No dia 13 de setembro de 1993, a Sociedade Internacional observava com muita atenção e otimismo a assinatura do Acordo de Oslo, um acontecimento histórico na interação entre Israel e Palestina. Este Acordo, e os posteriores entendimentos apreciados nos anos de 1995 e 1997, propiciaram a aproximação entre os dois atores durante toda a década de 1990, estabelecendo uma relação de cooperação para findar um conflito que já durava décadas.
Diante do exposto, para melhor compreensão da temática apresentada, este estudo será dividido em três etapas, sendo: expor o histórico do relacionamento entre Israel e Palestina anteriormente ao Acordo de Oslo de 1993; abordar as especificidades do Acordo e como se deu o contexto das negociações; e, por fim, apresentar a relação entre Palestina e Israel após concluídas as negociações.
Contexto histórico do conflito entre Israel e Palestina anteriormente aos Acordos de Oslo
Por volta da década de 60, após consolidados os desdobramentos da Guerra dos Seis Dias (ou Terceira Guerra Árabe-Israelense), que proporcionaram ao Estado de Israel o domínio dos territórios da Península do Sinai, da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, de Jerusalém e das Colinas de Golã, a população palestina encontrou-se amordaçada pelos mecanismos de ocupação e repressão militar das tropas israelenses nesses locais por aproximadamente 20 anos (AGUIAR, 2011; SAAB, 2016). No entanto, esta realidade perdurou até o ano de 1987, quando, após o atropelamento de quatro palestinos por um caminhão militar israelense na Faixa de Gaza, gerou-se o movimento reativo e espontâneo da população palestina em direção aos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, dando origem ao evento que ficou conhecido como “Primeira Intifada” ou “Guerra das Pedras”.
O episódio mencionado, protagonizado inicialmente pela juventude da região, uniu as populações palestinas contra os atos repressivos existentes na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e na própria Jerusalém. Este movimento ocorreu por meio de ações que iam de manifestações diretas contra as tropas israelenses, até boicotes laborais e comerciais que reivindicavam a independência nacional da Palestina, uma demanda existente desde o controverso estabelecimento do Estado de Israel por meio da Resolução 181 da ONU, em 1947 (AGUIAR, 2011).
A Primeira Intifada desencadeou uma série de pressões advindas de comunidades e organizações intergovernamentais devido às reações desproporcionais das forças militares israelenses. Com isso, o Comitê Especial das Nações Unidas, ao fim da década de 1980, e posteriormente a Comissão de Direitos Humanos, pressionaram o Estado de Israel, acusando-o de violação grave ao direito internacional, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Este movimento da comunidade internacional, agregado a pretérita recriminação sofrida pelo estado israelense devido aos conflitos com o Líbano em 1982, gerou, por parte do israelense Yitzhak Rabin, o receio da possibilidade de isolamento externo (AGUIAR, 2011; SAAB, 2016). Ademais, o ápice da Guerra das Pedras acabou por dirimir não apenas o cotidiano das populações palestinas, mas também do próprio povo israelense, devido ao aumento da guinada violenta da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) nas regiões disputadas.
O fato supracitado gerou uma pressão também interna na administração Rabin, por meio de manifestações da sociedade civil com a finalidade de reivindicar resoluções pacíficas para os conflitos (AGUIAR, 2011). Desta forma, com a amenização das investidas militares israelenses e a consecutiva atenção da comunidade internacional perante a questão palestina, os conflitos decorrentes da Primeira Intifada chegaram ao fim em 1990. Contudo, a sua existência tornou-se o antecedente chave para a promoção da Conferência de Madri, no ano de 1991, que por sua vez, tem influência direta, por meio de negociações bilaterais e multilaterais, mediadas inicialmente por Estados Unidos e URSS, naquilo que acabou por consolidar-se como as tratativas principais dos Acordos de Paz de Oslo (AGUIAR, 2011).
O Acordo de Oslo de 1993 e o contexto das negociações entre Israel e Palestina
O Acordo de Oslo – conhecido também como Oslo I, assinado em 13 de setembro de 1993, Washington, EUA, simbolizou um marco na relação entre Israel e Palestina, viabilizando a construção de um cenário de aproximação entre os dois atores. Tal evento fomentou uma perspectiva de otimismo perante a Sociedade Internacional, visto o ambiente de contínuos conflitos que a região do Oriente Médio vivenciou nos anos anteriores. Conforme Jawdat ABU-EL-HAJ, Os Acordos previam, de forma concreta,
[…] o fim do conflito armado; retiradas israelenses de extensas partes dos territórios ocupados de Gaza e Cisjordânia; formação de um protoestado palestino (Autoridade Nacional Palestina) com poderes administrativos e diplomáticos; cooperação nas áreas de segurança, infraestrutura e economia; e o início de negociações sobre um tratado de paz no transcorrer máximo de cinco anos (ABU-EL-HAJ, 2014).
