O Silêncio contra Muamar Kadafi: A revolução da Líbia pelo repórter brasileiro que esteve nos calabouços do regime é um livro escrito por Andrei Netto, um jornalista correspondente da Folha de São Paulo que foi enviado em 2011 para a Líbia, com o objetivo de cobrir o conflito. Andrei Netto foi preso durante sua passagem pela Líbia por militantes kadafistas, o que gerou uma repercussão nacional e internacional. Todos os detalhes da guerra vistos por ele, depoimentos coletados e os momentos em que passou na prisão foram relatados no livro.
O livro se organiza em doze capítulos intitulados de acordo com o momento temporal em que o autor está relatando. Inicia-se com o capítulo “fim” , que traz o desfecho da guerra civil. Inicialmente, o primeiro capítulo pode trazer uma confusão ao leitor do marco temporal, porém, isso não se torna um problema e logo percebe-se que essa organização acrescenta na experiência de leitura. O capítulo aborda, além do presente momento relatado, outras reflexões de toda a guerra civil que ao longo do livro são pormenorizadas e explicadas. Portanto, a organização do livro é extremamente eficaz e auxilia muito na compreensão do conflito, além de trazer uma experiência incrível para o leitor, onde sentimentos como o de expectativa são percebidos.
Mas, a fim de ajudar ainda mais a localização do leitor durante a leitura, o livro conta em suas últimas páginas com a cronologia que destaca os principais pontos desde 1969, em uma Líbia comandada por al-Gaddafi até a morte do ditador, cumprindo com a função também de oferecer um resumo de toda a guerra.
Os outros capítulos seguem intitulados na forma cronológica, sendo eles: renascimento, primavera, revolução, segredo, risco, traição, intervenção, plano, queda e silêncio, respectivamente. E cada um dos capítulos traz realmente um conteúdo interessante e novo para cada momento da guerra, desde antes do seu início até as considerações após a morte de Muammar al-Gaddafi.
O livro faz uma descrição detalhada da guerra civil da Líbia e esclarece todos os pontos tratados, trazendo informações aprofundadas sobre o conflito. Contudo, o caráter descritivo em algumas partes não deixa o livro com uma leitura pesada, pois ele conta com reflexões extremamente interessantes, depoimentos e fatos contados de uma forma narrativa em que promove no leitor uma experiência como a de uma viagem, na qual o leitor caminha com Andrei Netto durante sua viagem para Líbia e sente todas as emoções vividas e descritas pelo autor.
Além disso, conseguimos ver os desafios de um repórter ao tentar levar a informação. Ter acesso à informação é um direito de todos, porém em um contexto de guerra e em um regime militar a liberdade de imprensa não existe, ou muitas vezes é controlada, como foi o caso da Líbia. Então, como Andrei Netto, muitos repórteres se arriscam a fim de levar a informação completa para toda a população, assim como para permitir que os envolvidos na guerra sejam verdadeiramente ouvidos. Dessa forma, no livro conseguimos ver o quanto esse controle de informação acontece e é prejudicial para o entendimento do conflito.
A cada checkpoint das forças de segurança ultrapassados no interior da Líbia, os refugiados eram saqueados. Tinham o dinheiro roubado, e máquinas fotográficas, computadores, telefones celulares apreendidos. Nem os chips dos aparelhos escapavam. Na obsessão de controlar a informação que saia do país, os agentes de Kadafi destruíam os SIM cards, para evitar que vídeos e fotos das manifestações ou da repressão viessem à tona na web (NETTO, 2012, p. 81).
Vale ressaltar que o livro vai muito além da guerra civil da Líbia e do momento presente. Com ele pode-se refletir sobre a formação histórica da Líbia; a cultura do país, como ela foi formada e tudo o que ela representa; a perspectiva da comunidade internacional em relação ao conflito; a perspectiva dos líbios em relação ao ocidente; e, dentre outros fatores, a importância da religião para os líbios, para o conflito e como ela foi utilizada muitas vezes como arma de guerra.
O livro cumpre com o propósito de trazer uma perspectiva da revolução da Líbia de dentro do conflito, onde conseguimos observar quais eram os objetivos dos revolucionários, o que eles pensavam, como agiam, quais eram os planos deles; a visão dos kadafistas, das milícias que apoiavam o governo, dos civis que defendiam al-Gaddafi e de toda a imagem que o ditador representava para alguns; por fim, também se tem uma visão das perspectivas de importantes autoridades que fizeram parte do conflito e foram entrevistadas por Andrei Netto.
Para as Relações Internacionais, é um livro extremamente relevante visto que a guerra na Líbia se tornou um conflito de proporções internacionais em que constantemente os direitos humanos foram violados e as intervenções internacionais foram questionadas, sendo considerada por muitos especialistas intervenções que não visavam a proteção dos Direitos Humanos, mas os interesses dos países que a comandavam, em especial petrolíferos.
Nesse sentido, o livro também contribui com a perspectiva dos Direitos Humanos. Durante a ditadura de Muammar Al-Gadafi e da guerra civil, diversas situações de violações de Direitos Humanos foram percebidas. Então, conforme os fatos vão acontecendo durante a guerra, Andrei Netto cuida para trazer a visão da população que está sendo atingida. Nos fazendo refletir inclusive sobre como algumas pessoas não sentem o peso da violação por, na verdade, nunca terem conseguido se sentir livres.
Eles, líbios, nunca tinham vivido aquela sensação, explicou. Fiquei intrigado e perguntei a que sensação ele se referia. Sua resposta foi reveladora: -De liberdade! – exclamou como se falasse do óbvio. – Você não sente a liberdade até o dia em que pode dizer o que pensa e não ter medo das consequências. É algo que nunca tínhamos experimentado em nossa vida (NETTO, 2012, p. 23 e 24).
Essas reflexões que enriquecem o livro, nos ajudam a relacionar conceitos das Relações Internacionais e dos Direitos Humanos com a prática do que realmente acontece durante a guerra e muitas vezes o que está por trás dela. No caso específico da Líbia, Andrei Netto ressalta muito a questão da liberdade, que era o que estava por trás do objetivo dos rebeldes em derrubar Muammar Kadafi.
Dessa forma, para uma melhor análise do conflito e de outras características que influenciaram na revolução, o livro de Andrei Netto auxilia muito e se torna uma leitura necessária, pois, como já citado, apresenta uma visão de quem viveu a guerra. O livro traz uma multiplicidade de perspectivas, conseguindo trazer a visão de cada grupo atingido pela guerra.
A leitura de O silêncio contra Muamar Kadafi é fortemente recomendada, principalmente para interessados no conflito, na região e em temas como Direitos Humanos e Segurança Internacional. Ressalto ainda que, após o término do livro, a nossa curiosidade é ainda mais aflorada e dificilmente nos contentaremos em acompanhar o conflito até ali. Além disso, outras reflexões para mais das Relações Internacionais pairam sobre nós. Posso afirmar que a leitura de O silêncio contra Muamar Kadafi me trouxe uma experiência única e enriquecedora!
ALERTA DE GATILHO: Vale alertar que o livro contém descrições detalhadas de situações que podem ser sensíveis para algumas pessoas, além de imagens reais com conteúdo delicado.
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