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Genocídio, direito internacional e neorrealismo no caso “Hotel Ruanda” Genocídio, direito internacional e neorrealismo no caso “Hotel Ruanda”

Genocídio, Direito Internacional e Neorrealismo no caso “Hotel Ruanda”

Baseado no trágico genocídio ruandês de 1994, Hotel Ruanda (original: Hotel Rwanda. 2004) remonta a árdua empreitada de Paul Rusesabagina (Don Cheadle), gerente do luxuoso Hotel des Milles Collines, em salvaguardar fugitivos das atrocidades promovidas pela milícia Interahamwe. Dirigido por Terry George, o longa converge o horror deflagrado em Kigali com o heroísmo desesperado de um civil frente às violentas investidas de grupos paramilitares buscando legitimar-se no poder.

Dada a pluralidade temática do filme, pautar-se-á a análise pelo crivo do Direito Internacional em contraposição à ótica neorrealista de John Mearsheimer, um embate entre instituições internacionais e a anarquia.

O ano de 1994 marcou a sangue um dos maiores genocídios da História perpetrado por uma maioria hutu munida de facões e armas rudimentares, enquanto líderes paramilitares equipavam-se com armas de fogo e se autoproclamavam lideranças políticas. A mando do General Bizimungu (Fana Mokoena) e transmissões radiofônicas dá-se início a uma limpeza étnica – o longa retrata ataques noturnos, assassinos simplesmente por pertencer a um grupo “inferior”, verdadeiras e pavorosas missões de reconhecimento e extermínio a tutsis.

Hutu casado com uma tutsi, Paul teme pela vida de sua esposa Tatiana (Sophie Okonedo) e filhos após um incidente com mortes a poucas quadras de sua residência em Kigali, epicentro dos confrontos. Homem de boa desenvoltura e lábia, sua empatia e temor acabam conduzindo-o a um posto de líder inesperado – sequências de eventos brutais culminam em um número crescente de refugiados encastelados no Hotel des Milles Collines, fatidicamente delegado a Paul.

Genocídio, Direito Internacional e Neorrealismo no caso “Hotel Ruanda” 1
Keyart for Hotel Rwanda.

Após a tomada das ruas pelos milicianos Interahamwe e escalada das tensões, diversos turistas retornam aos seus países de origem e as poucas tropas de peacekeeping das Nações Unidas – que auxiliaram na retirada de brancos e estrangeiros – são incumbidas de um país inteiro inflamado; mas, por resolução do Conselho de Segurança, parte dos capacetes-azuis também saem em retirada, implodindo a confiança e chances de sobrevivência dos civis, negros em maioria expressiva.

Segundo o teórico John Mearsheimer, em A Realist Reply“Institutions failed to prevent or shut down the recent wars in Bosnia and Transcaucasia, and failed to stop the carnage in Rwanda”. Dentre as teorias que buscam elucidar a tragédia no país africano, o ataque de Mearsheimer às instituições fatidicamente coincide com as palavras do Coronel Oliver (Nick Nolte): “As superpotências, tudo aquilo em que acredita, não vão deter o massacre.”

As instituições internacionais – incluindo a ONU – não são capazes, na perspectiva realista, de moldar o comportamento dos Estados; a crise política em Ruanda configura agravante, onde cargos importantes como Ministro da Defesa e Chefe do Estado-Maior ou estavam ocupados por rebeldes ou genocidas, dificultando o consentimento com quaisquer resoluções a fim de manter a paz.

A dificuldade em balizar conflitos deflagrados por grupos paramilitares é ainda maior pois comumente as fatalidades são minimizadas como oriundas de “guerras tribais”, logo, não há interesse algum das grandes potências. Ainda segundo o autor, em The false promise of International Relations reitera-se que as instituições são moldadas de acordo com os interesses dessas grandes potências. Incidentes em uma das mais pobres nações africanas não constrangem ou põem em crédito a segurança nacional da América ou Europa, portanto, a postura internacional tende a ser inercial.

Confinados dentro do Hotel, Paul dá abrigo a mais de cem homens. As reincidentes tentativas dos milicianos em adentrar a construção são rechaçadas por generosos subornos, mas, aos poucos, as riquezas são minadas e uma calamidade parece cada vez mais inevitável. Com forças reduzidas, os poucos boinas-azuis presentes desdobram-se em esforços táticos a fim de salvaguardar os protegidos no Milles Collines.

Apesar da pífia intervenção das Nações Unidas no conflito, em novembro de 1994 é articulado o Tribunal Penal Internacional de Ruanda a fim de averiguar crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio – ainda que tal termo fosse tão caro aos meios midiáticos – condenando as lideranças hutus e continuando investigações até a primeira década dos anos 2000.

Condenável pelo Direito Internacional, o crime de genocídio está sujeito à julgamento por tribunais especializados, assim como sua caracterização e prevenção está enumerada na Convenção para Prevenção e Repressão do crime de genocídio, em vigor desde 1951. Segundo o Artigo II da citada convenção, constitui crime o assassinato de grupos étnicos, danos físicos e mentais, medidas destinadas a impedir nascimentos.

Pois, como apresentado em diversas cenas dos filmes, as atrocidades cometidas não se limitaram a chacinas, mas estenderam ao estupro, sequestro, esterilização, mortes de crianças e meninas em idade fértil a fim de impedir gerações futuras, como citado pela personagem Pat Archer (Cara Seymour), médica representante da Cruz Vermelha.

Hotel Ruanda não apenas transpõe ao cinema acontecimentos reais, mas descreve profundamente a sensação de insegurança e sofrimento dos envolvidos, seja nos campos de refugiados, nas ruas abarrotas de corpos, ou inclusive dentro do Hotel. Uma verdadeira gema cinematográfica que evoca e expõe o martírio de uma nação africana por meses esquecida e sangrada, cujas chagas repercutem até os presentes dias.

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