Métodos de pesquisa qualitativa
A pesquisa em ciências sociais está assente em procedimentos padronizados de recolha de informação, que garantem a qualidade do trabalho científico. Os métodos são formalizações particulares do procedimento, ou percursos diferentes concebidos para estarem mais adaptados a determinado fenómeno ou domínio estudado (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). Nas ciências sociais, existem os métodos qualitativos, quantitativos e mistos, sendo que a escolha de qual método a utilizar irá depender do nosso objeto de pesquisa.
Nos métodos qualitativos existem técnicas de coleta de dados específicas, como a análise documental e as entrevistas. Estas podem ser utilizadas separadamente, ou em simultâneo na mesma pesquisa. A sua utilização simultânea é conhecida como triangulação metodológica, e permite aumentar a credibilidade e validade dos resultados obtidos durante a pesquisa.
Nesta atividade, iremos comparar as duas técnicas de pesquisa qualitativa da análise documental e da entrevista, realçando as suas semelhanças e principais diferenças na sua aplicação, contextos em que podem ser utilizadas e formação necessária para tal. A primeira, a análise documental, assenta num processo de exploração de documentos desenvolvidos previamente. Já a entrevista tem por base uma relação direta entre entrevistador e entrevistado, permitindo uma flexibilidade maior ao investigador. As duas técnicas podem, ainda, ser trianguladas na mesma pesquisa.
Análise documental
Um método de pesquisa nas ciências sociais é a análise documental. Este é um procedimento sistemático para revisar ou avaliar documentos, sejam eles impressos ou eletrônicos (BOWEN, 2009). Pode ser aplicada a livros, diários, jornais e a relatórios, assim como a outras fontes documentais, sendo uma importante ferramenta de pesquisa por permitir desenvolver esquemas de triangulação com outros métodos de investigação.
A vantagem do documento é que possibilita realizar reconstruções do passado, acrescentando a dimensão de tempo à compreensão do social, além de permitir eliminar a influência do pesquisador sobre o sujeito (CELLARD, 2008).
Por sua vez, a pertinência da análise documental para uma pesquisa vai depender do objeto de estudo. A análise documental é particularmente útil quando o pesquisador necessita de dados macrossociais, que apenas algumas instituições têm a possibilidade de recolher (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992), como é o exemplo dos censos ou de outros estudos de longo alcance. As bibliotecas, arquivos e bancos de dados oferecem recursos riquíssimos para os investigadores, contudo, este método de investigação apresenta alguns desafios que devem ser resolvidos, como o difícil acesso a determinados documentos, a confidencialidade das informações, os problemas de credibilidade e a adequação dos dados à investigação (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). Estes são constrangimentos que o pesquisador deve antever antes de começar a sua investigação, pois poderão inviabilizá-la numa fase mais avançada da mesma.
O procedimento analítico da análise documental envolve encontrar, selecionar, avaliar e sintetizar dados contidos em documentos (BOWEN, 2009). Para tal, o pesquisador deve definir um método de análise do conteúdo contido no documento, com o intuito de selecionar e recolher dados deste para uma posterior avaliação e sintetização. A avaliação inicial e crítica do documento, que se pode denominar de “análise preliminar”, constitui a primeira etapa da análise documental e tem em conta o contexto, o autor ou autores, a autenticidade e confiabilidade do texto, a sua natureza, os seus conceitos-chave e a sua lógica interna (CELLARD, 2008). Quando esta primeira análise preliminar é completada, o investigador pode então passar para o momento da análise, onde realiza uma interpretação do documento tendo em conta a temática ou questionamento inicial (CELLARD, 2008)
Entrevista
A entrevista é um método de recolha de dados que depende da interação direta entre pesquisador e entrevistado. Os métodos de entrevista distinguem-se dos demais pela aplicação que fazem dos processos fundamentais de comunicação e de interação humana, que ao serem corretamente valorizados permitem retirar das entrevistas informações e elementos de reflexão valiosos (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992).
Uma entrevista pode ser não-estruturada, semiestruturada ou estruturada, sendo que este último formato de entrevista geralmente produz dados quantitativos e não qualitativos (DICICCO-BLOOM; CRABTREE, 2006). Uma entrevista estruturada aproxima-se mais dos inquéritos, uma ferramenta de recolha de dados que limita as respostas do entrevistado a escolhas pré-definidas.
A estrutura da entrevista depende das características do estudo que se quer realizar. Algumas pesquisas são projetadas para testar hipóteses à priori, frequentemente através de um formato de entrevista muito estruturado onde as perguntas e análises são padronizadas, enquanto outras pesquisas procuram explorar o significado e as percepções para obter um melhor entendimento sobre algo ou para gerar hipóteses (DICICCO-BLOOM; CRABTREE, 2006). O conteúdo da entrevista é posteriormente objeto de análise de conteúdo sistemática, com o intuito de testar as hipóteses de trabalho (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). Para tal, pode ser realizada uma gravação áudio da entrevista e posterior transcrição para texto corrido, sobre o qual se aplicará a análise de conteúdo.
Já o número de entrevistas numa pesquisa qualitativa depende do estádio do conhecimento do objeto, do estatuto da pesquisa, do tipo de definição do objeto em análise e dos recursos disponíveis para o investigador (GUERRA, 2006). Uma limitação comum ao número de entrevistas é o tempo e os recursos do pesquisador.
