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A assinatura do tratado de amizade Ítalo-germânico e a formalização do “eixo” – 25 de outubro de 1937

Contexto Histórico do Tratado

No decorrer da Primeira Guerra Mundial até os seus desdobramentos posteriores, Alemanha e Itália, ambos inicialmente membros da tríplice aliança, sofreram uma série de desgastes estruturais em sua ordem social, econômica e política. No caso italiano, apesar do rompimento, em 1915, com a vencida tríplice aliança (Itália, Alemanha e Império Austro-húngaro) e a sucessiva aderência a vencedora tríplice entente (Grã-Bretanha, França e Rússia), houveram uma série de decepções geradas pelo Tratado de Versalhes que, por sua vez, não concedeu recompensas territoriais ao governo italiano pela mudança de posição, o que gerou um custo de guerra profundo e sem precedentes (BERTONHA, 2009). Deste modo, desprovida de recursos territoriais para restabelecer sua situação socioeconômica nos eventos sucedentes à primeira guerra, a Itália teve que lidar, de modo quase isolado, com problemas ligados a desorganização industrial, desemprego, inflação e a própria desorganização da produção agrícola, ainda muito predominante à época para o país (BERTONHA, 2009).

Por outro lado, no caso germânico, os custos de ter feito parte da aliança vencida na Primeira Guerra Mundial, trouxeram uma série de prejuízos excedentes que aprofundaram não apenas a crise de ordem socioeconômica na Alemanha, mas também de ordem política, devido a sua mitigada relação com os demais países europeus, por ocasião do seu posicionamento nos eventos bélicos precedentes. Desta forma, além de sofrerem com os custos ordinários da guerra geradores de extrema pobreza, desorganização macroeconômica e desestruturação das relações de trabalho, a Alemanha, em decorrência do Tratado de Versalhes, foi obrigada a pagar indenizações de guerra à vencedora tríplice entente, além de ter sofrido diversas sanções econômicas e uma série de proibições ligadas ao seu poderio militar (BERTONHA, 2009).

Para mais, segundo Bertonha (2009), ao observar-se, numa perspectiva geral, a conjuntura política europeia nos eventos sucedentes a Primeira Guerra Mundial, como a própria crise de 1929, compreende-se uma profunda desilusão com a fragilidade da democracia liberal, assim como um latente temor às experiências políticas comunistas que, cada vez mais, obtinham expansão no velho continente. Essa conjuntura polarizante orientou as classes políticas alemãs e italianas rumo a soluções extremistas que passaram a embasar o surgimento do fascismo no interior dos supracitados países como um meio para a superação de suas crises, marcado por uma forte ligação a símbolos históricos geradores de crenças nacionalistas (BERTONHA 2009).

Não obstante à similitude existente nos contornos políticos de Itália e Alemanha, obtinha-se ainda um fator excedente: a relação de admiração entre os líderes Adolf Hitler e Benito Mussolini. Esta relação pessoal consubstanciada por convergências ideológicas acabou por superar as manifestas reservas quanto ao expecional estreitamento dos laços entre ambos os países, fazendo-os considerar a importância de focalizar em seu viés anticomunista e extremamente nacionalista (VELLOSO FILHO, 1988). 

Desta forma, ao haver o estabelecimento de convergências ideológicas entre os líderes fascistas, bem como, a formação de uma conjuntura na política europeia isoladora aos seus projetos totalitários e aversos ao avanço do comunismo internacional, a união definitiva entre Alemanha e Itália fez-se estratégia necessária para a proeminência das ambições imperialistas de ambos os regimes, assim como, passou a servir, de modo particular, como modo de sustentação bélica ao governo Mussolini, já que a estrutura econômica e política do país não correspondia à verborragia de seu principal dirigente, observando-se, desde o início, que a guerra seria insuportável para o seu país, caso a principal figura da Fasci Italiani permanecesse isolada (VELLOSO FILHO, 1988). 

A materialização do eixo Berlim-Roma

Como já visto anteriormente, Alemanha e Itália não possuíam laços políticos estreitos. Nesse contexto, é importante entender que a formalização da aliança entre ambas as nações foi um instrumento político que sustentou a ampliação dos regimes nazistas e fascistas mutuamente. Para Goeschel (2018) o relacionamento de ambos os líderes era, acima das similaridades ideológicas, funcional no contexto isolacionista que ambos os países enfrentavam perante a comunidade internacional. 

