Com a ascensão de Joe Biden à Casa Branca, surge uma nova política externa estadunidense. O novo presidente americano há tempos já condenava as ações da administração de Donald Trump, principalmente a despeito da saída dos Estados Unidos do Acordo Nuclear Iraniano, ou Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), em 2018 e a sua política de “pressão máxima” contra o regime iraniano. Nesse quesito, elevam-se as perspectivas da retomada dos Estados Unidos ao JCPOA e a amenização das tensões diplomáticas com o Irã. Ademais, outras temáticas que afetam a região precisarão ser enfrentadas por Biden e seus aliados.
Nessa óptica, além do Programa Nuclear Iraniano, o qual é visto como ameaça para muitos observadores internacionais, o desenvolvimento de mísseis balísticos e o comportamento do Irã frente ao Oriente Médio com seu projeto de expansão e de financiamento de grupos paramilitares são pontos fundamentais que Biden deverá enfrentar nas futuras negociações. Contudo, a frágil e defeituosa relação diplomática Estados Unidos – Irã, devido a anterior política de Trump, configura grandes barreiras para a administração de Biden.
Apesar de haver um novo presidente no Salão Oval, as sanções econômicas contra o Irã ainda estão sob efeito, e o regime iraniano continua quebrando algumas das limitações do JCPOA, enriquecendo urânio a 20% (vinte por cento) e instalando centrífugas mais modernas. No entanto, ainda que haja grandes tensões entre os dois países, ambos têm a intenção de retornar ao JCPOA. Entretanto, nenhum dos países visa dar o primeiro passo, resultando em um impasse.
No momento, pressões domésticas iranianas lutam em desfavor do JCPOA, tendo em vista que o parlamento aprovou uma lei que permitirá o bloqueio de inspeções surpresas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) nas usinas nucleares iranianas a partir do dia 21 de fevereiro de 2021. Por tal aspecto, o Irã segue no seu Programa Nuclear e na quebra do JCPOA, enquanto Biden decide se dará o primeiro passo ou não.
Ademais, em relação ao desenvolvimento de mísseis balísticos e à atuação iraniana nas Proxy Wars, as potências europeias já afirmaram sua finalidade de criar um acordo que abranja tais temáticas, porém, por sua vez, o governo iraniano já constou ser fora de questão. Outrossim, o fim do bloqueio do Catar e as aberturas diplomáticas de alguns Estados Árabes com Israel sinaliza a conjuntura de uma coalizão na região a fim de conter o expansionismo iraniano.
Desse modo, caso Biden escolha voltar ao JCPOA e, futuramente, construir um novo acordo nuclear, o qual abarque outras questões impreteríveis para a estabilidade da região, grandes desafios diplomáticos se denotarão no percurso das negociações. Assim, são alguns dos pontos importantes a serem analisados pela administração de Joe Biden para a trama iraniana: a fragilizada relação entre os dois Estados ainda sob tensões; as demandas dos seus aliados europeus, árabes e israelenses; e a intransigência do Irã relativo à discussão do seu papel na região e do seu programa de mísseis balísticos.
Biden e o Acordo Nuclear Iraniano (JCPOA)
Para Biden, a política de “pressão máxima” de Donald Trump contra o Irã foi um fracasso total. O recém-eleito presidente americano já ressaltava, durante as campanhas presidenciais, que há uma maneira mais inteligente de se lidar com o Irã, e que o que Trump clama ter sido uma vitória contra o regime, se mostrou, na verdade, como um atraso e um enfraquecimento da posição americana perante seus aliados e no Oriente Médio.
Relembrando os feitos de Trump para conter os iranianos, Biden pontua os prejuízos consequentes de tal política arbitrária e imprudente da última administração. Biden expressa que há uma maneira mais inteligente de ser agressivo com o Irã, a qual diverge da maneira como o presidente anterior escolheu. Ainda, criticou a falta de convergência de Donald Trump com os aliados europeus e árabes para administrar a trama iraniana ao sair do JCPOA de forma irresponsável e unilateralmente, sozinho e sem um plano concreto.
