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Brasil precisa equilibrar defesa de Direitos Humanos sem comprometer suas relações com regimes ‘problemáticos’ Brasil precisa equilibrar defesa de Direitos Humanos sem comprometer suas relações com regimes ‘problemáticos’

Brasil precisa equilibrar defesa de Direitos Humanos sem comprometer suas relações com regimes ‘problemáticos’

Foto por 15th BRICS SUMMIT. Via Wikicommons. (Domínio público)

O Brasil enfrenta desafios crescentes na defesa dos direitos humanos em um cenário global marcado pela ascensão de regimes autoritários e pela crise do multilateralismo. O sistema internacional, sustentado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e por tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, tem perdido força diante da seletividade na sua aplicação por grandes potências. A política externa brasileira precisa equilibrar sua defesa histórica desses princípios sem comprometer relações comerciais e estratégicas fundamentais.

A fragilização dos mecanismos de proteção dos direitos humanos é evidente na atuação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A resistência de Estados influentes, como China, Rússia e Estados Unidos, em cumprir determinações de entidades que perseguem objetivos similares, enfraquece sua credibilidade e reduz a capacidade de ação de países emergentes. A dificuldade da ONU em fazer valer as recomendações do Comitê de Direitos Humanos e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ilustra essa limitação.

Brasil teve papel importante na consolidação dos mecanismos internacionais

O Brasil, tradicionalmente defensor do multilateralismo, desempenhou um papel fundamental na consolidação de mecanismos internacionais de direitos humanos. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, o país ampliou sua adesão a tratados internacionais e fortaleceu sua participação na ONU.

Em 7 de fevereiro de 2000, assinou o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, e o ratificou em 20 de junho de 2002. O Decreto Legislativo nº 112, de 6 de junho de 2002, aprovou o tratado, enquanto o Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, incorporou o Estatuto ao ordenamento jurídico brasileiro. Em 2001, o Brasil participou da Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, reafirmando seu compromisso com a luta contra a discriminação racial e a intolerância.

Nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010, a diplomacia brasileira intensificou sua presença em fóruns multilaterais e buscou equilibrar a defesa dos direitos humanos com uma política externa voltada ao fortalecimento das relações Sul-Sul.

Em 2006,foi criado o Conselho de Direitos Humanos da ONU para substituir a Comissão de Direitos Humanos, e o Brasil foi eleito para exercer mandatos de 2006 a 2008 e de 2008 a 2011. Em 2007, o país assinou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, posteriormente ratificada e finalmente promulgada em 2016 mediante o decreto nº 8.767, de 11 de maio. Em 2009, o governo lançou o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), consolidando diretrizes para a promoção dos direitos fundamentais no país e reforçando compromissos internacionais na área.

Laços econômicos com países de histórico controverso

Com o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2023, houve uma retomada da presença brasileira em fóruns internacionais de direitos humanos. Em 10 de outubro de 2023, o Brasil foi eleito para um novo mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com 144 votos, marcando sua sexta participação no órgão.

O governo reafirmou compromissos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris, além de reforçar a pauta ambiental e social na ONU. A retomada, com maior vigor, das relações com organismos como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Mercosul também foi uma prioridade. Entretanto, a necessidade de manter laços econômicos com países de histórico controverso, como China e Arábia Saudita (ambos membros do BRICS+), apresenta desafios à coerência dessa política.

A China se consolidou como o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009. Em 2022, o comércio bilateral atingiu um recorde de US$ 150,5 bilhões, com exportações brasileiras totalizando US$ 89,7 bilhões e importações de US$ 60,7 bilhões. Em 20 de novembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o presidente chinês Xi Jinping em uma visita de Estado ao Brasil. Durante o encontro, foram assinados 38 acordos em áreas como agricultura, comércio, investimentos, infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, ciência e tecnologia, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde, educação e cultura, reforçando os laços entre os dois países.

A Arábia Saudita também ocupa uma posição significativa como parceira comercial do Brasil no Oriente Médio. Em 2024, as exportações brasileiras para a Arábia Saudita totalizaram aproximadamente US$ 3,2 bilhões, enquanto as importações somaram cerca de US$ 3,05 bilhões. Em maio de 2024, o vicepresidente Geraldo Alckmin liderou uma comitiva de ministros em uma missão à Arábia Saudita e China, visando fortalecer as parcerias existentes e abrir novas oportunidades de negócios.

A trajetória do Brasil na promoção e defesa dos direitos humanos no cenário internacional reflete sua postura diplomática de longo prazo, ao mesmo tempo em que se equilibra entre compromissos históricos e os desafios impostos pela conjuntura geopolítica e econômica global.

A seletividade na aplicação dos direitos humanos por potências globais também influencia a política externa brasileira. A União Europeia impõe sanções a países como Rússia e Belarus (Bielorrúsia), mas mantém relações estreitas com aliados estratégicos que violam direitos fundamentais. Na OEA, Estados Unidos e Canadá pressionam governos latino-americanos (Venezuela, Nicarágua, etc.), enquanto evitam condenar abusos cometidos por aliados próximos (Colômbia, Honduras). O Brasil precisa navegar nesse cenário sem comprometer sua credibilidade e ao mesmo tempo proteger seus interesses comerciais e estratégicos.

Estratégia de equilibrar valores e pragmatismo é o desafio constante

A economia brasileira depende de parceiros comerciais com históricos problemáticos de direitos humanos. A China, maior importadora de produtos brasileiros, é alvo de críticas por sua repressão à minoria uigur e censura estatal. A aproximação do Brasil com países do Oriente Médio e da África também inclui nações com registros negativos em liberdade política e respeito aos direitos civis. A estratégia de equilibrar valores e pragmatismo é um desafio constante para a diplomacia brasileira.

Internamente, o Brasil dispõe de um arcabouço normativo robusto. A Constituição Federal de 1988 reconhece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República no artigo primeiro (art. 1, inciso III) e estabelece a prevalência dos direitos humanos como princípio das relações internacionais no artigo quarto (art. 4, II). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343/SP, conferiu aos tratados internacionais de direitos humanos status supralegal. A tradução dessas normas em políticas externas eficazes, contudo, ainda é um desafio.

A diplomacia brasileira precisa reforçar sua atuação no Conselho de Direitos Humanos da ONU e na OEA, buscando consenso em temas sensíveis e mediando conflitos internacionais. O fortalecimento de parcerias regionais proporcionaria maior autonomia na condução da política de direitos humanos, reduzindo a dependência de blocos hegemônicos. A inclusão de acadêmicos, especialistas e representantes da sociedade civil contribuiria à adoção de estratégias mais equilibradas, evitando instrumentalizações políticas do tema. Negociar cláusulas de direitos humanos em tratados comerciais também fortaleceria o compromisso do Brasil sem impor barreiras ao comércio exterior. Vincular essa pauta a políticas ambientais e sociais ampliaria a aceitação global da defesa dos direitos fundamentais, facilitando a inserção e consolidação do Brasil em fóruns internacionais.

O governo Lula busca reposicionar o Brasil como protagonista no debate internacional sobre direitos humanos, mas enfrenta limitações impostas pela realidade geopolítica. Para que essa estratégia seja eficaz, é necessário combinar princípios com pragmatismo, garantindo que o país preserve sua soberania sem renunciar a sua histórica defesa da dignidade humana. O equilíbrio entre essas forças determinará o sucesso da política externa brasileira nos próximos anos.

Texto do artigo Brasil precisa equilibrar defesa de Direitos Humanos sem comprometer suas relações com regimes ‘problemáticos’ de Armando Alvares Garcia Júnior publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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