Mas, até meados de 1935, a oficialização dessa relação ainda era impensável. O sentimento anti-italiano era grande no imaginário da população alemã e a inimizade também rondava as relações entre membros de ambos os governos, devido,  principalmente, às desconfianças herdadas da Primeira Guerra Mundial. Apesar disso, Mussolini angariava apoio alemão e acreditava que ele era essencial a sua permanência no posto de líder fascista proeminente na Europa. Após a invasão da Etiópia – à época Abissínia – em 1935 numa tentativa de expandir o domínio italiano na África, o líder causou a revolta da comunidade internacional e obteve como consequência uma série de sanções econômicas impostas pela Liga das Nações mas que não foram seguidas pela Alemanha. Esse fato é determinante da iniciativa italiana de mudar a qualidade das relações com o país germânico e incitou Mussolini a uma aproximação mais incisiva com seu correspondente no país, Adolf Hitler, aproveitando-se das semelhanças ideológicas e regimentais.

Visando esse aliado internacional de grande porte, Mussolini encorajou uma política amistosa com os alemães. As visitas de entidades oficiais de ambos os países tornaram-se cada vez mais comuns a partir de meados de 1936, o que foi um claro indicativo da aproximação ítalo-germânica (GOESCHEL, 2018). A reconciliação não se restringiu à esfera diplomática e a barganha política esteve presente por meio do não impedimento italiano à anexação austríaca ao território alemão em troca do apoio deste à já citada campanha italiana na África.

No decorrer de 1936, Mussolini começou a exteriorizar mais claramente seu crescente sentimento pró-alemanha (GOESCHEL, 2018, p. 78), assim como Hitler demonstrou afinidade com a ideia de ratificar a aliança dos dois países. Em setembro, o Presidente da Academia Alemã de Direito, Hans Frank, em visita extraoficial à Roma, convidou Mussolini a visitar Berlim a pedido de Hitler. Tal fato foi a oportunidade de Mussolini demonstrar que a Itália não estava sozinha no cenário internacional, assim como a grandiosidade da união de ambas as nações, o que ocorreu por meio de visita consubstanciada em 1937.

No mês seguinte, foi a vez do recém nomeado ministro das relações exteriores italiano e genro de Mussolini, Gian Galeazzo Ciano, visitar Hitler nas terras conquistadas da Áustria. A visita rendeu oficialmente a assinatura de um protocolo confidencial ítalo-germânico onde constava a consideração mútua da ameaça do bolchevismo russo e que é considerado a consolidação do eixo Berlim-Roma. À época, o jornal nazista Völkischer Beobachter noticiou que as tratativas ocorridas entre 23 e 25 de outubro daquele ano não se restringiram ao acordo divulgado, mas que houve a reafirmação, por meio de Ciano, do sentimento de cooperação entre ambas as nações. Admitindo os rumores da visita, o líder fascista anunciou, em 1º de novembro de 1936, em discurso inflamado, a criação do “Eixo Berlim-Roma” através das seguintes palavras: “Os encontros de Berlim resultaram em um acordo entre os dois países sobre problemas específicos que são particularmente agudos nos dias de hoje. Mas esse acordo […] esse eixo vertical Berlim-Roma não é um diafragma, mas sim um Eixo por meio do qual todos os Estados europeus animados pelo desejo de colaborar e pacificar podem colaborar”.

A importância do Tratado para Itália e Alemanha  

Não se sabe exatamente qual foi o teor das discussões entre Ciano e Hitler e não há  documentos oficiais com o registro de cláusulas. O que se sabe é que a formalização dessa “amizade” foi primordial para o crescimento do nazifascismo na Europa e a sua consolidação como ideologia pelo mundo. A Itália, que passava por um momento de completo isolamento internacional, encontrou uma oportunidade de angariar apoio internacional através da adesão de outras nações, além da Alemanha, à aliança – o que não ocorreu tão cedo. 

Inicialmente, não havia um espírito de cooperação política com a criação do Eixo. O que houve foi o estabelecimento de uma afirmativa propagandística de uma aliança sólida entre as nações, o que era uma falácia. Ainda assim, essa narrativa tão intensa foi capaz de converter as relações diplomáticas entre Alemanha e Itália antes só midiáticas, em política real, o que é evidenciado pelo aumento expressivo das trocas comerciais entre ambas as nações a partir de 1936. Naquela época, passou de 11% para 20% as exportações italianas para a Alemanha e o fluxo inverso, da Alemanha para a Itália, acentuou-se ainda mais, de 14% para 40% em 1940 (GOESCHEL, 2018), indicando a interdependência de ambas as nações na esfera econômica. Ademais, aumentaram também as migrações de italianos para a Alemanha em atendimento às demandas por trabalhadores que o país enfrentava devido ao seu surto industrial. 

