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Os Estados europeus se deixaram vassalizar pelos gigantes norte-americanos da Tecnologia. 1 Os Estados europeus se deixaram vassalizar pelos gigantes norte-americanos da Tecnologia. 2

Os Estados europeus se deixaram vassalizar pelos gigantes norte-americanos da Tecnologia.

Foto por EmDee. Via Wikicommons. (CC BY-SA 4.0)

As Big Tech moldam cada vez mais o nosso cotidiano, muito além de sua valorização financeira excepcional. Nesse contexto, o economista Julien Pillot, pesquisador do Inseec, explica como o domínio delas sobre infraestruturas essenciais e tecnologias-chave lhes confere um poder sem igual, tornando complexa qualquer tentativa de regulação. Ainda mais porque o retorno de Donald Trump à Casa Branca está marcado pela aliança entre gigantes da tecnologia e o poder político, o que redefine os desafios de soberania e democracia.

Até que ponto a valorização financeira excepcional das Big Tech afeta sua capacidade de enfrentar restrições legais?

Julien Pillot: Não nos enganemos: as Big Tech tiram menos seu poder de sua valorização excepcional do que do caráter indispensável de algumas de suas infraestruturas, tecnologias e serviços. Pense nos dados de saúde dos franceses que foram confiados à Microsoft, ou nos dados relativos à manutenção e gestão das peças de desgaste do parque nuclear francês, confiados à Amazon… A Itália, por sua vez, está negociando com a SpaceX a implementação de um sistema de telecomunicação por satélite essencialmente dedicado aos serviços do Estado, inclusive em áreas tão sensíveis quanto o setor militar, a diplomacia ou a proteção civil. Isso é irônico quando sabemos que essa negociação ocorre poucos dias após o lançamento do projeto de constelação Iris2, uma rede de satélites proprietária que deve oferecer aos Estados membros da União Europeia (UE) serviços de conectividade seguros.

As Big Tech também controlam tecnologias-chave na inteligência artificial (IA) ou infraestruturas essenciais, como os cabos submarinos…

J.P.: Exatamente. Além de contradizer o discurso superficial sobre a construção de uma soberania digital europeia, esses exemplos mostram principalmente uma fascinação pelas Big Tech norte-americanas — para não dizer uma certa submissão. É preciso reconhecer a eficácia de suas soluções, mas isso não justifica a grande passividade da União Europeia, que, por não ter conseguido conduzir uma verdadeira política industrial no setor digital, acabou se tornando vassala dos Estados Unidos e de seus campeões da tecnologia.

Como, nessas condições, os Estados podem ser firmes na aplicação do arsenal jurídico — que, no entanto, é bem abastecido na Europa no que diz respeito ao digital?

J.P.: As sanções financeiras que são regularmente impostas a elas por não conformidade com os regulamentos europeus, ou no âmbito antitruste, não parecem particularmente dissuasivas. Somente medidas comportamentais, que dificultariam a capacidade dessas empresas de manter suas práticas atuais e/ou exercer plenamente seu poder de mercado, ou até mesmo proibições temporárias ou definitivas do mercado europeu, seriam eficazes. É o que prevê, por exemplo, o Digital Services Act (DSA) para empresas condenadas por infrações repetidas. Veremos se a UE chegará a banir o X de seu mercado interno. Quando vemos como o comissário europeu Thierry Breton foi abandonado pelo executivo europeu após lembrar publicamente a Elon Musk suas responsabilidades sob o DSA, temos motivos para duvidar…

Como as estratégias de monetização únicas dos gigantes da tecnologia influenciam sua relação com as leis e regulamentações?

J.P.: Além da agenda política dos grandes líderes da tecnologia, chegamos ao cerne do problema: eles obtêm tanto sua receita quanto sua influência da coleta e exploração massiva de dados pessoais. No entanto, podemos ver que a receita média por usuário (ARPU) é máxima nas regiões onde a regulamentação sobre a proteção da privacidade é menos rigorosa. Isso é fácil de entender: quanto menos anônimos e mais sensíveis forem os dados, mais valor eles têm para quem os explora.