No processo de conclusão do entendimento entre as partes, é possível observar que diferentes variáveis foram cruciais para alcançar um consenso entre Israel e Palestina. Um dos fatores que impulsionou, primeiramente, o enfoque para resolução do conflito foi a Conferência de Madri de 1991, encabeçada pelos Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Estes últimos propuseram que a Noruega atuasse como mediadora entre palestinos e israelenses, mas tal proposta foi rejeitada pelo então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir, que se recusava a realizar negociações com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) (ABU-EL-HAJ, 2014).
Observando o fracasso da Conferência de Madri, acadêmicos israelense (Yair Hirschfeld) e palestino (Hanan Ashrawi), que mantinham contato com políticos e estudiosos de ambos os lados, iniciaram estudos paralelos e chegaram à conclusão que três passos deveriam ser seguidos para findar o conflito entre as partes, sendo: (i) um reconhecimento recíproco dos direitos nacionais de ambos os povos; (ii) um consenso entre os principais motivos do conflito – a situação de Jerusalém, refugiados, colônias, fronteiras e a formação do Estado Palestino; e (iii) a assinatura de um tratado de paz entre os litigantes. Todavia, foi somente após a vitória eleitoral do partido trabalhista israelense, liderado por Yitzhak Rabin e Shimon Peres, sobre o Likud, em junho de 1992, que as conversações se intensificaram, influenciando, inclusive, na participação da Noruega como parte intermediadora (ABU-EL-HAJ, 2014).
A partir do exposto, iniciou-se uma crescente aproximação entre o líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, e o recém-eleito primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin. Em março de 1993, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores da Noruega, apresentou-se a primeira Declaração de Princípios – Declarations of Principles (DOP) – dividida em quatro cláusulas: (i) ausência do exército israelense de Gaza e a alocação de um poderio representado pela ONU ou por meio de forças armadas egípcias; (ii) autonomia e administração provisória palestina sobre a Cisjordânia e Jerusalém Leste; (iii) financiamento internacional para auxiliar no plano de desenvolvimento palestino; e (iv) solucionar as questões vinculadas ao status de Jerusalém e à situação dos refugiados, havendo a possibilidade de evocar a arbitragem internacional em caso de litígios sobre esses pontos (ABU-EL-HAJ, 2014).
No entanto, a Declaração foi recusada por Rabin, apresentando em maio de 1993 uma contraproposta com provisões distintas. Assim, reiterou que não aceitaria a arbitragem internacional e que concordaria com a administração palestina sobre os territórios de Gaza e Cisjordânia, mas desconsiderando a região de Jerusalém Leste. Além disso, se opunha à qualquer presença militar internacional, à responsabilidade sobre os refugiados palestinos e também rejeitava um entendimento acerca da situação de Jerusalém Leste. Todavia, Palestina recusou a oferta israelense, levando o ministro norueguês a apresentar nova sugestão, mantendo a arbitragem como instrumento para resolução de litígios. Não obstante, sugeriu o reconhecimento dos direitos nacionais palestinos, admissão da resolução 242 da ONU – retirada militar israelense dos territórios palestinos que haviam sido empossados nos períodos de conflitos, atuação conjunta na defesa das fronteiras e passagem livre entre Gaza e Cisjordânia (ABU-EL-HAJ, 2014).
Com nova recusa por parte do governo israelense, o novo ministro da Noruega, Johan Jorgen Holst, assume a intermediação e apresenta, em julho de 1993, outra proposta à Arafat, dividindo-a em três etapas. Inicialmente, Palestina teria autonomia administrativa sobre os territórios invadidos por Israel e, posteriormente, negociações diretas para solucionar os principais pontos do embate entre as partes e, por fim, a conclusão de um Tratado de Paz, viabilizando, talvez, o reconhecimento de um Estado Palestino (WAAGE, 2005). Havendo a percepção de uma inclinação favorável a essa sugestão, Holst intermediou, em 18 de julho de 1993, uma conversa via telefone entre Arafat e o governo israelense. O parecer final deste último ancorou-se na autonomia da Palestina sobre Gaza e Cisjordânia, enquanto Israel se comprometeria, dentro de um período determinado, entrar em consenso com a Autoridade Palestina acerca dos debates centrais do conflito (WAAGE, 2004).
Diante da convergência de um entendimento entre Israel e Palestina, a proclamação do consenso entre as partes foi realizada em agosto de 1993, na cidade de Oslo, cuja assinatura do documento oficial se deu em 13 de setembro de 1993, em Washington, EUA. O documento, conforme havia sugerido Holst, foi seccionado em três momentos: (i) autonomia provisória da Palestina sobre Gaza, Jericó e algumas localidades da Cisjordânia; (ii) construção de uma entidade jurídica aceita no âmbito internacional como Autoridade Nacional Palestina (ANP); e (iii) após cinco anos, contados a partir de 1996, negociações para findar os embates nucleares do conflito – refugiados, o status de Jerusalém, situação das colônias, as fronteiras e o reconhecimento de um Estado palestino (ABU-EL-HAJ, 2014).