Fica claro, assim, que a intensificação das relações entre os dois países a partir de 1936 configurou-se como primordial ao fortalecimento da ideologia nazifascista e, consequentemente, criou uma nova estrutura de poder bifocal responsável por levar a cabo o projeto de expansão política e territorial desencadeante da Segunda Guerra Mundial.

Os desdobramentos e o desfecho da aliança Ítalo-Germânico

Após a consolidação do pretendido fortalecimento da estrutura de poder nazifascista na Europa, o Eixo Berlim-Roma desencadeou uma série de expansões de sua agenda imperialista em territórios como o Norte da África e os Balcãs, assim como, incorporou-se por meio da aderência de países internos e externos à conjuntura europeia. Neste contexto, o Japão, à época um país de emergência capitalista, temendo a força política e bélica da União Soviética nos territórios tangentes ao seu domínio, acabou por assinar juntamente a Alemanha, em novembro de 1936, o Pacto Anti-Komintern (contra a internacional comunista) que, por sua vez, tinha como propósito a criação de medidas comuns, entre os signatários, para o confrontamento das atividades da Komintern tanto em suas limitações fronteiriças, como fora delas (VELLOSO FILHO, 1988). Posteriormente, no ano de 1937, o Pacto Anti-Komintern foi aderido pelo governo Mussolini, fazendo com que, juntamente ao Pacto de Aço de 1939 entre Alemanha e Itália, a estrutura do Eixo Berlim-Roma se consolidasse, assim como, se anexa-se permanentemente aos interesses japoneses, o que desencadeou, posteriormente, na constituição do Pacto Tripartite que, no ano de 1940, deu origem ao Eixo Berlim-Roma-Tóquio (VELLOSO FILHO, 1988).

Por outro lado, entre os anos de 1940 e 1941, o Eixo obteve aderência de diversos países inseridos na questão territorial europeia. Dentre eles, a Eslováquia que dependia política e economicamente do ímpeto alemão para a constituição de seu estado “independente”. Além do exemplo eslovaco, países como Hungria, Romênia, Bulgária e Croácia juntaram-se ao poderio militar e territorial do Eixo dentro do referido período, concedendo ainda mais força a tripartite nas faixas central e oriental da Europa, através de consultas e colaborações técnicas, econômicas, comerciais e militares. Desta forma, o Eixo Berlim-Roma-Tóquio consagrou contínuos eventos de expansão e fortalecimento até sofrer as consequências da ausência de planejamento central e coordenado, visto que os interesses irrefletidos de Mussolini em territórios como o Egito e a Grécia, assim como a incapacidade japonesa de coordenar ameaças concisas de invasão a URSS pelo extremo-oriente acabaram por gerar desvio de recursos e tropas alemãs para destinos indesejáveis, enfraquecendo o ímpeto alemão mediante o objetivo de invasão ao flanco soviético, fato que concedeu tempo e força estratégica aos Aliados, formados por Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética (BERTONHA 2009; VELLOSO FILHO, 1988).

Em suma, pode-se refletir que a relação ítalo-germânica, iniciada em outubro de 1936, obteve parcial êxito ao longo da segunda guerra, gerando uma série de vantagens comerciais, territoriais e militares, para os interesses imperialistas de Itália e Alemanha, dentro e fora do continente europeu. No entanto, a própria aproximação ideológica que porventura possibilitou, em meio a receios preexistentes, a consolidação do laço entre os supracitados países, acabou tornando-se uma das razões principais de sua posterior cisão, visto que as estratégias e ações irrefletidas de Hitler e Mussolini, reconduziam-se apenas ao cumprimento de seus objetivos particulares, enquanto símbolos reconquistadores da autoestima de suas respectivas nações. Tal realidade, atrelada a já mencionada ausência de planejamento central no Eixo Berlim-Roma-Tóquio, acabou suprimindo definitivamente a impetuosa aliança fascista, assim como, trouxe em si a posterior derrocada do sustentado governo Mussolini, que teve seu fim decretado após o início da Campanha da Itália, liderada pelos países aliados, em meados do ano de 1943.

Referências 

BERTONHA, J. F. A Segunda Guerra Mundial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 

GOESCHEL, C. Mussolini e Hitler: a fraude da aliança fascista. São Paulo: Editora Manole, 2020. Disponível em:

https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555762839/. Acesso em: 25 set. 2021.

VELLOSO FILHO, F. C. Tratados e Acordos à época da Segunda Guerra Mundial. n. 735. p. 56-64. Rio de Janeiro: A Defesa Nacional, 1988.

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