A globalização e o fortalecimento do processo migratório influenciaram na formação de sociedades multiculturais, ou seja, grupos de pessoas com valores culturais distintos ocupando o mesmo espaço territorial. Esse novo modelo societário acarretou algumas mudanças nos sistemas político, econômico, social e jurídico. Desta forma, pretende-se entender como os argumentos culturais são suscitados e compreendidos no âmbito dos tribunais penais. Portanto, através da análise de fontes bibliográficas e documentais, buscou-se realizar uma breve análise crítica acerca dos termos cultura e multiculturalismo, bem como, quais os pontos positivos e negativos para a aplicação dos argumentos culturais dentro da seara judicial, ou seja, se esses representam uma evolução nos mecanismos de provas ou um obstáculo para a busca de uma sentença justa, dentro de um cenário de globalização e migração.
Sumário
Introdução
O conceito de cultura não é algo unânime. Normalmente, quando se pensa em cultura pensa-se em artes, danças, manifestações culturais relevantes para determinado grupo de pessoas ou para determinada região. Entretanto, discutir cultura não é algo fácil e deve ser pensado de forma ampla e cuidadosa. De acordo com Stuart Hall (1997, p.5), “toda ação social é cultural”, portanto, entende-se, segundo o autor, que uma conduta social expressa uma comunicação com significado cultural.
Observa-se que a expansão do processo de integração econômica, política e cultural no âmbito mundial e a crescente onda migratória influenciaram na formação de sociedades cada vez mais heterogêneas e multiculturais. Cabe destacar que esse novo modelo social multicultural, ou seja, a presença de diversas e distintas culturas em um mesmo espaço geográfico, representa um grande desafio para o sistema judiciário, em especial, para os tribunais judiciais penais. Desta forma, nasce uma nova atribuição para os legisladores e juristas, a necessidade de reavaliar o valor atribuído a determinada conduta diante do contexto sociocultural em que o autor se encontra inserido.
As tradições e os costumes de um determinado grupo étnico moldam o comportamento individual das pessoas que integram aquela coletividade, desta forma, cabe entender e discutir se as diferenças culturais devem ser levadas em conta na análise de um caso concreto nos tribunais de justiça. Portanto, pretende-se realizar uma análise crítica acerca da utilização da defesa cultural, dos argumentos culturais, nos tribunais judiciais, principalmente, na seara criminal, uma vez que, estes passaram a ser mais suscitados como mecanismos de prova e/ou justificativas válidas para aplicação de atenuantes ou agravantes da pena.
Inicialmente, cabe analisar, de forma concisa, os conceitos de cultura e multiculturalismo, bem como a relação destas com o direito, em especial, o penal. Portanto, objetiva-se entender se e como a formação de sociedades multiculturais e heterogêneas criaram obstáculos e lançaram novos desafios para os legisladores e juristas. Posteriormente, serão apresentados argumentos, favoráveis e contrários, a utilização da defesa cultural nos processos judiciais, especialmente no âmbito criminal. Muitos doutrinadores apontam falhas na utilização desse meio de prova, afirmando que seu uso seria, na verdade, uma forma de tentar reduzir as punições; já outros, como Alison Dundes Renteln, mostram-se a favor, defendendo seu uso oficial e sua obrigatoriedade. Por fim, pretende-se demonstrar de que forma a utilização da defesa e dos argumentos culturais pode acarretar a construção de estereótipos culturais equivocados.
Importa mencionar que o estudo acerca da influência cultural no sistema judiciário é algo relativamente novo e que vem ganhando destaque, principalmente nos tribunais internacionais de instâncias judiciais internas, como no Supremo Tribunal de Justiça de Portugal. Entender o ser humano como um ser complexo, dotado de valores, morais, tradições, costumes distintos é fundamental para construção de uma justiça igualitária, não discriminatória, e para confecção de uma sentença justa.
Cultura, Multiculturalismo e o Direito Penal Interno: Desafios no Contexto Local
Inicialmente, cabe mencionar que definir o termo cultura é algo extremamente complexo. Entretanto, compreender esse aspecto sempre representou algo de suma importância para a sociedade, uma vez que ele suscita inúmeros debates e é foco de várias conversas.
A partir da Segunda Guerra Mundial, através do aumento da onda migratória e do avanço da globalização, nota-se que houve uma crescente preocupação com o elemento cultural e com a formação de sociedades cada vez mais plurais, uma vez que o contato entre povos e nações nem sempre aconteciam de forma pacífica. Portanto, as inquietações acerca da cultura foram direcionadas para o entendimento das sociedades modernas e industriais, bem como, para o apagamento das características originais de povos em decorrência do contato entre culturas distintas.
