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Orientalismo: O livro revolucionário de Edward Said explicado

Pintura "Le Charmeur des Serpents" por Jean-Léon Gérôme serviu de para a edição original do livro de Said. Via Wikicommons.(Domínio público)

Quer você esteja consciente disso ou não, é provável que tenha uma imagem mental vívida de como o Oriente Médio se parece e soa. Talvez você imagine uma paisagem árida, com o ar distorcido pelo calor e amarelado por redemoinhos de areia. Talvez ouça o dedilhar de um oud ou uma voz melancólica cantando em uma escala harmônica dupla.

Este vídeo viral do TikTok captura exatamente o quão presentes esses estereótipos estão em nossa consciência coletiva e na mídia popular. Nele, os TikTokers satirizam colaborativamente elementos comumente encontrados em filmes de Hollywood sobre o Oriente Médio, como Beirut (2018), Sniper Americano (2014) e Argo (2012).

O vídeo faz uma paródia do “filtro amarelo”, um estilo de correção de cor usado para retratar locais percebidos como empobrecidos ou assolados por conflitos. Também ouvimos uma versão grosseira de “música árabe” e vemos alguém posando como uma “mulher coberta por muitas camadas de tecido encarando a câmera”, ironizando o misticismo inquietante frequentemente atribuído às mulheres do Oriente Médio.

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Capa do livro. Via Wikicommons. (Uso justo)

Esses estereótipos fazem parte do que o intelectual e ativista palestino-americano Edward Said chamou de Orientalismo. Seu livro seminal de 1978, com o mesmo nome, explora as maneiras pelas quais especialistas ocidentais, ou “orientalistas”, passaram a entender e representar o Oriente Médio.

Said analisa um vasto e organizado corpo de conhecimento sobre o Oriente Médio, começando com a invasão do Egito por Napoleão em 1798, para a qual uma legião de estudiosos, escritores e cientistas foi recrutada para coletar o máximo de informações possível sobre o país. Orientalismo revela o verniz supostamente neutro de interesse científico e descoberta associado a tais projetos.

Said demonstra como os escritos e ideologias orientalistas ativamente moldam o mundo que descrevem e perpetuam visões dos povos do Oriente Médio como inferiores, subservientes e necessitados de salvação. Como resultado, esses estereótipos, frequentemente racistas ou romantizados, criam uma visão de mundo que justifica o colonialismo e o imperialismo ocidentais.

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Foto por Justin McIntosh. Via Wikicommons. (CC BY 2.0)

O que é “o Oriente”?

Segundo Edward Said, o Oriente é uma “construção semimítica” imposta a um conjunto de países a leste da Europa. Embora o termo tenha sido usado para descrever países do Leste e do Sul da Ásia, Said concentra-se principalmente em como ele é aplicado ao Sudoeste Asiático e ao Norte da África, ou seja, ao Oriente Médio.

De fato, o Oriente não possui limites geográficos fixos. Orientalistas podem escrever sobre países tão distintos como Líbano, Turquia e Iraque sem fazer grandes distinções. Consequentemente, a imprecisão geográfica do termo “Oriente” contribui para a fusão de uma vasta e diversa gama de paisagens, povos e culturas em uma única unidade homogênea e imutável.

Frequentemente, os orientalistas descrevem partes do Sudoeste Asiático e do Norte da África como se representassem todo o Oriente, unificando uma ampla variedade de atitudes morais, religiões, idiomas, culturas e estruturas políticas em uma só entidade.

Dessa forma, a ideia do Oriente funciona mais como uma antítese abstrata contra a qual o Ocidente se define do que como uma descrição precisa de uma região.

Quem são “os orientais”?

O termo “oriental” costumava ser utilizado para descrever qualquer pessoa ou grupo de pessoas a leste da Europa, geralmente de países árabes e/ou islâmicos. Assim como “o Oriente”, essa expressão reduz uma variedade de povos a um conjunto fixo de traços e temperamentos.

Em seu livro, Edward Said observa uma série de estereótipos prejudiciais e, por vezes, contraditórios sobre os chamados povos orientais, que são descritos como preguiçosos, desconfiados, ingênuos, misteriosos ou desonestos.

Said argumenta que, ao minimizar a rica diversidade dos povos do Sudoeste Asiático e do Norte da África, os orientalistas os transformam em uma “imagem contrastante”, contra a qual o Ocidente parece culturalmente superior.

Os povos do Oriente Médio são frequentemente retratados como fracos, bárbaros e irracionais. Em comparação, os ocidentais são apresentados como fortes, progressistas e racionais. Esse estilo de pensamento, no qual Oriente e Ocidente são colocados em uma dicotomia mutuamente exclusiva, é um dos fundamentos centrais do pensamento orientalista.

O que é um “orientalista”?

