Curso de BRICS Expansão, Contradições e Estratégia
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Com a conta ou com a palavra? O Brasil e o custo da autonomia no BRICS

"24.08.2023 - Sessão I do Diálogo de Amigos do BRICS, BRICS-Africa Outreach e BRICS Plus" by Palácio do Planalto is licensed under CC BY-ND 2.0

Nos últimos anos, o agrupamento BRICS — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — consolidou-se como um dos mais relevantes fóruns políticos e econômicos, oferecendo uma plataforma alternativa ao domínio das potências tradicionais reunidas no G7. Idealizado originalmente por Jim O’Neill (2001), do Goldman Sachs, como um conceito econômico para destacar o potencial emergente dessas grandes economias, o bloco adquiriu dimensão estratégica mais ampla a partir de sua formalização institucional em 2006, assumindo o compromisso explícito de promover reformas significativas na governança internacional (Baumann, 2018; Souza, 2024).

Entretanto, a consolidação do BRICS também trouxe novos desafios e contradições, especialmente diante da escalada recente da pressão econômica e geopolítica exercida pelos Estados Unidos. A partir de 2025, o governo norte-americano, sob o presidente Donald Trump, intensificou o uso de tarifas e sanções econômicas unilaterais, adotando medidas punitivas contra países membros do BRICS, particularmente o Brasil.

A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros foi interpretada como uma tentativa deliberada de forçar o Brasil a rever seu alinhamento estratégico com China e Rússia, acusadas pelos EUA de desafiar a ordem internacional vigente (Estadão, 2025). Esse cenário suscitou uma série de questionamentos internos e externos sobre o papel do BRICS, suas reais intenções estratégicas e as implicações dessa dinâmica para a política externa brasileira.

Nesse contexto, o presente artigo busca analisar criticamente o papel do BRICS frente à atual conjuntura internacional, com ênfase especial nas relações entre o bloco e os Estados Unidos, e nas opções estratégicas disponíveis para o Brasil. Pretende-se investigar até que ponto as críticas recentes — como aquelas expostas no editorial do jornal Estadão (2025), que sugerem uma associação do BRICS a interesses exclusivamente russos e chineses — são válidas, ou se elas representam simplificações inadequadas das complexas relações diplomáticas e econômicas envolvidas. O artigo também pretende explorar em que medida o Brasil pode, e deve, desenvolver uma estratégia de inserção internacional que vá além do BRICS, incorporando uma visão mais ampla, pragmática e diversificada de suas relações externas.

A relevância do estudo reside na necessidade urgente de compreender como o Brasil pode equilibrar sua participação no BRICS com outros objetivos diplomáticos fundamentais, como o fortalecimento de sua liderança regional na América do Sul, a ampliação das parcerias internacionais com países intermediários e tecnologicamente avançados, e a defesa coerente do multilateralismo como princípio central de sua política externa. Argumenta-se que a participação do Brasil no BRICS não é necessariamente contraditória com uma atuação diversificada no cenário internacional, desde que o país mantenha clareza estratégica sobre seus objetivos nacionais e consiga traduzir esses objetivos em uma política externa consistente, inovadora e eficaz.

O BRICS no sistema internacional

O agrupamento foi formalizado como instância de diálogo político em 2006, com reuniões entre os chanceleres de Brasil, Rússia, Índia e China, e ganhou caráter institucional a partir da primeira cúpula de chefes de Estado em Ecaterimburgo, em 2009. A África do Sul foi incorporada formalmente em 2010, transformando o acrônimo em BRICS e inserindo um representante africano na coalizão.

Desde então, o BRICS tem buscado ampliar sua atuação em múltiplas dimensões: política, econômica, financeira, tecnológica e social. Segundo Baumann (2018), a agenda inicial do grupo partia de uma crítica à governança internacional dominada por instituições como o FMI e o Banco Mundial, defendendo reformas que garantissem maior representatividade aos países do Sul Global. As declarações das cúpulas anuais evidenciam essa trajetória.