Pode-se notar que alguns pesquisadores admitem a existência de duas concepções básicas a respeito da cultura. A primeira entende a cultura com base em todos os elementos de uma realidade social, ou seja, seria “tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou não ou então de grupos no interior da sociedade” (DOS SANTOS, 2009, s/n). Já a segunda, observa a cultura de forma mais específica, com base nos aspectos do conhecimento, ideias e crenças. Ou seja, de acordo com esta concepção, ao mencionar a cultura portuguesa, pode-se estar fazendo referência a língua portuguesa, a sua literatura, ao conhecimento científico ou artístico produzido no país (DOS SANTOS, 2009).
De acordo com Stuart Hall (1997, p.16), a ação social trata-se de um aspecto importante tanto para aqueles indivíduos que praticam quanto para aqueles que observam, uma vez que as pessoas utilizam variados e distintos sistemas de significação a fim de atribuir significado às coisas, bem como para codificar, organizar e regular determinado comportamento. Os supramencionados sistemas atribuem sentido às ações, uma vez que eles ajudam a interpretar cada conduta praticada por outro indivíduo. E cabe mencionar que quando tais ações são tomadas conjuntamente elas representam uma cultura.
Pode-se afirmar que a formação de sociedades tidas como multiculturais é algo relativamente atual, consequência, principalmente, da globalização e da onda migratória; ou uma tendência antiga, como, por exemplo, o que acontece na estrutura societária dos povos indígenas que possuem como formação original uma composição de culturas heterogêneas. Nesse sentido, cabe entender que o multiculturalismo representa a existência, de forma pacífica, de diferentes formas culturais ou de grupos com características e costumes distintos, dentro de uma mesma sociedade. Nota-se que o termo se refere principalmente à existência de grupos culturais diversos, com pensamento políticos, valores étnicos, opções morais e questões sociais distintas, ocupando o mesmo espaço geográfico (GODOY, 2016).
O convívio entre pessoas com culturas distintas nem sempre é tranquilo, podendo ocorrer alguns conflitos, alguns deles causados pela conduta assumida por determinados grupos minoritários que buscam, através de seu comportamento, ressaltar a sua cultura e os seus costumes (GODOY, 2016). Portanto, pode-se afirmar que os possíveis conflitos existentes neste modelo societário são, em alguns casos, derivados da dificuldade que os indivíduos possuem em conviver uns com os outros, quando o outro é tão distinto dele.
Desta forma, percebe-se que a existência e a formação destas sociedades multiculturais e heterogêneas criaram alguns obstáculos e lançaram novos desafios para as várias searas da sociedade, em especial para o âmbito jurídico, uma vez que este passa a lidar diretamente com problemas ligados à diversidade cultural.
Os juristas passaram a ser expostos a novos conceitos, como argumentos culturais, ou seja, quando a defesa é baseada em razões culturais. Tais argumentos são vistos como uma estratégia legal utilizada pelos defensores a fim de que os Tribunais Penais levem em conta as influências culturais ao analisar o comportamento supostamente delituoso do indivíduo. Logo, quando uma pessoa se utiliza, em juízo, de seus antecedentes culturais para justificar suas ações, essa prática deve ser vista como uma estratégia conhecida como cultural defense (defesa cultural/ argumento cultural) (GODOY, 2016).
Nesse viés, cabe mencionar, ainda, as ofensas culturais. Estas ocorrem quando um comportamento praticado por um indivíduo integrante de um grupo étnico, normalmente minoritário, é visto como ofensivo às normas e valores defendidos pela cultura dominante daquele território, mas diante do seu grupo minoritário é visto como algo normal. Por exemplo, as mutilações genitais, permitidas em algumas culturas, mas vistas como um problema ou uma violência, trazida pelo multiculturalismo, pelo Continente Europeu. Outros possíveis exemplos são: a poligamia, comum na cultura mulçumana; a permissão para o trabalho infantil em respeito a ordem patriarcal em determinadas comunidades; o infanticídio, como ritual indígena; entre outros (GODOY, 2016).
As Informações Culturais nos Processos Judiciais
As questões judiciais conectadas a temas voltados para a cultura e o multiculturalismo tornaram-se mais evidentes com o passar do tempo, principalmente aquelas referentes às distinções trazidas as sociedades ocidentais pela imigração crescente do pós-Segunda Guerra Mundial (JERÔNIMO, 2016).