Palestina e Israel após o Acordo de Oslo de 1993: do otimismo diplomático ao retorno da relação de conflito
O Acordo de Oslo de 1993 foi o primeiro entendimento palestino-israelense para solucionar o conflito que perdurava por décadas, sendo fortalecido por dois acordos adicionais: Oslo II (1995) – Acordo Transitório sobre Cisjordânia e Gaza – e Oslo III (1997). Este último se referia a retirada das forças de Israel de certas partes da cidade de Hebron, assim como revisou algumas provisões do Oslo II concernente à saída israelense de outras áreas (QUIGLEY, 1997). Todavia, ao fim da década de 1990 a relação entre Palestina e Israel não tinha os mesmos contornos dos anos anteriores, em virtude, principalmente, do assassinato de Ytizhak Rabin, em 1995, e posterior vitória eleitoral de Benjamin Netanyahu, do partido Likud, que era um dos principais opositores dos Acordos de Oslo.
Ainda que ao final da década de 1990 se observasse um entendimento acerca das negociações sobre os pontos centrais do conflito, o ambiente de cooperação já não mais era passível de ser notado no início dos anos 2000. Tal percepção pode ser visualizada, a um primeiro momento, a partir do fracasso do retiro presidencial Camp David convocado pelo então presidente dos EUA Bill Clinton, em que se reuniam, dentre outros, representantes de Israel e Palestina (ABU-EL-HAJ, 2014). Diante do exposto, apesar do notório interesse da comunidade internacional perante a questão palestina no eclodir da Primeira Intifada, e a posterior vontade israelense em busca de soluções pacíficas para os conflitos provenientes das disputas dos seus territórios dominados após a Guerra dos Seis Dias, os Acordos de Paz de Oslo não obtiveram o resultado esperado.
O indevido cumprimento das provisões advindas dos acordos assinados de 1993 a 1997 deu-se tanto por fatos pontuais, quanto pela alteração equivocada das próprias políticas internas e externas de ambas as partes acordadas no decorrer dos referidos anos. Neste sentido, observa-se a falha dos projetos bilaterais provenientes dos acordos, que ficaram conhecidos como Programas P2P. Nestes, a junção de grupos palestinos e israelenses com o objetivo de gerar acordos e discussões mútuas, demonstrou-se incapaz de resolver os conflitos internos de cada grupo partícipe, bem como tratou com inobservância a imprescindibilidade de atingir as sociedades de forma geral, abordando as fundamentais divergências históricas e equalizando as evidentes diferenças socioeconômicas entre os dois povos (AGUIAR, 2011).
Por outro lado, a vontade israelense para resolução dos conflitos não se refletiu na devolução das terras ocupadas, mas desencadeou uma série de medidas legislativas que no decorrer do cumprimento dos acordos, acabaram por restringir a livre convivência entre os povos palestinos e israelenses, em decorrência de restrições constantes aos direitos de locomoção, livre iniciativa e livre desenvolvimento dos palestinos – notoriamente no estreito da Faixa de Gaza. Não obstante certos empecilhos para o devido cumprimento dos acordos, grupos judeus e palestinos originalmente contra os esforços de paz – como o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) – obtiveram notória participação para a frustração das tratativas principais do conflito (AGUIAR, 2011; SAAB, 2016).
Todavia, é válido ressaltar que os caóticos elementos externos mencionados concretizaram sua maior investida por meio do assassinato do Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin e a consecutiva eleição de Benyamin Netanyahu, reduzindo quaisquer chances de cumprimento do Acordos de Paz de Oslo. Assim, o retorno da instabilidade diplomática entre Israel e Palestina, bem como o crescimento de movimentos extremistas islâmicos, aboliram as provisões dos Acordos de Paz de Oslo, gerando, meses depois, a Segunda Intifada como um marco da revolta civil palestina contra a política administrativa israelense nos territórios disputados da região (AGUIAR, 2011).
Referências Bibliográficas
ABU-EL-HAJ, Jawdat. A geopolítica e o conflito Palestino-Israelense: dos Acordos de Oslo à Primavera Árabe. História: São Paulo, v. 33, p. 14-36, 2014.
AGUIAR, P. H. de. Acordos de paz de Oslo (1993): consequências e causas das intifadas. 2011. 15-45. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de graduação em Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Porto Alegre, 2011.
QUIGLEY, John. The Oslo Accords: More than Israel Deserves. American University International Law Review 12, no. 2, 1997, p. 285-298.
SAAB, Luciana. O projeto de paz de Oslo: considerações e críticas sobre as origens do processo de paz Israel-Palestina (1991-1995). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, p. 20-44. 2016.
WAAGE, H. H. Norway’s role in the Middle East peace talks: between a strong state and a weak belligerent. Journal of Palestine Studies, Berkeley, n. 4, v. 34, p. 6-24, Summer 2005.
WAAGE, H. H. Peacemaking is a risky business: Norway’s role in the peace process in the Middle East, 1993. Oslo: Peace Research Institute of Oslo (PRIO), 2004.