O estopim para a crise diplomática entre Colômbia, Equador e Venezuela teve início no dia 1º de março, após um ataque de tropas colombianas no nordeste do Equador, que resultaram na morte de Raúl Reyes (guerrilheiro colombiano, um dos membros do Secretariado, porta-voz e assessor do Bloco do Sul das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – FARC). A relação entre esses três países que dividem fronteiras e similaridade em seus povos originários já estava estremecida há alguns anos, porém, em março de 2008 alcançou níveis que os fizeram romper laços diplomáticos por algum tempo.
Por ter sido considerada como violação territorial sobre o Equador, a operação que matou Reyes foi o start para uma crise diplomática entre Colômbia, Equador e Venezuela. Em resposta ao ataque, os presidentes do Equador (Rafael Correa) e da Venezuela (Hugo Chávez), cortaram as relações diplomáticas com a Colômbia, fechando suas embaixadas e movimentando tropas para suas fronteiras, alegando estarem se precavendo contra novas invasões.
O Caminho para a Crise diplomática
Colômbia e Equador possuem uma longa história em comum. Além de 586 km de fronteira terrestre, onde está localizado os Departamentos colombianos de Narño e Putumayo, e as Províncias equatorianas de Carchi, Esmeraldas e Sucumbios, esses dois países compartilham áreas do Pacífico, da Amazônia e dos Andes. Tratando-se de questões culturais, Colômbia e Equador possuem a descendência em comum de seus ancestrais, vínculos sociais e culturais, ligações familiares na região amazônica – fruto da fixação de comunidades indígenas e migrações vindas de atividades econômicas de extração do caucho, petróleo e coca (LAURET, 2009). O tempo favoreceu o estreitamento desses laços, fortalecendo o intercâmbio econômico, cultural e familiar, que apesar do estranhamento entre os dois governos nos últimos anos, tem sobrevivido ileso.
A respeito das relações da Colômbia com a Venezuela, a fronteira é mais extensa, possui 2.219 km de extensão e é mais povoada, onde apesar das divergências entre os dois países e suas crises diplomáticas, essas fronteiras possuem um forte intercâmbio econômico e cultural. As fronteiras são delimitadas pelos departamentos colombianos de Guajira, Cesar, Norte de Santander e Arauca com os Estados venezuelanos de Zulia, Táchira e Apure, e em outra parte, faz fronteira com os departamentos colombianos de Vichada e Guainía com o Estado venezuelano do Amazonas. A região da Galiza e Zulia é muito usada pelas FARC e o ELN, que fazem confrontos na parte colombiana e se abrigam no lado venezuelano. As FARC também se apropriam da região de Vichada, Guainía e o Amazonas, que devido a ausência dos Estados, é um propícia ao cultivo de coca e se torna uma região estratégica para transportar armas e drogas (BUELVAS y PIÑEROS, 2008).
O enfrentamento colombiano do narcotráfico afeta diretamente a Venezuela. Não apenas pelo conflito propriamente dito, mas nos acordos de segurança e defesa entre esses dois países, que vem enfrentando um longo processo de desgaste, desconfiança e tensões, que fomentam a tomada de decisões unilaterais por países dos dois lados, e leva ao fim de acordos e projetos de cooperação para o enfrentamento dos problemas ligados ao narcotráfico.
Um dos principais motivos para a escolha pela neutralidade por parte da Venezuela era sua percepção de que a Colômbia não consegue administrar suas fronteiras, não consegue conter as forças paramilitares, e os resultados do Plano Colômbia tem sido de instabilidade regional e transfronteiriça. Além disso, para a Venezuela e para outros países, o conflito colombiano gera muitos refugiados não documentados, aumentando a criminalidade, o narcotráfico e a insegurança.
O Rompimento Político-Diplomático entre Colômbia, Equador e Venezuela
Na década de 2000, mais especificamente com os desdobramentos do Plano Colômbia, o território tornou-se o ponto de partida de sequenciais crises políticas e diplomáticas entre Colômbia e Equador. Os chefes de Estado dos dois países passaram a ter discordâncias a respeito das estratégias do embate entre o governo colombiano e o narcotráfico. Percebe-se aqui, no tocante aos temas de segurança e defesa, os laços entre Colômbia e Equador, caracterizados pela amizade e cooperação, sofreram (e ainda sofrem) crises e outros desdobramentos que culminaram no rompimento de relações diplomáticas em 2008.
A tensão entre as duas nações cresceu quando, no dia 1 de março de 2008, o governo colombiano atacou um acampamento das FARC localizado em Angostura, no Equador, sem ter informado previamente o governo equatoriano. Em sua defesa, a Colombia disse ter agido fundamentado nas teses de segurança preventiva, legítima defesa e co-responsabilidade internacional contra o terrorismo, que naquele momento, de acordo com o discurso colombiano, era o mais seguro para a Colombia que estava as margens de sofrer um ataque organizado por terroristas que utilizavam o território equatoriano. O ataque foi tratado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) como uma violação de soberania do Estado equatoriano, e levou o mesmo a romper relações diplomáticas com a Colômbia.
