O Surgimento do Sul Global e Sua Ascensão no Palco Internacional

No cenário geopolítico contemporâneo, marcado por mudanças e desafios significativos, o conceito de “Sul Global” vem ganhando destaque como um vetor crucial para o debate sobre desenvolvimento inclusivo e equitativo. Este termo transcende as fronteiras geográficas tradicionais, reunindo países que compartilham desafios socioeconômicos similares e uma história de marginalização nas relações internacionais. A presidência brasileira do G20, seguida por uma sequência de lideranças de países do Sul Global, simboliza a emergência dessas nações no cenário mundial, redefinindo as dinâmicas de cooperação internacional.

Origens e Definição do Sul Global: Três Perspectivas Prevalentes

O conceito de “Sul Global” carrega múltiplos significados, refletindo a diversidade e a complexidade das dinâmicas mundiais. Três entendimentos predominantes surgiram na análise da política mundial, cada um oferecendo uma visão única sobre o que constitui o Sul Global e sua importância nas Relações Internacionais.

1. Perspectiva Socioeconômica

Historicamente, o “Sul Global” tem sido associado a partes do mundo economicamente pobres e/ou marginalizadas socialmente. Essa visão é frequentemente embasada em classificações por país, como as do Banco Mundial, que focam na renda per capita para mapear o desenvolvimento socioeconômico em níveis agregados e comparar países ou regiões ao longo do tempo. O Índice de Desenvolvimento Humano, emitido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, serve como outro proxy importante, listando países de acordo com dados quantificáveis relativos à expectativa de vida, educação e renda.

Embora a maioria das organizações multilaterais não utilize a linguagem Norte-Sul ao apresentar suas classificações, muitos círculos acadêmicos e de políticas seguem a lógica desses índices ao assumir que o “Sul Global” compreende todos os países fora dos estratos de “alta renda”, “economias avançadas” ou “muito alto desenvolvimento humano”. Esses mapeamentos globais remetem à chamada Linha Brandt, que sugeria que as divisões internacionais entre Norte/Sul eram vagamente sinônimas com rico/pobre ou desenvolvido/em desenvolvimento.

Sul Global - Linha Brandt
Divisão dos países desenvolvidos e países subdesenvolvidos – Sul Global

2. Alianças Transregionais e Multilaterais

O “Sul Global” também tem representado diferentes conjuntos de alianças transregionais e multilaterais, oferecendo um espaço político tricontinental que, desde as primeiras décadas após a fundação da ONU em 1945, tem servido como referência para o desenvolvimento de ideias e etapas concretas em direção a plataformas e práticas de cooperação além daquelas dominadas por potências coloniais e seus aliados. Baseando-se na Conferência de Bandung de 1955, o Movimento dos Países Não Alinhados e a ideia de solidariedade “Sulista”, esse entendimento tem sido associado a países anteriormente colonizados ou, mais geralmente, países que evoluíram nas periferias do sistema internacional.

3. Espaço de Resistência

Finalmente, o “Sul Global” tem sido apresentado como um espaço de resistência não apenas contra a dominação “Norteña” em configurações multilaterais, mas também contra o capitalismo neoliberal e outras formas de poder hegemônico global. Desde o movimento tricontinental até a revolta Zapatista e o Fórum Social Mundial, este entendimento tem sido conectado a projetos pós-coloniais – e cada vez mais decoloniais – que se concentram na persistência de desigualdades raciais e dominação sistêmica em todo o mundo. Ativistas e acadêmicos sugeriram que o “Sul Global” pode estar potencialmente em qualquer lugar, mas, como um espaço alternativo, está sempre conectado a contextos locais específicos e estruturas de poder globais.

Essas três perspectivas sobre o “Sul Global” destacam não apenas as diferentes maneiras pelas quais o termo é compreendido e utilizado, mas também a sua importância crítica para desafiar as dinâmicas de poder existentes e promover uma ordem mundial mais justa e inclusiva. Ao reconhecer essas diversas interpretações, podemos apreciar melhor o papel complexo e multifacetado que o Sul Global desempenha nas relações e políticas globais contemporâneas.