Não nos enganemos: por trás do discurso ideológico sobre o desaparecimento voluntário da privacidade com a internet, que os gigantes da tecnologia gostam de propagar, e de suas intensas campanhas de lobby, há, antes de tudo, uma questão de dinheiro. Mas a história não para por aí. Muitas práticas de mercado das Big Tech estão hoje no radar das autoridades de concorrência por serem (potencialmente, nos casos ainda em investigação) abusos de posição dominante. Sem entrar em uma lista interminável, fica claro que essas empresas prosperaram na ausência de regulação, na lentidão de nossos procedimentos antitruste e, ousamos dizer, em certa relutância em regulamentar de forma muito rigorosa essa esfera digital, geradora de empregos, crescimento e ferramentas muito úteis.

Logo das Big-techs americanas
Foto por SgtShyGuy. Via Wikicommons. (CC0)

O que pode mudar com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, especialmente com a nomeação de Elon Musk em sua equipe?

J.P.: Lembro-me da época em que me perguntavam sobre as razões que levaram Elon Musk a comprar o Twitter. Eu sempre respondia:

“Ninguém coloca 44 bilhões de dólares na mesa para comprar uma empresa estruturalmente deficitária, a menos que seja para transformá-la em uma enorme alavanca de influência.”

E foi exatamente o que aconteceu. Twitter, agora X, foi transformado para servir a um propósito político, mas também cultural, e até civilizacional, iliberal e conservador.

Sob o pretexto de liberar todas as vozes e devolver aos usuários o poder de controlar a qualidade do conteúdo compartilhado por meio de denúncias e “notas comunitárias” (“community notes”), o que realmente aconteceu foi a colocação do algoritmo a serviço da difusão de conteúdos deliberadamente divisivos e chocantes, pois são os mais propensos a gerar engajamento. O verdadeiro problema, portanto, é o risco de que, em um contexto de desconfiança em relação às elites e aos meios de comunicação tradicionais, os fatos sejam reduzidos ao mesmo nível que as opiniões. Pior, com a ajuda dos algoritmos, cuja opacidade está longe de ser fantasiosa, as opiniões majoritárias podem se estabelecer como fatos. Com todos os riscos de manipulação e interferência que podemos temer de empresas que não dão muita importância à democracia.

Torna-se, portanto, cada vez mais difícil, em um contexto de coexistência de centenas de verdades alternativas, manter viva uma comunidade nacional e um projeto democrático…

J.P.: Vemos, aliás, como, desde a eleição de Donald Trump, as coisas estão se encaminhando no lado da tecnologia norte-americana. Por um lado, Musk continua suas provocações e interferências em todas as direções para desestabilizar, especialmente na Europa, governos muito progressistas em sua opinião. Quanto a Mark Zuckerberg, o chefe da Meta (Facebook, Threads, Instagram, WhatsApp), ele acabou de divulgar um vídeo no qual afirma aproveitar a oportunidade da eleição de Trump para interromper o (custoso) programa de verificação de fatos e lutar contra a censura, em benefício de seus usuários… mas também da nova administração. Ele ainda aproveita para criticar violentamente a UE, declarando, por exemplo:

“A Europa tem um número crescente de leis que institucionalizam a censura e dificultam a construção de projetos inovadores.”

Podemos concluir, portanto, que a eleição de Donald Trump representa um ponto de virada importante…

J.P.: Exatamente, porque ele não hesitará em usar todos os seus recursos, econômicos, diplomáticos e militares, para pressionar países terceiros, aliados ou não, e proteger os interesses das empresas norte-americanas, especialmente porque elas servem para consolidar sua governança e ideologia. Portanto, além das considerações jurídicas, pode ser difícil encontrar apoio suficiente na Comissão Europeia para enfrentar Donald Trump e seus aliados digitais diretamente no campo antitruste e da regulação.

Seria uma admissão de fraqueza, mas, acima de tudo, um erro colossal. Porque cada segundo perdido nessa luta fortalece o capitalismo de vigilância, dando espaço a influenciadores de todos os tipos e à predação de recursos, especialmente energéticos e metálicos, para alimentar seus servidores e inteligências artificiais tão vorazes.

Esta contribuição é publicada em parceria com o Printemps de l’Économie, ciclo de conferências e debates que ocorrerá de 18 a 21 de março no Conselho Econômico, Social e Ambiental (Cese) em Paris. Confira aqui o programa completo da edição de 2025, intitulada “Ação pública! Nova era, novos desafios”.

Texto traduzido do artigo « Les États européens se sont laissé vassaliser par les géants nord-américains de la Tech », de Julien Pillot, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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