Edward Said baseia grande parte de seu estudo sobre o Orientalismo na análise de pesquisas acadêmicas. Em seu livro, ele se concentra principalmente em estudiosos das áreas de filologia e antropologia — aqueles que escreveram sobre as línguas e culturas do Sudoeste Asiático e do Norte da África.

Ele mostra como esses pesquisadores transformaram suas observações altamente seletivas e tendenciosas em descobertas supostamente “científicas”, posicionando-se assim como autoridades objetivas sobre o Sudoeste Asiático e o Norte da África.

No entanto, os orientalistas não estão restritos às torres de marfim da academia. Said também examina o trabalho de autores, poetas, pintores, filósofos e políticos, citando figuras tão diversas como Arthur Balfour, Victor Hugo e Eugène Delacroix.

Mais do que “uma mera coleção de mentiras”

É importante notar que, para Edward Said, o Orientalismo não é apenas um conjunto de mitos. Ele o entendia como um sistema interconectado de instituições, políticas, narrativas e ideias.

Said se referia a essa dinâmica como a interação entre o “Orientalismo latente” (o sistema de ideias e crenças implícitas sobre o Sudoeste Asiático e o Norte da África) e o “Orientalismo manifesto” (as políticas e ideologias explícitas aplicadas por instituições).

O que mantém o Orientalismo vivo e relevante é o tráfego contínuo e ativo entre diferentes áreas. Descobertas acadêmicas influenciam políticas externas e domésticas. Representações na cultura popular moldam a forma como as notícias sobre o Sudoeste Asiático e o Norte da África são enquadradas, e vice-versa. Compreender as conexões entre cultura, conhecimento e poder é fundamental para entender o alcance do Orientalismo.

O que o Orientalismo faz?

O Orientalismo serviu como base ideológica para o domínio colonial francês e britânico. No entanto, as percepções orientalistas não desapareceram com o fim do período colonial. Pelo contrário, elas continuam sendo usadas como justificativa para políticas externas e domésticas contemporâneas.

E é assim, enfatiza Edward Said, que o Orientalismo mantém seu poder: por meio da repetição. Ideias, estereótipos e abordagens orientalistas têm sido renovados e reiterados ao longo dos últimos dois séculos, e ainda os vemos em circulação hoje.

Por exemplo, podemos identificar essa lógica na forma como os Estados Unidos e a União Europeia se concedem a autoridade para impor sanções econômicas que um relatório da ONU de 2022 classificou como “asfixiantes” contra a Síria.

Enquanto o Departamento de Estado dos EUA justificou essas sanções unilaterais como um meio de “privar [o regime de Bashar al-Assad] dos recursos necessários para continuar a violência contra civis”, na prática, as sanções afetaram desproporcionalmente a população civil síria.

Além disso, essas justificativas contêm a premissa central que Said critica em seu livro: a ideia de que os povos do Sudoeste Asiático e do Norte da África precisam ser salvos de si mesmos. O preço dessa suposta salvação é a perda da autonomia e da autodeterminação dessas populações.

Uma nota sobre o contexto

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Foto por Hanini. Via Wikicommons. (Domínio público)

Muitos estudiosos apontam que a experiência de vida de Edward Said lhe proporcionou uma perspectiva única para escrever Orientalismo. O próprio Said reconheceu isso. Em seu prefácio de 2003, ele escreveu: “muito do investimento pessoal neste estudo deriva da minha consciência de ser um ‘oriental’ enquanto criança crescendo em duas colônias britânicas”.

Sua família foi exilada da Palestina sob Mandato Britânico durante a Nakba de 1948, e ele passou a viver no Líbano, no Egito e nos Estados Unidos. Educado em escolas coloniais britânicas e em universidades de elite nos EUA, Said associou a experiência de ser, ao mesmo tempo, um insider e um outsider à disparidade que sentia entre sua própria identidade como árabe palestino e a forma como os árabes são representados pelo Ocidente.

Por que Orientalismo é importante?

O impacto de Orientalismo é monumental. Edward Said é frequentemente creditado como o fundador do campo conhecido como estudos pós-coloniais, e sua obra influenciou significativamente diversas áreas das humanidades, incluindo estudos culturais, antropologia, literatura comparada e ciência política.

Também podemos atribuir a crescente conscientização sobre os estereótipos orientalistas à enorme popularidade do livro. Orientalismo foi traduzido para 36 idiomas (até 2003) e continua sendo um clássico disponível na maioria das livrarias.

Embora a compreensão crítica sobre o Orientalismo esteja aumentando, esses estereótipos continuam altamente presentes na imaginação popular ocidental. Devemos continuar desafiando as formas como o Orientalismo molda nossa percepção dos países e povos do Sudoeste Asiático e do Norte da África.

Texto traduzido do artigo Orientalism: Edward Said’s groundbreaking book explained, de Cyma Hibri, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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