A Ascensão do Sul Global

Sob a liderança de países como Brasil, Índia e África do Sul, o Sul Global tem demonstrado uma capacidade crescente de liderar discussões críticas sobre desenvolvimento, mudança climática, multilateralismo e dívida. Esta nova voz coletiva defende uma ordem mundial mais justa, equitativa e inclusiva, trazendo questões de desenvolvimento para o centro do palco em fóruns multilaterais como a ONU, OMC, FMI, BRICS e G20.

Desafios e Oportunidades

Apesar do crescimento econômico sustentado em várias regiões do Sul Global, desafios como desigualdades internas, instabilidade política e dependência de commodities persistem. O relatório anual do Banco Mundial destaca a crescente pressão sobre os países do Sul Global devido a taxas de juros mais altas e redução de novos financiamentos, resultando em um aumento notável no serviço da dívida.

O Papel do Sul Global na Reconfiguração das Relações Internacionais

A sequência de presidências do G20 por países em desenvolvimento oferece uma oportunidade única para articular e influenciar a agenda global de maneira que favoreça os interesses desses países. Essa liderança é crucial para propor formas alternativas de enfrentar problemas e promover o desenvolvimento, destacando uma agenda própria que difere da dos países de alta renda do Norte.

Perspectivas Futuras

A necessidade de uma governança global mais inclusiva e equitativa é imperativa. Isso inclui reformar instituições financeiras internacionais, abordar injustiças climáticas e trabalhar para fechar o abismo tecnológico e educacional entre o Norte e o Sul Global. A solidariedade Sul-Sul, enfatizada por pensadores como Samir Amin, sugere uma cooperação entre os países do Sul Global como meio de contrabalançar a hegemonia do Norte e promover o desenvolvimento sustentável.

O Sul Global é um conceito dinâmico que reflete as aspirações e desafios de grande parte da população mundial. A compreensão e o engajamento com as perspectivas do Sul Global são cruciais para construir um mundo mais justo e equitativo. À medida que avançamos, a colaboração e o diálogo entre o Norte e o Sul Global serão essenciais para enfrentar os desafios globais compartilhados, desde a mudança climática até a desigualdade econômica, garantindo um futuro melhor para todos.

O Sul Global é um termo abrangente que inclui países, regiões e grupos de países de diferentes partes do mundo. Embora não haja uma lista definitiva, geralmente se refere a nações que compartilham características de desenvolvimento socioeconômico semelhante, enfrentam desafios comuns e, historicamente, têm sido marginalizadas em discussões globais. Aqui está uma visão geral de alguns países, regiões e grupos de países frequentemente associados ao conceito de Sul Global:

Países do Sul Global

  • Brasil: Como uma das maiores economias do Sul Global, o Brasil tem desempenhado um papel fundamental na representação dos interesses do Sul Global, especialmente através de iniciativas como o BRICS.
  • Índia: Com sua rápida industrialização e crescimento econômico, a Índia é um exemplo de como os países do Sul Global estão emergindo como atores significativos na economia mundial.
  • África do Sul: Representando o continente africano no grupo BRICS, a África do Sul desempenha um papel crucial no avanço das discussões sobre desenvolvimento e cooperação Sul-Sul.

Regiões do Sul Global

  • África Subsaariana: Esta região é frequentemente destacada nas discussões sobre o Sul Global devido aos seus desafios de desenvolvimento, recursos naturais abundantes e o potencial de crescimento.
  • Sudeste Asiático: Incluindo países como Indonésia, Vietnã e Filipinas, esta região tem experimentado rápido crescimento econômico e está cada vez mais influente nas relações internacionais.
  • América Latina: A região tem uma longa história de movimentos sociais e políticos que buscam uma ordem mundial mais justa e equitativa, refletindo os ideais do Sul Global.
BRICS+ Novos países dos BRICS
BRICS+ Novos países dos BRICS

Grupos de Países do Sul Global

  • BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): Embora diverso, este grupo representa economias emergentes significativas e tem sido uma voz coletiva para os interesses do Sul Global em fóruns internacionais.
  • G77 + China: Originalmente fundado por 77 países em desenvolvimento, este grupo agora inclui 134 membros e serve como um importante fórum para países do Sul Global na ONU.
  • Movimento dos Países Não Alinhados: Com 120 estados membros, este grupo foi criado durante a Guerra Fria para evitar a aliança com os blocos liderados pelos EUA ou pela União Soviética, promovendo a independência e a cooperação Sul-Sul.