Quando um indivíduo age de acordo com os seus costumes e tradições, mas tal comportamento representa uma violação a determinada legislação, ele pode requerer que os juízes e os tribunais considerem observar os imperativos culturais que motivaram aquelas ações. Nesse sentido, alguns autores acreditam que as diferenças culturais devem ser levadas em conta quando o caso concreto for analisado, uma vez que as tradições e os costumes de um determinado grupo étnico podem moldar o comportamento individual das pessoas que integram aquela coletividade (RENTELN, 2009). Portanto, seria correto afirmar que a cultura exerce forte influência sobre os indivíduos, moldando suas condutas de acordo com as tradições de seu povo e, por consequência, levando-os a agir conforme aquilo que lhes foi ensinado, com base nos seus padrões culturais.
Normalmente, a utilização da defesa cultural se dá no âmbito do direito penal, uma vez que este encontra-se intimamente ligado às tradições e aos “sistemas de valores” das culturas (HOFFE, 1998). Entretanto, ela pode ser suscitada, também, no tribunal de família, a fim de determinar o término ou não da aplicação dos direitos parentais; em casos civis, referente ao aumento ou diminuição de uma indenização por danos morais em uma ação específica; ou, até mesmo, no contexto de concessão de asilo político, onde as autoridades competentes devem analisar as circunstâncias relevantes para a aceitação ou não do pedido de asilo, por exemplo, o receio de algumas mulheres de serem forçadas a aceitar uma tradição opressiva se tiverem de voltar para os seus países de origem (RENTELN, 2009).
Os prós e contras da utilização das informações culturais nos tribunais penais
De acordo com Renteln (2009), o principal benefício do uso oficial da defesa cultural encontra-se no fato de garantir a utilização das evidências culturais nos tribunais, ao invés de deixar a cargo de cada juiz singular ou de cada tribunal a decisão de admitir ou não o exame desse meio de prova, portanto, a existência formal garantiria que os tribunais estivessem sempre dispostos a averiguar as provas culturais suscitadas.
Em muitos casos a defesa cultural pode ser considerada crucial e determinante para a compreensão do contexto de determinadas ações. Entretanto, cabe mencionar que a aceitação da simples análise desse mecanismo de prova não significaria que ela iria necessariamente influenciar substancialmente a decisão do tribunal, em casos criminais, por exemplo, diminuindo a pena, ou até mesmo absolvendo o réu (RENTELN, 2009).
Defende-se, ainda, a presença e o testemunho de peritos culturais (antropólogos, líderes religiosos, representantes da comunidade em causa, entre outros), a fim de comentar e ajudar no entendimento sobre os diferentes costumes e tradições, evitando, assim, possíveis interpretações equivocadas (JERÔNIMO, 2016).
Nesta direção, a jurisdição penal alemã aderiu esta abertura às culturas jurídicas, até mesmo em casos considerados de elevada gravidade, como ocorreu quando um Tribunal alemão absolveu um homem original do leste da Turquia que havia sido acusado de ter tido relações sexuais com a sua filha (maior de idade), uma vez que este havia iniciado a relação no seu próprio país, onde isso não se constituía em um ilícito penal (HOFFE, 1998).
A ausência da utilização da defesa cultural pode ser vista como um risco para a sentença do réu, pois esta pode ser apresentada de forma desproporcional em relação à realidade, portanto, afirma-se que o seu uso pode evitar erros judiciais graves. Entretanto, alguns juízes enxergam esse instrumento de prova como algo irrelevante, dispensável (RENTELN, 2009), o que poderia ser justificado pela falta de intimidade dos mesmos com os dados etnográficos e com outros meios de análise cultural (JERÔNIMO, 2016).
Outro ponto que pode prejudicar a aceitação desse meio de prova é a sua utilização exacerbada por parte de alguns advogados extremamente zelosos, que suscitam todo tipo de defesa cultural no intuito de ajudar seus clientes, fazendo com que os juízes se encontrem inclinados a rejeitar de modo integral tal defesa. O uso indevido da defesa cultural também pode ser considerado um dos males impostos a esse elemento probatório. Isto ocorre quando um indivíduo afirma fazer parte de uma determinada comunidade da qual, na verdade, não pertence; ou quando diz que seu grupo étnico possui determinada tradição, mas isto não é verdade ou esse costume já se encontra em desuso (RENTELN, 2009).