Em Ecaterimburgo (2009), o foco foi a resposta à crise financeira internacional e a demanda por reformas na arquitetura financeira internacional. Em Fortaleza (2014), houve a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e do Arranjo Contingente de Reservas, instrumentos voltados para financiar projetos de infraestrutura e enfrentar desequilíbrios de balanço de pagamentos sem depender das instituições de Bretton Woods.

A atuação do NDB, com sede em Xangai e presidência atualmente exercida pela brasileira Dilma Rousseff, fortaleceu a dimensão operacional do grupo. Entre 2016 e 2022, o banco aprovou dezenas de projetos para o Brasil, totalizando bilhões de dólares em áreas como transporte, saneamento, energia renovável e desenvolvimento urbano (Souza, 2024, p. 34–35). O banco se apresenta como alternativa ao Banco Mundial, com menos condicionalidades e foco em projetos sustentáveis em países em desenvolvimento.

Contudo, o BRICS também enfrenta críticas internas e externas quanto à sua coesão e equilíbrio entre os membros. A China representa mais de 65% do PIB conjunto do grupo e cerca de 72% das exportações, gerando percepções de assimetria e o risco de o bloco se tornar uma extensão dos interesses chineses (Baumann, 2018, p. 169). Essa assimetria levanta questionamentos sobre a natureza do BRICS: trata-se de um espaço cooperativo horizontal ou de uma coalizão assimétrica com hegemon informal?

A expansão recente do BRICS, anunciada em 2023 e formalizada em 2024, com a entrada de países como Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, gerou ainda mais debate sobre o rumo do grupo. Enquanto alguns autores enxergam a ampliação como um passo em direção à criação de um “clube dos descontentes” com a ordem liberal internacional (Cruiger, 2024), outros observam que a diversidade de regimes, interesses e geografias pode comprometer a efetividade política do bloco. A possível criação de uma moeda comum — a chamada BRICSCoin — continua em debate técnico, mas enfrenta grandes entraves relacionados à soberania monetária, reservas cambiais e coordenação fiscal (Souza, 2024, p. 38–40).

Além disso, há divergências quanto ao grau de antagonismo em relação ao Ocidente. A Declaração do BRICS de 2025, divulgada no Rio de Janeiro, reitera o compromisso com a reforma do Conselho de Segurança da ONU, o multilateralismo, o respeito ao direito internacional e a necessidade de ampliar a representatividade dos países em desenvolvimento (BRICS, 2025, §2–6). Embora os discursos de alguns líderes (como os de Vladimir Putin) adotem tom antiocidental, o texto do documento busca uma postura mais moderada, centrada em reformas e cooperação, não em ruptura frontal.

Diante dessas disputas internas e externas, o BRICS se consolida como um campo em disputa — tanto entre seus membros quanto em relação à ordem internacional. A questão central, portanto, não é se o bloco deve ser aceito ou rejeitado em bloco, mas como seus membros, especialmente o Brasil, podem moldar sua atuação para defender seus interesses nacionais e fortalecer uma ordem internacional mais plural.

A ofensiva dos EUA e a geopolítica das sanções

A partir de 2025, o governo dos Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, intensificou significativamente sua política de coerção econômica e uso de sanções unilaterais como instrumentos para reforçar sua posição hegemônica no sistema internacional. O anúncio de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros — justificado pelo suposto apoio do governo Lula à perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro — revela-se parte de uma estratégia muito mais abrangente. O verdadeiro objetivo transcende questões bilaterais Brasil-EUA e se insere no contexto de uma ofensiva maior contra o grupo BRICS, especialmente contra China e Rússia (Estadão, 2025).

Essa escalada tarifária e sancionatória não é um evento isolado. O governo norte-americano mobiliza a infraestrutura financeira internacional baseada no dólar — incluindo o sistema SWIFT, controlado pelo Ocidente — como ferramenta estratégica de punição contra países que desafiam sua liderança. A estratégia de Trump tem como alvo prioritário a China, vista como principal ameaça econômica e tecnológica, e a Rússia, cuja resistência geopolítica desafia a supremacia militar e diplomática ocidental. Nesse contexto, o Brasil emerge como um alvo simbólico, visando desestimular outros países emergentes de adotar posições similares e evitar futuras iniciativas de autonomia estratégica.