Ademais, o então eleito presidente americano, Joe Biden, afirmou como irá agir com o Irã nos próximos meses, comprometendo-se no princípio fundamental de prevenir o Irã de obter armas nucleares. Do mesmo modo, dispôs também que procuraria oferecer ao governo iraniano a possibilidade de abrir um canal diplomático, de voltar ao caminho da diplomacia, contanto que o Irã retorne estritamente ao Acordo Nuclear (JCPOA).
Em seguida, Biden reiterou seu objetivo em observar outras questões, como o comportamento agressivo iraniano no Oriente Médio. Biden afirmou também que continuaria no combate as atividades desestabilizadoras iranianas em conjunto com os aliados regionais. Do mesmo modo, não deixou de comentar que manteria sanções específicas contra o Irã relativas aos abusos contra direitos humanos, ao apoio a grupos paramilitares e terroristas e o seu programa de mísseis balísticos.
Nesse sentido, Joe Biden abre margem para o retorno americano ao Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA) como ponto de partida para futuras negociações com o Irã, mas coloca como prerrogativa o retorno iraniano às limitações do acordo. Por outro lado, o governo iraniano destaca a necessidade do respeito aos comprometimentos internacionais, conforme foram os Estados Unidos que se retiraram do acordo unilateralmente. Logo, o Irã afirma que voltará as limitações do JCPOA quando os EUA fizerem o mesmo.
Desta forma, apesar de ambas as partes estarem dispostas a voltar ao JCPOA, nenhuma visa tomar a iniciativa e quebrar o impasse. Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã, discorreu no seu discurso televisionado que “Se eles querem que o Irã retorne aos seus compromissos [do JCPOA], a América deverá cessar completamente as sanções, não apenas por palavras ou por papel”. Na mesma linha, Mohammad Javad Zarif, Ministro das Relações Exteriores do Irã, responsável pelas negociações do JCPOA em 2015, defendeu a posição iraniana. Javad Zarif reiterou para os americanos que o tempo para salvar o JCPOA não é ilimitado, alertando que Biden deve agir rapidamente.
Nessa perspectiva, a despeito do clima político em Teerã, Hassan Rouhani, Presidente do Irã, que enfrentará reeleição nas próximas semanas, deverá mostrar-se forte internacionalmente. Posto isto, Javad Zarif repete a importância das eleições iranianas e que Washington deve correr se pretende salvar o JCPOA. Todavia, Biden mantém seu posicionamento. Em uma entrevista para a TV americana, CBS Evening News, no dia 7 de fevereiro, 2021, o âncora, Norah O’Donnell, questionou o presidente se os Estados Unidos iriam cessar as sanções primeiro para ter o Irã nas mesas de negociações, e Biden simplesmente respondeu “Não”.
Portanto, à medida que o tempo passa para salvar o JCPOA, como alerta o Ministro das Relações Exteriores iraniano, Javad Zarif, nem Joe Biden e nem Hassan Rouhani e Ali Khamenei dão sinais de cederem suas retóricas para voltarem ao JCPOA, ainda que ambos almejam uma abertura diplomática. Contudo, a trama não se resume em apenas voltar ao JCPOA, ao passo que outras temáticas importantes para a região e para a comunidade internacional deverão ser deliberadas nos próximos meses, o que complica ainda mais as relações americanas-iranianas.
O dilema: voltar ao JCPOA ou construir um acordo melhor?
Ainda que o tempo seja escasso para os Estados Unidos voltarem ao JCPOA, não há um consenso a despeito de qual política escolher, se deve retornar ao JCPOA e, posteriormente, abrir negociações para outro acordo, o qual abrangerá as atividades regionais iranianas e o seu programa de mísseis balísticos, ou se deve partir direto para discutir tais questões no começo, o que necessitará de um novo processo de negociações. Dessa maneira, Anthony Blinken, Secretário de Estado dos Estados Unidos, mantém as duas opções na mesa.
Por conseguinte, tanto os Estados Unidos quanto a Europa se aproximam da ideia de que é inviável retornar ao acordo original, mesmo que Biden o defenda. A razão por tal postura é que há uma nova realidade no Oriente Médio, os avanços militares iranianos, sua capacidade de influência e de hard Power e soft Power na região constituem grandes ameaças para os Estados Unidos e seus aliados. Todavia, o Irã já deixou claro a impossibilidade de discutir tais temáticas, caso seus vizinhos árabes e israelenses não façam o mesmo. Nesse sentido, dificilmente o governo iraniano concordará com um acordo que vislumbre sobre sua segurança regional e seu poder militar.
