A análise comparativa é um método que auxilia na comparação e, portanto, na identificação de semelhanças e diferenças entre dois objetos escolhidos pelo autor, podendo tais objetos serem tópicos, temporalidades, localidades, e até mesmo metodologias (SILVA, 2016). Nesse sentido, para tal comparação foi escolhido metodologias, onde iremos comparar as metodologias feministas: a teoria da interseccionalidade, do feminismo negro e a do feminismo liberal.
Uma das principais características das metodologias feministas é o seu pluralismo quanto a abordagens e métodos, onde se é argumentado que tal pluralismo aumenta a possibilidade de os pesquisadores entenderem melhor seu objeto e situação, proporcionando também uma maior credibilidade a pesquisa realizada. A criação de formas de produzir conteúdo feministas, apesar de nem todas, são muito baseadas nas produções e pesquisa crítica de Marx, que dá ao feminismo e outras vertentes das ciências sociais a subjetividade (CAMPBELL; WASCO, 2000).
É principalmente sobre essas metodologias o caráter reflexivo necessário para o pesquisador durante todo seu processo de pesquisa. As metodologias feministas são ligadas a subjetividade, e possuem uma parcialidade, pois para essas metodologias a parcialidade e a subjetividade criam a mudança social. Onde a objetividade e imparcialidade é algo criado pelo masculino e, portanto, masculinizado, ou seja, não é algo que caiba as metodologias feministas alegar, já que a produção de conhecimento nessa área também é muito ligada ao ativismo político-social, que não é imparcial. A objetividade feminista é sobre uma localização limitada e um conhecimento advindo de uma situação, ou seja, não é sobre se separar do objeto, mas sobre ter a capacidade de responder ou criticar o que enxergamos (HARAWAY,1988).
Não se pode comentar das epistemologias ou metodologias feministas como algo unitário, pois a metodologia criada em cima da visão feminista abarca diversas linhas e construções, tendo diferentes, mas muitas vezes complementares formas de se fazer ciência dentro do campo metodológico das linhas feministas. Nessas formas de se fazer ciência feminista pode ser utilizado vários métodos como de análise de discursos e documentos, reconstrução de realidades, entrevistas, descrição de realidades, entre outros.
Outro método muito utilizado nessas metodologias é a da experiência pessoal, nesse caso específico a experiência de cada mulher. O relato das mulheres, nas metodologias feministas – apesar de criticado por autores positivistas e “objetivos” – é tido como a base para a construção do conhecimento, tendo a visão e experiência individual, se tornando o ponto de partida a para como a explicação para os fatos ou estruturas sociais é criado. Nesse sentido, os fatos históricos podem ser contestados pela análise e explicação desses relatos e experiências de outras pessoas, ou pelo menos, reavaliados outros níveis da sociedade que antes não eram recordados (SCOTT, 1991).
Mas apesar do feminismo ter uma base metodológica em comum, existem diferentes vertentes do feminismo, assim como, de sua metodologia, onde se encontram o feminismo liberal e o feminismo interseccional. Sendo assim, a presente análise tem como proposta o entendimento das diferenças e semelhanças das categorias feministas abordadas e, como um guia inicial para futuras pesquisas dentro das metodologias feministas, assim como, do feminismo liberal e interseccional. O presente trabalho se divide em uma seção sobre o feminismo liberal, abarcando seus principais conceitos, contextualização e forma metodológica, em seguida, abarca o feminismo interseccional no mesmo modelo do anterior, e finalmente chega ao final com uma análise das semelhanças e diferenças entre os dois.
Feminismo liberal
Sendo considerado o feminismo mais antigo, surgiu na França, durante o período da revolução francesa, com a escritora Mary Wollstonecraft em “Reinvindicação dos Direitos das Mulheres”, que depois ganhou força na Inglaterra. O feminismo liberal tem a característica de promover a igualdade entre homens e mulheres por vias institucionais, como o direito ao sufrágio, inseridas do sistema vigente do capitalismo liberal. E atualmente tendo como principais reivindicações o pagamento igualitário pelo mesmo trabalho, direitos reprodutivos e proteção (medidas públicas) para a proteção das mulheres.
O feminismo liberal, enxerga a mulher como a maior responsável pela transformação do seu espaço, uma visão baseada no iluminismo, e de embasamento teórico no pensamento liberal de Locke e Stuart Mill, compartilhando os seguintes conceitos: “ a igualdade de dignidade como visão de que todos os seres humanos são iguais, não importando qual lugar na sociedade ocupam; e também a autonomia pessoal, o poder de escolher qual caminho seguir e o que quer para si” (REIS, 2017).