O BRICS, desde sua fundação, propõe uma crítica aberta à ordem internacional liberal tradicional, promovendo reformas estruturais para ampliar a representatividade das economias emergentes nas principais instituições financeiras e políticas. Como enfatiza a Declaração do Rio de Janeiro (2025), os países do BRICS rejeitam explicitamente as sanções unilaterais, defendendo uma ordem multilateral justa e representativa, na qual países emergentes e em desenvolvimento possuam voz ativa na governança internacional (BRICS, 2025, §13-14). Essa postura desafia diretamente o modelo hegemônico liderado pelos Estados Unidos e sustentado pelas potências do G7.

Em contrapartida, o G7, sob forte influência norte-americana, age em bloco para reforçar a ordem liberal vigente, utilizando ferramentas econômicas, diplomáticas e tecnológicas para conter a ascensão dos países emergentes. Ao contrário do que se viu em décadas anteriores, a lógica das sanções e tarifas deixou de ser uma ferramenta ocasional, passando a integrar explicitamente as estratégias de segurança nacional e de proteção do domínio ocidental sobre o sistema financeiro internacional. O resultado é um sistema internacional cada vez mais fragmentado, com o aprofundamento de divisões econômicas e geopolíticas.

O argumento estadunidense, ao aplicar sanções e tarifas elevadas contra membros do BRICS, é frequentemente apresentado como uma defesa dos valores democráticos e da segurança internacional. No entanto, essas ações, em vez de fomentar um ambiente de cooperação e inclusão internacional, têm produzido exclusão econômica, fortalecido rivalidades e alimentado tensões geopolíticas. Na prática, as tarifas impostas por Washington não são meramente instrumentos de regulação comercial, mas mensagens políticas claras direcionadas a países que não se submetem integralmente à agenda estadunidense.

Autores como Andrew Hurrell (2006) destacam que o surgimento de agrupamentos como o BRICS é uma resposta natural e esperada frente à exclusão histórica de países emergentes das instâncias decisórias internacionais dominadas pelos EUA e pelo G7. Ao expandir-se recentemente com novos membros como Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, o bloco intensifica sua representação geográfica e simbólica, aprofundando a contestação ao sistema hegemônico estabelecido. Por outro lado, o crescimento do BRICS também aumenta as percepções negativas no Ocidente, levando potências tradicionais a intensificar suas políticas de contenção.

Essas políticas de contenção não apenas ameaçam os interesses econômicos imediatos dos países sancionados, mas também prejudicam o funcionamento de um sistema internacional que deveria promover o diálogo e a cooperação. Como consequência direta das políticas estadunidenses, o risco de uma fragmentação do sistema econômico internacional aumenta, potencializando conflitos políticos e econômicos, como é evidenciado pela própria guerra comercial travada contra o Brasil e demais países membros do BRICS.

Portanto, o desafio enfrentado pelo Brasil nessa conjuntura vai além da simples defesa de interesses comerciais imediatos. Está em jogo a capacidade do país de manter e defender uma política externa autônoma e multipolar, em contraposição à estratégia unilateral e coercitiva promovida por Washington e o G7. A decisão brasileira sobre como responder a esse ataque tarifário e sancionatório não definirá apenas a relação bilateral com os Estados Unidos, mas determinará seu posicionamento estratégico mais amplo, em um sistema internacional em profunda transformação.

O lugar do Brasil: pragmatismo, contradições e dilemas

Nas últimas décadas, o Brasil desempenhou um papel de destaque no cenário internacional ao promover ativamente o multilateralismo e defender a necessidade de reformas das instituições globais. A criação e consolidação do BRICS representam, nesse sentido, um marco da diplomacia brasileira, oferecendo uma plataforma para articular interesses comuns entre países emergentes e projetar sua voz em debates internacionais tradicionalmente dominados pelas grandes potências ocidentais (Baumann, 2018). Contudo, a participação brasileira no agrupamento também evidencia uma série de contradições e dilemas estratégicos, especialmente diante das pressões geopolíticas recentes exercidas pelos Estados Unidos e do enfraquecimento de sua articulação regional sul-americana.

