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Por que há marcas muito populares presas entre a geopolítica, os boicotes e a sensibilidade social? Por que há marcas muito populares presas entre a geopolítica, os boicotes e a sensibilidade social?

Por que há marcas muito populares presas entre a geopolítica, os boicotes e a sensibilidade social?

Foto por Dave Hogg. Via Wikicommons. (CC BY 2.0)

Em um mundo cada vez mais polarizado, as marcas já não podem ser apenas empresas, são símbolos, representam valores. E quando o país de origem se torna um ator político conflituoso, as marcas que nasceram nesse país se transformam, queiram ou não, em extensões de sua política externa.

Segundo o recente relatório da Statista “Brand Boycotting Worldwide, os consumidores reagem à falta de propósitos sociais ou a posicionamentos com valores opostos aos seus: impacto ambiental, conflitos geopolíticos ou sociais. Conforme afirma o estudo, mais da metade dos consumidores em muitos países estariam dispostos a deixar de comprar produtos associados a governos cujas decisões desaprovam.

Há marcas que se queimam por se alinharem ao poder. Tesla é um exemplo claro. Já vimos como a conexão pública de Elon Musk com Donald Trump acabou erodindo o propósito que a companhia cultivou durante anos. Mas agora, um novo fenômeno está em curso: há marcas que estão sendo castigadas simplesmente por serem estadunidenses, mesmo sem nenhuma afinidade com as políticas de Trump. E esse castigo, do ponto de vista do branding — criação de marca —, pode ser tão destrutivo quanto o que sofrem as marcas que o apoiam… Ou talvez não!

O que é o propósito de marca

O propósito corporativo ou de marca é a razão de ser de uma empresa além do benefício econômico. Age como um guia estratégico que define o impacto que deseja gerar na sociedade, orienta suas decisões e comunica seus valores. Um propósito sólido precisa ser autêntico, inspirador e emocionalmente relevante, tanto para seus públicos externos quanto internos.

Em um ambiente de alta sensibilidade social, o propósito se torna uma âncora reputacional: permite às companhias reforçar seu vínculo emocional com os consumidores, que se fidelizam com muito mais facilidade a marcas que são leais e consistentes com valores compartilhados.

A empresa maior do mundo, Apple, não prestou excessiva homenagem ao novo governo, até onde sabemos. Ainda assim, se tornou alvo de boicotes. Por quê? Porque é uma marca estadunidense, e isso hoje, em muitos mercados, é suficiente. O preocupante aqui não é apenas a perda de vendas. É o desgaste da marca, algo muito mais difícil de reparar.

Apple investiu décadas construindo uma imagem muito positiva, mas a percepção de que faz parte do engrenagem político de Trump, mesmo não sendo verdade — e talvez o simples fato de ser estadunidense —, quebra essa narrativa. E o faz no terreno mais sensível: o da opinião pública.

Mas Apple não está sozinha. Microsoft, símbolo de tecnologia global e neutralidade, apareceu em listas de boicote simplesmente por seu passaporte corporativo. No entanto, participou de ações judiciais contra a proibição de viagens imposta por Trump em 2017 e manteve uma postura crítica frente a políticas que considera discriminatórias.

Um caso extremo por seu posicionamento muito marcado contra o “MAGA” (siglas do lema Make America Great Again) é o da AirBnB, que ofereceu hospedagem gratuita a refugiados afetados pelas políticas migratórias de Trump e expressou publicamente seu desacordo com tais medidas, além de doar para os direitos de refugiados e migrantes. E algo muito relevante naquele país: lançou uma campanha durante o Super Bowl intitulada We Accept, defendendo seu propósito de marca: “Não importa quem você é, de onde vem, a quem ama ou a quem adora, todos pertencemos ao mundo”.

No outro lado estão as marcas (ou seus líderes) que apoiaram o governo estadunidense atual perante a opinião pública, como Amazon, Meta, Google e Tesla, cujos líderes emprestaram sua imagem e influência a Trump. Coca-Cola e Walmart, identificadas como financiadoras da campanha do presidente, enfrentam boicotes por parte de migrantes latinos nos EUA. Somamos o mencionado caso de Tesla, que até sofre ataques a concessionárias e veículos particulares; Target e McDonald’s, criticadas por eliminar programas de diversidade e inclusão, gerando rejeição entre comunidades latinas e LGTB; Amazon e Starbucks, incluídas em listas de boicote por sua proximidade com políticas de Trump, sendo alvo de campanhas como o Latino Freeze por suas políticas ambíguas sobre a origem de seus funcionários estrangeiros…

“Você é o que parece”, diz o ditado. O branding vive na percepção. As marcas são construídas na mente do consumidor, e esse terreno não obedece à lógica. Quando um consumidor europeu vê Trump impor tarifas a produtos de seu país, pode canalizar sua frustração deixando de comprar um iPhone ou um tênis Nike. Não porque essas empresas tenham feito algo errado, mas porque carregam o selo “Made in USTexto traduzido do artigo ¿Por qué hay marcas muy populares atrapadas entre la geopolítica, los boicots y la sensibilidad social?, de Alberto Herencia publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.A“.

O silêncio cúmplice

Nesse cenário, até o silêncio pode ser visto como cumplicidade. As marcas que preferiram se manter à margem do discurso político agora estão presas. Não ganham o favor de Trump, mas também não a simpatia de quem o rejeita. Ficam em um limbo: não são culpadas, mas também não são inocentes aos olhos do consumidor.

O maior risco para essas companhias não é perder vendas no curto prazo, é que seu prestígio global, sua posição simbólica na cultura, seja comprometido. Uma marca admirada por sua inovação, estilo ou compromisso social agora é arrastada por uma narrativa que não escolheu.

Mas há também um lado positivo: as marcas que resistem ao vendaval podem sair fortalecidas. Se mantiverem seus princípios, sem ceder à pressão política ou trair seus valores sociais, podem se consolidar como símbolos de integridade. E isso, do ponto de vista de marca, é ouro.

Um caso claro é o da Universidade de Harvard. Atacada pela administração Trump, especialmente por manter seus programas de inclusão, diversidade e pensamento crítico, não cedeu um milímetro. Em vez de se calar, defendeu sua visão institucional. O resultado: para milhões de pessoas dentro e fora dos EUA, Harvard hoje representa a resistência inteligente e ética. Seu prestígio cresceu, não apesar do assédio, mas por como o enfrentou. Por algo é mais antiga que seu próprio país. Recentemente, outras universidades se juntaram à posição de Harvard enquanto também processam o estado por essas políticas.

Nesse contexto, empresas como Apple, Microsoft ou Nike também têm uma oportunidade. Não será fácil. Serão pressionadas pelo governo em questão e pelos acionistas. Mas se resistirem sem vender sua alma, quando Trump já não estiver na Casa Branca — e isso, cedo ou tarde, acontecerá — poderão emergir como as marcas que não se dobraram. Como os heróis silenciosos de uma fase que esperamos deixar para trás em breve.

Texto traduzido do artigo ¿Por qué hay marcas muy populares atrapadas entre la geopolítica, los boicots y la sensibilidad social?, de Alberto Herencia publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.

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