Outrossim, nessa sinalização de novas negociações e do possível retorno americano ao JCPOA, países da região já se posicionaram ao serem consultados sobre qualquer acordo com o Irã. O Príncipe Faisal bin Farhan al Saud, Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, na Conferência de Segurança do Diálogo de Manama, retrucou que a Arábia Saudita deve ser consultada, assim como seus aliados regionais do golfo, diante de futuras negociações com o Irã. Nesse vínculo, o ministro saudita reafirma as consequências diplomáticas de desconfiança mútua quando não há a total participação e compreensão de todos os atores interessados sobre um acordo nuclear com o governo iraniano.
Além disso, ressalta a negligência de temas preocupantes para a segurança regional. Por fim, Príncipe Faisal bin Farhan retrucou sobre um acordo melhorado, um JCPOA-mais-mais – “JCPOA-plus-plus”, que configure todas as questões envolventes para os países da região. É desta maneira que muitos países interessados se posicionam em relação às negociações com Irã, a obrigatoriedade de serem consultados, e, também, a retórica da necessidade de um novo JCPOA, o qual regre as atividades regionais iranianas e o seu programa de mísseis balísticos.
Israel, por sua vez, escolheu uma maneira diferente de pressionar Biden, com ameaças de uma ofensiva militar contra o Irã caso os Estados Unidos voltem ao JCPOA ou até entrem em negociações com o governo iraniano. O Chefe do Comando Geral israelense, Aviv Kochavi, avisou a Washington, no dia 02 de fevereiro de 2021, que um retorno ao JCPOA seria um erro e que as forças israelenses devem se preparar para um plano ofensivo, caso seja necessário.
Em concordância, o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já havia demonstrado suas preocupações face a postura moderada de Biden com o Irã, pelo menos em comparação a Donald Trump. Em seu discurso de congratulação a Joe Biden pela sua vitória presidencial em novembro de 2020, Netanyahu ressaltou que “Não deve haver um retorno ao anterior acordo nuclear. Nós devemos nos manter em uma política intransigente para assegurar que o Irã não desenvolva armas nucleares”.
Desse modo, uma vez que Biden se aproxima em criar uma abertura diplomática com o Irã para solver os atritos observados durante a administração de Trump e a interrupção do JCPOA, atores regionais, aliados americanos, se organizam para defender seus interesses na região e na trama iraniana, o que poderá dificultar as negociações americanas com o Irã. Consequentemente, Joe Biden encontrará grandes desafios tanto para conter os ânimos de seus aliados regionais, quanto para trazer o Irã para as mesas de negociações.
Considerações finais
Em virtude das diversas questões que cercam a trama iraniana, não apenas o seu programa nuclear, mas questões que afetam drasticamente a estabilidade e a segurança regional, as futuras negociações com o Irã serão desafiadoras para Biden. Em consonância às pressões de seus aliados externos e regionais e a inflexibilidade iraniana em debater sobre seus projetos na região e seu programa de mísseis balísticos, grandes barreiras se levantam diante de Biden para concretizar uma solução adequada e funcional para todos os atores envolvidos.
Destarte, será muito conturbado o caminho pelo qual Joe Biden terá que trilhar para construir um novo acordo nuclear ou para retornar ao JCPOA e apropriá-lo para a atual realidade do Oriente Médio. Em consonância aos diversos fatores que rodeiam a questão nuclear iraniana, como o impasse diplomático entre americanos e iranianos, as eleições presidenciais internas em março, os temas sobre a segurança regional e os interesses árabes e israelenses, Biden precisará utilizar-se de todas as armas diplomáticas e econômicas para auferir de forma bem sucedida a trama nuclear com o Irã.
Dessa maneira, os próximos meses de 2021 serão fundamentais para ditar o ritmo das negociações, na proporção que ainda é bastante impreciso dispor do futuro do Irã e do JCPOA, ou “JCPOA-mais-mais”. Contudo, é certo que a nova administração terá uma política muito mais conciliadora e multilateralista, fator que estava deficiente nas dinâmicas internacionais nos últimos anos.