Desde o início, o Brasil enxergou no BRICS uma oportunidade de afirmar sua autonomia diplomática, diversificar seus parceiros econômicos e fortalecer sua capacidade de negociação em fóruns globais como a ONU, OMC, FMI e Banco Mundial. Com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), sediado em Xangai, o Brasil obteve acesso privilegiado a recursos destinados a projetos estratégicos, como infraestrutura sustentável, inovação tecnológica e desenvolvimento social (Souza, 2024, p. 34–35). Esses elementos mostram o pragmatismo brasileiro ao buscar alternativas institucionais concretas em meio à crescente insatisfação com as condicionalidades das instituições financeiras tradicionais, especialmente aquelas influenciadas diretamente pelo G7.

Entretanto, o alinhamento brasileiro ao BRICS também gerou críticas internas e externas. Internamente, a associação próxima com países como Rússia e China despertou questionamentos sobre os riscos de submissão a interesses estrangeiros, especialmente frente à crescente influência econômica e política da China na América Latina (Cruiger, 2024). No cenário doméstico, a falta de consenso nacional sobre o papel que o país deseja desempenhar no mundo tem contribuído para oscilações estratégicas frequentes, produzindo uma política externa que alterna entre momentos de grande ativismo multilateral e fases de retração diplomática.

Ademais, ao apostar significativamente no BRICS, o Brasil acabou negligenciando de forma crescente suas estratégias regionais de integração sul-americana. A crise enfrentada pelo Mercosul, decorrente tanto de divergências internas como da ausência de liderança clara por parte de Brasília, exemplifica esse problema. Uma análise crítica sugere que a aposta exclusiva no BRICS enfraqueceu o tradicional protagonismo brasileiro na América do Sul, gerando um vazio político rapidamente ocupado por outros atores internacionais, inclusive pela própria China, que tem ampliado significativamente sua presença econômica e diplomática na região (Baumann, 2018).

O recente episódio da imposição tarifária pelos EUA colocou ainda mais pressão sobre as escolhas estratégicas brasileiras. Frente à escalada norte-americana, o Brasil ficou diante de um dilema crucial: continuar apostando no fortalecimento do BRICS, assumindo riscos adicionais de retaliação econômica, ou recuar parcialmente em nome de uma acomodação com Washington e seus aliados tradicionais. O veto brasileiro à entrada da Venezuela no bloco — além da recusa em participar da iniciativa chinesa da Nova Rota da Seda — demonstram claramente a existência de uma postura ambivalente e cautelosa por parte do governo brasileiro.

Essa ambivalência diplomática evidencia também uma limitação estrutural da política externa brasileira contemporânea: a falta de inovação estratégica. Brasília, em certa medida, tem se acomodado diante do quadro internacional em rápida mudança, reagindo defensivamente em vez de formular propostas mais ousadas para enfrentar desafios econômicos, tecnológicos e geopolíticos contemporâneos. Isso fica evidente ao observar a pouca articulação com países fora dos tradicionais círculos do BRICS e do Norte global, como Austrália, Canadá, Alemanha, Coreia do Sul e Japão, todos parceiros potenciais de cooperação tecnológica, inovação e sustentabilidade, e que poderiam diversificar e fortalecer as relações internacionais brasileiras (Souza, 2024).

Nesse sentido, o verdadeiro desafio para o Brasil não está na dicotomia simplista de “permanecer ou abandonar” o BRICS, mas em encontrar o ponto de equilíbrio entre a agenda do agrupamento, sua estratégia regional e a ampliação de parcerias diversificadas no cenário internacional. O fortalecimento da cooperação sul-americana, a ampliação estratégica de alianças tecnológicas e ambientais com democracias desenvolvidas e a atuação consistente dentro do BRICS, visando reformas efetivas das instituições internacionais, são elementos que deveriam compor um projeto diplomático equilibrado e eficiente.

Trata-se, portanto, não apenas de uma decisão técnica ou conjuntural, mas de uma definição estratégica profunda acerca do modelo de inserção internacional que o país deseja construir nas próximas décadas. O pragmatismo brasileiro, reconhecido historicamente, pode ser aproveitado para transformar esses dilemas atuais em oportunidades efetivas de construção de uma política externa mais ativa, diversificada e capaz de assegurar ao país o protagonismo que almeja no cenário internacional contemporâneo.