Dentro dessa linha metodológica, acredita-se que o que se deve procurar é a igualdade entre homens e mulheres, partindo do pressuposto, de que todas as mulheres passam pela mesma vivência e não considerando desigualdades e opressões sociais. Nessa vertente, tenta-se resgatar o uso de linguagem não machista e o empoderamento das mulheres dentro do sistema capitalista (CAMPBELL; WASCO, 2000).
O feminismo liberal parte da visão de que a mulher vive a opressão do sistema machista, por ser considerada “o outro” em relação ao homem como explica Simone de Beauvoir em seu livro “o segundo sexo”, ou seja, se baseia tanto na noção de diferença, como na percepção do sexo biológico junto a noção de gênero – considerado algo socialmente construído, mas que tem base no sexo biológico (BEAUVOIR, 1970).
A metodologia feminista liberal advoga que a criação de uma ciência feminista não precisa de muitas mudanças do padrão de produção de pesquisa, mas que as mudanças necessárias são pontuais para tornar a pesquisa mais inclusiva, removendo vieses machistas. Por não proporem uma mudança no sistema e sim a inserção e igualdade das mulheres nesse sistema, o empiricismo feminista liberal acredita em uma objetividade, utilizando-se de métodos tradicionais de pesquisa, mas com atenção para a inclusão das mulheres (CAMPBELL; WASCO, 2000).
Feminismo interseccional
Derivado do feminismo negro, o feminismo interseccional parte do entendimento das opressões sociais e que uma pessoa, no caso mulher, pode participar de mais de uma minoria social, e portanto, sofrer com mais de uma opressão, partindo dai a intersecção entre essas opressões. Pensado por Kimberlé Crenshaw, a metodologia interseccional inicialmente foi pensada como uma metodologia para combater a violência vivida por mulheres negras, mas que atualmente faz parte de muitas pesquisas, incluindo as temáticas de raça, classe e sexualidade interseccionando com gênero (CRENSHAW, 1989).
A metodologia da interseccionalidade tem como principal fonte o relato de mulheres que se encaixam em mais de uma opressão, e visa entender em qual ponto se dá essa intersecção para que a opressão seja combatida de forma efetiva. Percebendo o fato de que existe mais de uma estrutura de opressão, não apenas o patriarcado e machismo, Crenshaw estrutura essa metodologia de forma a incluir mulheres e suas vivências (ASSIS, 2019).
Uma característica dessa metodologia é o foco na estrutura, onde entende-se por ser a maior forma de opressão, pois são o foco principal na produção de diferenças. Ou seja, nessa vertente a opressão não está vinculada apenas ao opressor e oprimido, mas sim a uma estrutura social que os molda dentro desses modelos baseados na diferença, e que vem sendo perpetuados até hoje. Dito isto, assim como no feminismo negro, a interseccionalidade culpa e combate o sistema, visando a quebra do sistema e emancipação das mulheres que nele vivem (ASSIS, 2019).
Muito utilizada para se pensar políticas públicas efetivas, que acessem as camadas mais necessitadas da sociedade, a interseccionalidade, apesar de ser uma linha e metodologia pensados dentro do “guarda-chuva” do feminismo, é atualmente utilizada para se pensar qualquer análise que se proponha a trabalhar com as categorias que sofrem as opressões sociais da estrutura e a interseção entre elas. Dito isto, a análise interseccional não está presa a inserir gênero como categoria, pode-se trabalhar com outras categorias que afetem a vida de pessoas e que não necessariamente o gênero esteja incluso nesse contexto (COLLINS; BILGE, 2016).
Comparação: semelhanças e diferenças
Para os pensadores mais tradicionais dentro das Relações Internacionais, pode parecer complicado entender as metodologias feministas ou até mesmo desconsiderá-las como metodologias pela falta de rigor metodológico, onde para esses pesquisadores a pesquisa deve ser feita através de passos claros e concretos para se ter a análise de forma objetiva e correta. Dito isto, as metodologias feministas não se propõem a imparcialidade e objetividade, sendo essa característica algo chave para uma metodologia ser considerada feminista.
