wanderley Reis (2008) em seu estudo sobre o nacionalismo:
”Com a globalização e as novas condições mundiais, ademais, as dificuldades se agravam. Se o nacionalismo do Iseb pretendeu substituir, na afirmação da identidade nacional, as ingenuidades do patriotismo tradicional (nossos bosques são mais verdes…) pela ênfase nas tarefas materiais e econômicas da promoção do desenvolvimento do país, as condições criadas pela globalização, em que se desdobram presentemente algumas das tendências salientadas pela própria teoria da dependência, colocam com força uma indagação complicada[…] ( REIS, 2008)”
Consequentemente, a globalização impõe dificuldades e desafios para o surgimento ou continuação do nacionalismo, afastando a presença do Estado dentro dos processos de desenvolvimento e progresso econômico. Contudo, na situação da República brasileira, o esforço do Estado em fortalecer suas instituições, tal como as instituições internacionais se fortaleceram ao longo do mesmo século (NOGUEIRA e MESSARI, 2005). Esse fator é determinante para o início da fase do novo desenvolvimentismo brasileiro que traz o interesse nacional dos cidadãos como sentido da formulação das instituições e políticas econômicas (BRESSER-PEREIRA, 2006).
Outra premissa fundamental do novo desenvolvimentismo é sua relação com as postura macroeconômica do país, como é destacado no seguinte trecho:
”O Novo Desenvolvimentismo afirma que o desenvolvimento econômico e a estabilidade financeira dependem de os preços macroeconômicos (a taxa de lucro, a taxa de câmbio, a taxa de juros, a taxa de salários e a taxa de inflação) estarem certos e de responsabilidade fiscal e cambial (BRESSER-PEREIRA, 2016)
Portanto, como consequência das considerações levantadas, o elo do novo desenvolvimentismo e do nacionalismo brasileiro durante a década de 1990 trouxe impactos positivos para o desenvolvimento econômico brasileiro. O resultado dessa composição surge, portanto, na postura macroeconômica brasileira e sua presença internacional, pontos abordados na próxima seção.”
Desenvolvimento macroeconômico
Como exposto, o fortalecimento das organizações internacionais ao longo do século XX promoveram uma mudança na relação entre nações, assim como o modo de realizar suas respectivas políticas externas. Do mesmo modo, o nacionalismo regional, representado pela consolidação da União Europeia e fortalecimento do Mercosul demonstram a necessidade dos países em alinharem-se a fim de promover a paz e o comércio. Consequentemente, tanto a política externa brasileira quanto sua postura macroeconômica são respaldados em ambos os efeitos, gerando, assim, seu desenvolvimento.
Em grande parte, as decisões político-econômicas foram baseadas e guiadas a partir do Plano Real e seus efeitos iniciais, também havendo objetivo interno da realização de reformas – como a financeira e administrativa – e privatizações em setores estratégicos (CYSNE, 2000). No setor institucional, com bases na teoria neo-schumpeteriana, o ambiente econômico e institucional onde a firma opera é essencial para a possível articulação com os sistemas nacionais de ciência e tecnologia (TIGRE et al, 2000). Analisa-se alguns dados importantes para compreender o cenário econômico internacional brasileiro.
Tabela 2
Valores percentuais do Investimento Estrangeiro Direto em valores percentuais do PIB
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Mundial. Disponível em: World Development Indicators | DataBank
Na tabela 2 observa-se o fluxo de investimentos estrangeiros direto, em representação percentual ao PIB do respectivo ano, para o Brasil, onde sua participação, juntamente com a privatização de empresas brasileiras durante o período, promoveram uma maior produtividade e melhora na tecnologia brasileira (PINHEIRO et al, 2001). Parte da resposta sobre o aumento progressivo do investimento estrangeiro direto a partir da efetividade do Plano Real surge em resposta à política fiscal efetuada, descrita no início da pesquisa e abordada em estudo detalhado por David Samuels (2003) no foco fiscal da reforma macroeconômica brasileira.
De modo paralelo, também nota-se um aumento progressivo na importância das trocas comerciais brasileiras para o PIB – analisando dados disponibilizados pelo Banco Mundial – após estabilização brasileira das crises externas em 1998-99, representando mais de 20% do PIB em 1999 pela primeira vez desde 1985. Esse notável crescimento é em parte reflexo do crescimento do nacionalismo regional ligado à integração sul-americana nos avanços do Mercosul, promovendo o fortalecimento da democracia e mantendo sua competição de mercado até certo nível (MALLMANN, 2010). Mantendo assim a permanência de caráter novo desenvolvimentista no Brasil, agindo na também na frente sul-americana e fortificando suas instituições.
Segue-se então para o fim da década onde muitos dos efeitos passaram a se estabilizar – como o controle inflacionário com a adoção das metas de inflação em 1999 -, dando espaço para três importantes reformas. Primeiramente, passou a adotar o sistema de flutuação de preços, substituindo modelo de câmbio quase fixo, implementação de metas fiscais e, como já comentado, as metas de inflação pelo Banco Central (PINHEIRO et al, 2001). Essas medidas em conjunto forneceram toda a base necessária para não apenas a estabilidade macroeconômica, como também incentivos à população, fomentando os fenômenos do novo desenvolvimentismo e nacionalismo no início do milênio.
Importante ressaltar que as três medidas trazem maior importância ao Banco Central, uma vez que atribui a ele mais competências, notando uma maior intensidade da atuação sobre a microfinança, expandindo o projeto de microcrédito no país ao focar em áreas carentes (SOARES E SOBRINHO, 2008). Ademais, o efeito descrito, juntamente com a adoção do sistema de flutuação, exigia da instituição financeira a construção de novos modelos de previsão macroeconômica, também estando ligada diretamente às características do sistema de metas inflacionárias (TOMBINI, 2011). Ambas reformas consagram mutuamente a solidificação de instituições brasileiras, permitindo não apenas o desenvolvimento, mas também abrindo portas para a atuação do nacionalismo econômico.
conclusão
O presente artigo buscou apresentar ao longo de seu corpo a atuação de fenômenos, como o novo desenvolvimentismo e nacionalismo, no desenvolvimento internacional brasileiro após a promulgação do Plano Real em 1994. Notou-se que ambos os fenômenos citados estiveram presentes ao longo da década, juntamente com a intensificação da globalização e integrações regionais decorrentes da segunda guerra mundial e crises externas ao Brasil. Ainda, a consequência de todos esses eventos gerou impactos positivos e negativos para a nação brasileira, mas, primordialmente, permitiu a possibilidade de fortalecimento de suas instituições político-econômicas.
A ornamentação brasileira foi concebida de inúmeras transições, tanto econômicas quanto culturais e políticas, durante a década de 1990. O fortalecimento do novo desenvolvimentismo e do nacionalismo ao final do período, como citado, é o maior exemplo da união interna e sul-americana – essa a partir do Mercosul. Do objetivo estabelecido, percebe-se uma atuação positiva dos eventos estudados durante o período de tempo tomado, abrindo espaço para investigações se configurou-se um padrão nos anos seguintes com a formação de novas cadeias de comércio globais e mudanças políticas na nação.
Ressalta-se, por fim, a compreensão que das causas e consequências entre decisões econômicas se torna quase impossível assumindo todas as variáveis. O objetivo, analisar a atuação do novo desenvolvimentismo e do nacionalismo na década de 1990, traz como foco as principais variantes que por sua vez impactam ambos eventos e o desenvolvimento brasileiro. Há espaço para análises de diferentes vertentes, trazendo novas perspectivas sobre o tema abordado ao promover debates e demais visões.
Referências
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