Em Portugal, o Supremo Tribunal de Justiça, julgou uma ação processual na qual questionava-se os costumes e tradições da etnia cigana. A demanda em questão trata da investigação do suposto crime de abuso sexual praticado contra uma criança, onde um indivíduo com 21 (vinte e um) anos de idade convenceu a vítima, na época com 11 (onze) anos de idade, de que eles eram namorados, aproveitando-se dessa crença para beijá-la, acariciá-la e, por fim, ter relações sexuais. O acusado alegou que tanto ele quanto a vítima eram da etnia cigana e que é costume do seu grupo cultural iniciar a vida sexual mais cedo, revelando um esquema de valores distintos. O tribunal não acatou tal alegação, afirmando que não restou comprovado que na etnia cigana se aceite a conduta do abuso sexual em crianças, desculpabilizando-a. Esse argumento, também, foi combatido pela alegação de que o indivíduo havia se dissociado da etnia cigana, mas ao ser acusado desse ato criminoso pretendeu colher o benefício desse possível “amolecimento étnico e ético” do abuso sexual de crianças. Desta forma, o acusado foi condenado a pena de 5 (cinco) anos de prisão (SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PORTUGAL, 2010).
Cabe mencionar ainda a possibilidade da deturpação de uma cultura nos tribunais, ou seja, quando é apresentado aos magistrados e agentes da lei uma prática social como se fosse uma tradição cultural aceita e normal, quando, na verdade, é o contrário, e trata-se de uma consequência infeliz da necessidade econômica. Por exemplo, no caso concreto do tráfico de mulheres indianas por um homem indiano de uma casta superior. Quando esse crime foi exposto, os advogados do homem tentaram justificar suas ações através dos costumes indianos, afirmando que aquelas mulheres por serem de uma casta inferior deveriam se submeter a trabalhos desumanos ou desonrosos. O que foi, posteriormente, desmentido (RENTELN, 2009).
Desta forma, faz-se necessário compreender como atestar diante dos tribunais: a) que uma pessoa é integrante de determinado grupo étnico ou minoria cultural; b) as reais tradições e costumes daquela comunidade; c) se aquele costume realmente influenciou no comportamento do indivíduo. Cabe mencionar que responder tais questionamentos não é fácil. Primeiramente, revela-se bastante complexo evidenciar se uma pessoa faz parte realmente de determinado grupo étnico ou cultural, dada a quantidade elevada de identidades híbridas, principalmente no âmbito da imigração. Outra dificuldade apresentada seria a de provar nos tribunais o real conteúdo das tradições de dado grupo cultural, uma vez que pode existir dentro da própria comunidade um desacordo quanto a manutenção ou retirada de determinadas tradições de suas práticas ou, até mesmo, quando há várias interpretações sobre a mesma tradição (JERÔNIMO, 2016).
Importa observar os aspectos culturais a fim de analisar um caso concreto nos tribunais judiciais, uma vez que as tradições e expressões culturais de um grupo moldam o comportamento individual das pessoas. Entretanto, não se deve ignorar que esta é uma tarefa difícil, graças à complexidade destes elementos e da multiplicidade de culturas.
A formação de estereótipos culturais
Nenhuma cultura é estática. Aquela tradição realizada antigamente pode não ser mais praticada nos dias de hoje ou, se ainda realizada, pode ter mudado alguns aspectos de sua prática. Logo, seria injusto pedir que as tradições fossem realizadas exatamente como ocorria no seu país e na sua época de origem (RENTELN, 2009). Entretanto, o possível pensamento acerca da imutabilidade da cultura e o uso indevido da defesa cultural gera uma preocupação no sentido de reforçar estereótipos sobre grupos culturais minoritários.
Cabe mencionar que a diferença entre visões sobre casos semelhantes, como o casamento de mulheres jovens (menores de idade) com homens mais velhos, pode ser justificada pelo conceito atribuído à cultura e o seu vínculo com à raça. Muitas vezes acredita-se que a cultura é estática, uma característica imutável de um determinado grupo, e não uma entidade criada e modificada constantemente através das relações entre os indivíduos. E essa crença é, normalmente, atribuída à comunidade “de fora”, como as “comunidades de cor”. Desta forma, a cultura para estas comunidades trata-se de uma essência fixa, que é passada de geração para geração, e que guia as ações dos membros daquele grupo. Para uma “comunidade de cor”, determinado ato isolado é visto como um produto de uma identidade do seu grupo e, por consequência, utilizado para definir aquele grupo (VOLPP, 2000).