Cada um desses países, regiões e grupos de países relaciona-se com o conceito de Sul Global ao enfatizar a necessidade de uma ordem mundial mais inclusiva e justa, que reconheça e aborde as disparidades socioeconômicas globais. Eles também destacam a importância da cooperação Sul-Sul e a busca por soluções alternativas aos modelos de desenvolvimento tradicionais, dominados pelos interesses dos países do Norte Global. Ao fazerem isso, contribuem para redefinir as relações internacionais e promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Termos Relacionados ao “Sul Global” e “Norte Global”

  1. Norte Global: Refere-se às nações desenvolvidas, predominantemente localizadas no hemisfério norte, que são caracterizadas por economias avançadas, altos níveis de renda per capita e significativa influência nas instituições financeiras e políticas globais. O Norte Global é frequentemente contrastado com o Sul Global em discussões sobre desigualdade, desenvolvimento e relações internacionais.
  2. Descolonização do Saber: Um conceito que desafia as narrativas e conhecimentos dominantes que têm origem na colonização e perpetuam a marginalização de culturas e povos não-ocidentais. Promove a valorização de saberes, perspectivas e metodologias originárias do Sul Global e de comunidades indígenas.
  3. Colonialidade do Poder: Uma teoria que analisa como as estruturas e padrões de poder criados durante a colonização continuam a afetar as relações sociais, econômicas e políticas globais. Argumenta que a colonialidade sobrevive mesmo após o fim do colonialismo formal, influenciando as dinâmicas de desigualdade entre o Norte e o Sul Global.
  4. BRICS: Acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Representa um grupo de países emergentes que buscam maior influência econômica e política no cenário mundial. O BRICS é frequentemente citado como um exemplo de países do Sul Global que desafiam a ordem global dominada pelo Norte Global.
  5. Neoliberalismo: Uma política econômica e filosofia que enfatiza a liberalização do comércio, a privatização de indústrias, a redução do papel do estado na economia e a livre circulação de capitais. Críticos argumentam que as políticas neoliberais exacerbam a desigualdade entre e dentro do Norte e Sul Global.
  6. Solidariedade Sul-Sul: Refere-se à colaboração entre países do Sul Global para promover o desenvolvimento econômico, político e social através da partilha de recursos, conhecimento e estratégias de desenvolvimento. É uma forma de resistência à dependência do Norte Global e busca fortalecer a voz do Sul Global nas relações internacionais.
  7. Desenvolvimento Sustentável: Um conceito que promove o desenvolvimento econômico que é ecologicamente sustentável e socialmente inclusivo. É particularmente relevante para o Sul Global, que frequentemente enfrenta os impactos desproporcionais das mudanças climáticas e da exploração ambiental.
  8. Multilateralismo: A prática de vários países trabalharem juntos em questões de interesse comum. No contexto do Sul e Norte Global, refere-se à importância de instituições e acordos internacionais que facilitam a cooperação e o diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
  9. Hegemonia: Descreve a predominância de uma entidade ou país sobre outros, em termos de poder político, econômico ou cultural. No diálogo Norte-Sul, a hegemonia frequentemente se refere à dominância do Norte Global nas decisões econômicas e políticas globais.
  10. Globalização: O processo de interação e integração entre as pessoas, empresas e governos de diferentes nações, um processo impulsionado por comércio internacional e investimento e auxiliado por tecnologia da informação. Embora ofereça oportunidades de desenvolvimento, a globalização também é criticada por agravar as desigualdades entre o Norte e o Sul Global.

Leituras Recomendadas

  • “Breaking Paradigms: Global South Leads the Debate Towards More Inclusive Development”: Uma análise aprofundada da ascensão do Sul Global e seu impacto nas relações internacionais.
  • “The Global South and World Dis(order)”: Explora a dinâmica de poder em mudança e o papel do Sul Global na formação de uma nova ordem mundial.

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