Entre as metodologias propostas para a comparação percebe-se que a validação do discurso de mulheres são fundamentais pra a criação da pesquisa, além do uso específico da métodos qualitativos para o segmento da pesquisa, a metodologia feminista também se utiliza dos chamados métodos mistos (qualitativos e quantitativos) para a realização de pesquisas e análises.
A diferença mais básica entre as metodologias liberal e da interseccionalidade é o ponto de partida das mesmas, onde para a liberal faz-se o entendimento de uma base universal entre mulheres, tentando falar por todas – que vai ser muito criticado pelos feminismos negro e pós-coloniais, diferentemente da metodologia da interseccionalidade que já não nos considera todas iguais, vendo que cada mulher tem suas particularidades e podem passar por situações diversas de opressão, não apenas como mulher mas em outras categorias.
Apesar de as duas metodologias se utilizarem de métodos variados para análise, elas diferenciam em espaço de atuação, enquanto o feminismo liberal atua dentro do sistema procurando a inserção das mulheres nesse sistema, o feminismo interseccional trabalha contra o sistema e para a emancipação das mulheres dele como forma de combater a opressão. Por virem de diferentes bases de pensamento, a vertente liberal acaba aceitando a objetividade e os padrões de análise tradicionais, enquanto a interseccional entende a subjetividade. Mas, ao final, as duas metodologias agem sob a lógica da parcialidade nas pesquisas, na qual o feminismo prega.
Apesar de ser conhecida como uma metodologia universal dentro do feminismo, o feminismo liberal carece de um entendimento mais profundo da situação da mulher, e por isso, parece mais limitante. Com a interseccionalidade, percebe-se que ela consegue romper a bolha dos estudos feministas e de gênero, e passa a ser usada em outras matérias. Mas a falta de limitação é que determinada estrutura metodológica se torna uma crítica a essa linha.
Considerações Finais
Considerando a análise feita, percebe-se que nem toda metodologia é perfeita ou serve para todas as pesquisas e bases teóricas, algo importante para ser trabalhado dentro da academia é o entendimento que nem todos os contextos e situações conseguiram ser abarcados por uma única metodologia. Abrangência ou rigor metodológico não podem ser termômetros de boas ou más abordagens ou metodologias, deve-se sempre ser levado em consideração que modelo metodológico ou abordagem explica melhor – mais se adequa – a sua pesquisa.
Para isso é necessário, o estudo e criação de diferentes metodologias que expliquem diferentes visões, fortalecendo assim, o campo, não apenas das Relações Internacionais, estudos de gênero e sociais, mas para o campo de estudos acadêmicos como um todo.
Referências
ASSIS, Dayane N. Conceição de. Interseccionalidades. 2019. 32 f. Monografia (Especialização) – Curso de Gênero e Interseccionalidade na Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.
BEAVOUIR, Simone de. O segundo sexo. 4. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. 309 p.
CAMPBELL, Rebecca; WASCO, Sharon M.. Feminist Approaches to Social Science: epistemological and methodological tenets. American Journal Of Community Psychology, Chicago, v. 8, n. 6, p. 773-791, 2000. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/12219596_Feminist_Approaches_to_Social_Science_Epistemological_and_Methodological_Tenets. Acesso em: 21 out. 2021.
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalising the intersection of race and sex: a black feminist critique of anti-discrimination doctrine, feminist theory, and anti-racist politics. University Of Chicago Legal Forum, Chicago, v. 140, n. 8, p. 139-167, 1989. Disponível em: https://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8. Acesso em: 20 out. 2021.
COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2016. 288 p.
HARAWAY, Donna. Situated Knowledge: the science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, S.I., v. 14, n. 3, p. 575-599, out. 1988.
REIS, Fernanda Pimentel Moreira Fernandes. Liberalismo Político e Feminismo Liberal: bifurcação de caminhos ou consonância filosófica?. 2017. 28 f. TCC (Graduação) – Curso de Ciência Política, Universidade Federal de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/18061/1/2017_FernandaPimentelMoreiraFernandesReis.pdf. Acesso em: 25 out. 2021.
SCOTT, Joan W.. The evidence of experience. Critical Inquiry, Chicago, v. 17, n. 4, p. 773-797, jun. 1991.
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. Estudos comparados como método de pesquisa: a escrita de uma história curricular por documentos curriculares. Revista Brasileira de Educação, [S.L.], v. 21, n. 64, p. 209-224, mar. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782016216411. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/5YDbJGbDWRkkTr8bDhvZnBh/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 25 out. 2021.