Alternativas e redesenho estratégico

Diante dos desafios expostos, torna-se evidente a necessidade urgente de um redesenho estratégico na política externa brasileira. O Brasil precisa transcender a atual dicotomia simplista entre adesão irrestrita ao BRICS ou alinhamento subordinado às pressões ocidentais lideradas pelos Estados Unidos. Em vez disso, é necessário adotar uma abordagem estratégica multifacetada, combinando pragmatismo, diversificação diplomática e reposicionamento regional e global.

Primeiramente, é imperativo reequilibrar a inserção regional do Brasil. A negligência recente na relação com seus vizinhos sul-americanos resultou na perda de liderança e influência em espaços estratégicos tradicionais, como o Mercosul e a Unasul (Baumann, 2018). Recuperar essa agenda regional não significa abandonar o BRICS, mas sim reafirmar que a América do Sul constitui um espaço vital para a segurança econômica, energética e diplomática brasileira. Nesse sentido, a recuperação do protagonismo brasileiro na região exige um esforço renovado de integração física, comercial e política, reativando iniciativas de infraestrutura, ampliando o diálogo bilateral e multilateral com parceiros sul-americanos e assumindo uma postura mais ativa e construtiva em crises regionais como as recentes tensões internas na Venezuela e no Peru.

Além disso, o Brasil precisa ampliar sua articulação internacional com parceiros estratégicos fora dos eixos tradicionais (Souza, 2024). A prioridade deve incluir países de renda alta e intermediária que, embora não pertençam ao BRICS nem façam parte do G7, oferecem um vasto potencial em áreas como inovação tecnológica, sustentabilidade, comércio e investimentos. Exemplos claros disso são Austrália, Canadá, Alemanha, Coreia do Sul e Japão, nações que poderiam fornecer parcerias sólidas e sustentáveis, especialmente em setores estratégicos, como energia renovável, tecnologia agrícola, infraestrutura sustentável e inovação digital. Esses países, embora vinculados historicamente ao Ocidente, têm demonstrado interesse em diversificar suas próprias relações internacionais, o que favorece o aprofundamento de parcerias mutuamente vantajosas com o Brasil.

Outro ponto fundamental é o fortalecimento de uma postura estratégica inteligente dentro do próprio BRICS. Ao invés de adotar uma posição passiva frente às assimetrias internas do bloco, o Brasil deve assumir um papel de mediador e formulador de propostas concretas que contribuam para equilibrar interesses e reduzir a percepção do grupo como “China-centrado”. Isso inclui promover agendas internas específicas, como o fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), garantindo que projetos financiados atendam diretamente aos interesses brasileiros e aos dos demais membros emergentes.

Adicionalmente, o Brasil deve liderar o debate sobre temas fundamentais ao futuro da governança internacional, como a reforma do Conselho de Segurança da ONU, o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e uma regulamentação multilateral para o uso das novas tecnologias digitais e inteligência artificial, aspectos nos quais o BRICS pode exercer liderança estratégica e pioneira.

É crucial também que o Brasil fortaleça a defesa do multilateralismo pragmático nas relações internacionais, defendendo as instituições globais contra práticas unilaterais e coercitivas como as adotadas recentemente pelos Estados Unidos (BRICS, 2025). Nessa frente, o país precisa assumir posições diplomáticas claras e consistentes, questionando abertamente medidas como sanções econômicas e tarifas punitivas que distorcem o comércio internacional e afetam negativamente o desenvolvimento internacional. Ao fazê-lo, Brasília reforçará sua reputação internacional como defensora de uma ordem mundial mais justa, inclusiva e equilibrada.

Por fim, uma inovação diplomática que precisa ser adotada pelo Brasil é o desenvolvimento de uma estratégia clara de diplomacia tecnológica e ambiental. O país dispõe de ativos únicos na área ambiental, agrícola e energética, podendo tornar-se referência em sustentabilidade e economia verde, temas centrais na agenda internacional contemporânea (Souza, 2024). A construção de alianças estratégicas com países europeus, asiáticos e norte-americanos para o desenvolvimento conjunto de tecnologias limpas, infraestrutura verde e transição energética pode gerar ganhos econômicos, políticos e ambientais expressivos, além de elevar o país a uma posição de liderança em temas críticos para o século XXI.