A partir desse ataque, Quito passou a exigir de Bogotá o cumprimento de cinco regras para que a relação possa ser plenamente restaurada: em primeiro lugar, a Colômbia deve abandonar sua campanha de associar o Equador e suas autoridades as FARC; segundo, é necessário ampliação de forma pública interna na fronteira; terceiro, é necessário facilitar a informação requerida a respeito da inclusão de 1 de março; em quarto lugar, a Colômbia deve entregar as informações obtidas nos computadores encontrados em Angustura; e em último lugar, deve ser realizada uma contribuição ao ACNUR, visando assistir milhares de refugiados colombianos em território equatoriano (MRE-ECUADOR, 2008).
As exigências entretanto, não impediram que as relações entre o Equador e a Colômbia fossem restabelecidas em outubro de 2009, a partir da Comissão Binacional de Fronteira (COMBIFRON) para realização de intercâmbio de informações sobre segurança e defesa. O ataque de março de 2008 também fomentou a ampliação de investimentos militares por parte do governo equatoriano, que modernizou seus sistemas de defesa e transformou sua fronteira com a Colômbia no centro de sua política de segurança e defesa. O efetivo militar nas fronteiras do Equador e da Colômbia passou de 500 para 5000 homens.
O Restabelecimento das Relações Colômbia-Equador-Venezuela
Ainda no mês de março, durante a Cúpula do Grupo do Rio a crise entre os três países foi contornada. Durante o encontro, os presidentes da Colômbia, Equador e Venezuela colocaram na mesa suas insatisfações e acusações, e depois selam a paz, na presença de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, que também declarou que seu país estava reatando as relações diplomáticas com a Colômbia a partir daquele momento.
Todo o processo de reaproximação contou com forte participação brasileira, que através do ministro Celso Amorim, dialogou com todos os envolvidos e conseguiu afastar a influência venezuelana que, naquele momento, era a voz das armas e do conflito mais incisivo. A OEA também teve um papel importante, onde seu Conselho Permanente efetuou uma reunião emergencial com o intuito de admitir a violação do território equatoriano, mas sem condenar a Colômbia. Também criou-se uma comissão de investigação que teve seu relatório apresentado em 17 de março do mesmo ano.
A Colômbia tomou diversas decisões consideradas contraditórias para as relações diplomáticas na América do Sul. Em primeiro lugar, o governo colombiano optou por se isolar do seu continente ao invés de buscar apoio e força em seus vizinhos. Outra questão diz respeito a sua preferência pelos Estados Unidos, um aliado externo que lhe forneceu armas, equipamentos, especialistas e treinamento através do Plano Colômbia. O próprio governo brasileiro que trabalhou diretamente no restabelecimento das relações diplomáticas da Colômbia com seus vizinhos achou a decisão absurda, afirmando que a América Sul possuía condições fortes o bastante para resolver seus próprios problemas de segurança.
Em suma, o rompimento das relações diplomáticas entre Colômbia, Equador e Venezuela mostram que essas nações apesar de possuírem muitos pontos em comum em suas origens, podem discordar em projetos políticos, mas principalmente ideológicos. Essas discordâncias geram crises internas e externas que dificultam a manutenção da cooperação entre eles. Ao concentrar suas tomadas de decisão nas figuras de seus presidentes, esses três países muitas vezes acabam minando suas oportunidades de resolução conjunta, de fortalecimento da cooperação regional para resolução de problemas que afetam todo o continente.
Referências Bibliográficas
BUELVAS, Eduardo Pastrana; PIÑEROS, Diego Vera. “¿Irreversibilidad de la degradación de las relaciones político-diplomáticas?” En: BUELVAS, Eduardo Pastrana; WIELAND, Carsten; RESTREPO, Juan Carlos Vargas (editores). Vecindario agitado. Colombia y Venezuela: entre la hermandad y la conflictividad. Bogotá: Editorial Pontificia Universidad Javeriana, pp.221-264, 2008.
CORREAL, Olga Lucía Ilera; VÁSQUEZ, Juan Carlos Ruiz. “Colombia-Venezuela: dos maneras de comprender la seguridad”. En: BUELVAS, Eduardo Pastrana; WIELAND, Carsten; RESTREPO, Juan Carlos Vargas (editores). Vecindario agitado. Colombia y Venezuela: entre la hermandad y la conflictividad. Bogotá: Editorial Pontificia Universidad Javeriana, pp.221-264, 2008.
MINISTERIO DE RELACIONES EXTERIORES. Ecuador reitera su posición pacífica y soberana. Quito: Boletín de Prensa, N. 716, 2008.
LAURET, Sander. La frontera norte ecuatoriana ante la influencia del conflicto colombiano: las sorprendentes dimensiones de la dinámica transfronteriza entre la provincia de Carchi y el departamento de Nariño. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2009.