A vantagem das entrevistas é que permitem recolher elementos de análise profundos, assim como testemunhos e interpretações dos interlocutores, em concordância com os seus próprios quadros de referência (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). O objetivo da entrevista numa pesquisa qualitativa é então contribuir para um corpo de conhecimento fundamentado nos significados que as experiências de vida trazem para os entrevistados (DICICCO-BLOOM; CRABTREE, 2006). Neste sentido, a profundidade dos detalhes recolhidos na entrevista será mais elevada, incluindo além do mais as expressões do entrevistado, como a entoação e a linguagem corporal.
Por sua vez, os elementos de informação e reflexão recolhidos pelo método da entrevista não se apresentam imediatamente quando aplicado um modo de análise particular, ou seja, tanto os métodos de recolha quanto de análise das informações devem ser escolhidos e desenvolvidos simultaneamente (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). Este aspecto das entrevistas obriga o pesquisador a planejar antecipadamente o modelo de análise que irá aplicar aos dados recolhidos.
Análise comparativa entre análise documental e entrevistas
Existem semelhanças entre a análise documental e as entrevistas enquanto técnicas de recolha de dados numa pesquisa, como a importância atribuída ao contexto no qual a entrevista e o documento são criados. Por outro lado, existem diferenças que se prendem com a formação necessária para utilizar esse método de pesquisa e a adaptação dos dados ao estudo em questão.
Uma primeira semelhança é a consideração do contexto no qual o conteúdo é criado. A análise da entrevista deve considerar uma elucidação do que as perguntas realizadas, a relação de troca e o âmbito da entrevista induzem na formulação realizada pelo interlocutor (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992). Desta forma, pode ser afirmado que o contexto da entrevista deve ser considerado na sua análise. A entrevista exige inclusive neutralidade e controle dos juízos de valor, confidencialidade, clareza de ideias para as poder transmitir e devolução dos resultados (GUERRA, 2006).
Já a análise documental tem em conta o contexto no qual os dados foram recolhidos e o propósito do seu registo documental. Neste sentido, os documentos contêm texto, palavras e imagens que foram gravadas sem a intervenção do pesquisador (BOWEN, 2009), o que faz com que a neutralidade das informações no documento não seja um dado adquirido e deva ser questionada. O contexto de criação do documento é então exposto na pesquisa e considerado pelo pesquisador. Ademais, esta avaliação do contexto social global no qual o documento foi produzido, no qual o seu autor se insere assim como aqueles a quem ele se destina, é uma etapa primordial do processo de interpretação do documento (CELLARD, 2008).
Por sua vez, para a recolha de dados em documentos textuais, é necessária uma formação em pesquisa documental e em crítica histórica, enquanto a recolha de dados de uma entrevista requer uma formação teórica e prática dos processos de comunicação e interação interindividual, assim como de técnicas de entrevista (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992).
Importa ainda reforçar que as entrevistas permitem adaptar as perguntas realizadas e pedir explicações adicionais ou exemplos de determinado elemento durante o próprio processo de recolha de informação, algo que não ocorre com a análise documental, onde o conteúdo a ser analisado já está construído. A vantagem do documento surge por outro lado na sua consideração da dimensão temporal e de reconstrução histórica na compreensão do social (CELLARD, 2008).
No entanto, a análise documental pode ser usada na mesma pesquisa de uma maneira articulada e simultânea com entrevistas. Este é um tipo de triangulação metodológica, ou seja, a utilização de mais do que um método para recolher dados. A informação coletada através de diferentes métodos permite reduzir o impacto de possíveis bias que seriam resultado de um único estudo e confere mais credibilidade aos resultados (BOWEN, 2009). Assim, o investigador pode conjugar os benefícios das duas técnicas de recolha de informação e solidificar o seu estudo.
Em suma, existem vantagens e desafios na análise documental e nas entrevistas, quando usadas enquanto métodos de recolha de informação nas ciências sociais. A escolha de um ou outro depende do objetivo da pesquisa, assim como do seu objeto de estudo e recursos disponíveis. O investigador pode ainda utilizar os dois métodos em simultâneo, num processo conhecido como triangulação metodológica.
Conclusão
Não existem técnicas de pesquisa qualitativa melhores ou piores que outras. O investigador deve escolher os métodos e técnicas tendo em conta as características do seu objeto de estudo, as teorias em que se irá basear, o contexto da pesquisa, os recursos dos quais dispõe e a sua formação. Tanto a análise documental como a entrevista podem ser escolhidas como técnicas de pesquisa qualitativa, individualmente ou em simultâneo. O processo de triangulação dos dois métodos, ou seja, o seu uso conjunto pode trazer benefícios para a pesquisa, mas importa considerar se o mesmo será pertinente ou não para o formato do estudo, já que tal dependerá das características inerentes à própria investigação.
Referências
BOWEN, Glenn A. Document Analysis as a Qualitative Research Method. Qualitative Research Journal, v. 9, n. 2, p. 27–40. 2009.
CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean, et al. Pesquisa qualitativa: Enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. p. 295–316.
DICICCO-BLOOM, Barbara; CRABTREE, Benjamin F. The qualitative research interview. Medical Education, p. 314–321. 2006.
GUERRA, Isabel Carvalho. Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo. Estoril: Principia, 2006.
QUIVY, Raymond; CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva, 1992.