Além disso, com relação aos estereótipos e ao preconceito cultural, pode-se mencionar a diferença existente na observação das pessoas e da mídia em relação a atos considerados condenáveis pela sociedade e pela legislação, quando estes são cometidos por “pessoas brancas” ou por “imigrantes de cor”. No primeiro caso, o ato pode ser visto como estranho, incomum, apenas um fato isolado, que não marca a identidade cultural da sua raça ou etnia. Já no segundo caso, o ato é visto como um comportamento cultural problemático, e torna-se marcante para a “identidade racial ou étnica” de um grupo cultural (VOLPP, 2000).
Portanto, uma objeção séria sobre o uso da defesa cultural trata-se da preocupação em reforçar estereótipos sobre grupos. Logo, é de extrema importância que a questão cultural seja tratada com sensibilidade, de modo que se evite a transmissão de um erro cometido por um determinado indivíduo para uma determinada comunidade, levando a conclusão de que só porque uma alguma pessoa agiu de tal maneira que todos os membros do grupo étnico ou da minoria cultural irão agir da mesma forma.
Vale mencionar, também, que a maioria dos casos de defesa cultural envolve um costume específico, o que significa ser incorreta a afirmação de que a defesa cultural coloca toda a cultura sob cerco. Portanto, a falha ao enfatizar que o costume se trata apenas de uma parte da cultura traz o risco de as pessoas não entenderem as dimensões positivas daquela cultura, considerando-a prejudicial como um todo.
Conclusão
Os juízes e tribunais estão cada vez mais dispostos a aceitarem a produção e a utilização de argumentos culturais para justificar o comportamento de determinados indivíduos dentro de um contexto social, uma vez que estes podem facilitar a compreensão de determinada conduta que pode ser vista como negativa para uns, mas completamente aceitável para outros, por fazer parte da sua tradição cultural. Isto não significa que a decisão final de todos os casos concretos será balizada nos argumentos culturais, logo eles podem ou não interferir na decisão judicial.
Entretanto, esse entendimento não é unânime, e pode-se facilmente encontrar resistência de alguns juristas em aceitar esse meio de prova graças ao seu uso indevido ou pelas incontáveis alegações falsas. Ressalta-se, também, o despreparo dos magistrados e dos tribunais diante da defesa cultural, sendo necessário a convocação de peritos especializados em temas étnicos e religiosos para ajudar no entendimento.
O Estado de Direito, graças ao seu dever de tutela da dignidade da pessoa humana, se vê na obrigação de proteger os contextos culturais, uma vez que esses representam pilares da identidade do indivíduo e encontra-se relacionado à garantia dos direitos humanos fundamentais, como o direito à igualdade perante a lei e à justiça, bem como à não discriminação.
Referências
DOS SANTOS, J. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5767487/mod_resource/content/1/O%20que%20%C3%A9%20Cultura%20%20-%20Jose%20Luiz%20dos%20Santos.pdf. Acesso em: 20 out. 2023.
GODOY, L. A Possibilidade de Aplicação da Justiça Restaurativa aos Delitos Culturalmente Motivados. UEPG Ciências Sociais Aplicadas. Ponta Grossa, 2016. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/sociais. Acesso em: 20 out.2023.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação e Realidade. Porto Alegre, n.2, v.22. 1997.
HOFFE, Otfried. Moral Reasons for an Intercultural Criminal Law. A Philosophical Attempt. Ratio Juris, vol. 11, 1998.
JERÔNIMO, P. Direitos Humanos e Diferença Cultural na Prática dos Tribunais. Temas de Investigação em Direitos Humanos para o Século XXI. Braga, Edição Comemorativa do 10º Aniversário do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade do Minho, 2016.
PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. Acórdão 23 de junho de 2010, proferido no processo nº 252/09.0PBBGC.S1. Disponível em: https://elearning.uminho.pt/bbcswebdav/pid-892146-dt-content-rid-2163704_1/courses/1819.MD03MD0300003197_2/Ac%20STJ%2023.06.2010%20abuso%20sexual%20criança%20cigana.pdf. Acesso em: 05 jun. 2019.
RENTELN, A. The Use and Abuse of the Cultural Defense. Multicultural Jurisprudence. Comparative Perspectives on the Cultural Defense. Oxford/Portland, Hart Publishing, 2009.
VOLPP, L. Blaming Culture for Bad Behavior. 12 Yale J.L. e Human. 2000.
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