Essas recomendações visam não apenas ampliar o escopo da atuação diplomática brasileira, mas também recuperar sua credibilidade internacional, prejudicada nos últimos anos pela ambivalência estratégica e a ausência de iniciativas claras e inovadoras. Ao reposicionar-se dessa forma, o Brasil não somente poderá enfrentar melhor os desafios geopolíticos e econômicos contemporâneos, mas também retomará seu papel de destaque como ator relevante, capaz de influenciar positivamente a agenda internacional em benefício próprio e de seus parceiros estratégicos.

Conclusão

Este artigo analisou criticamente o papel do BRICS no contexto atual das relações internacionais, com ênfase na posição estratégica do Brasil diante da crescente pressão geoeconômica e geopolítica exercida pelos Estados Unidos. Desde sua fundação, o BRICS se propôs como uma alternativa às instituições tradicionais dominadas pelo G7, defendendo reformas que promovam maior representatividade dos países emergentes na governança internacional. Contudo, ao mesmo tempo que o agrupamento oferece oportunidades concretas de cooperação econômica, financeira e política, apresenta desafios significativos relacionados às assimetrias internas e às percepções externas sobre seu alinhamento com os interesses de países como China e Rússia.

A recente ofensiva tarifária e sancionatória dos Estados Unidos não é um fenômeno isolado, mas parte de uma estratégia mais ampla para reforçar seu domínio no sistema internacional e conter as iniciativas de autonomia estratégica protagonizadas pelos países do BRICS. A imposição de tarifas contra o Brasil exemplifica claramente como a geopolítica das sanções está sendo usada como instrumento de pressão e coerção, prejudicando não apenas os interesses econômicos imediatos, mas também ameaçando a capacidade do país de sustentar uma política externa autônoma e multipolar.

Nesse cenário, o artigo ressaltou que o Brasil enfrenta dilemas estratégicos profundos. A aposta histórica no BRICS gerou benefícios importantes em termos de diversificação econômica e inserção internacional, mas também levou ao enfraquecimento das políticas regionais de integração sul-americana. Além disso, a ausência de uma estratégia diplomática inovadora e consensual tornou o país vulnerável às oscilações internacionais e pressões externas, deixando-o frequentemente em posição defensiva e reativa.

Portanto, o verdadeiro desafio brasileiro não reside em escolher entre o abandono do BRICS ou a adesão incondicional às políticas do bloco. Pelo contrário, trata-se de afirmar claramente seus interesses nacionais e estabelecer uma estratégia multifacetada que combine o fortalecimento do BRICS com uma renovação profunda de sua articulação regional sul-americana e uma ampliação das parcerias internacionais estratégicas com países como Austrália, Canadá, Alemanha, Coreia do Sul e Japão. Esses países representam não só mercados importantes, mas também fontes fundamentais de cooperação tecnológica e ambiental, essenciais para o desenvolvimento sustentável brasileiro.

Nesse sentido, o artigo defendeu explicitamente um redesenho estratégico na política externa brasileira, que priorize o multilateralismo pragmático, fortaleça alianças estratégicas com parceiros-chave, reequilibre sua liderança regional e reposicione o país como protagonista em temas de interesse internacional, especialmente em áreas como inovação tecnológica, sustentabilidade e governança internacional.

Finalmente, ressalta-se que em um sistema internacional cada vez mais fragmentado e polarizado, abandonar ou enfraquecer instrumentos de influência multilateral como o BRICS seria um equívoco estratégico grave. Em vez disso, o Brasil deve ocupar, disputar e transformar o agrupamento por dentro, assegurando que sua participação no bloco seja guiada por objetivos claros e pragmáticos, em consonância com seu histórico diplomático e sua tradição de defesa da autonomia e inclusão no sistema internacional. Somente assim será possível enfrentar com sucesso os desafios geopolíticos e econômicos do século XXI e assegurar ao país um futuro de maior protagonismo, segurança econômica e influência diplomática.

Referências

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Analista de Relações Internacionais at ESRI | Website |  + posts

Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br

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