A Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC 3) será aberta em Nice, França, em 9 de junho de 2025. É a terceira conferência do tipo, após eventos em Nova York em 2017 e Lisboa em 2022. Co-organizada pela França e Costa Rica, a conferência reunirá 150 países e cerca de 30.000 indivíduos para discutir a gestão sustentável dos oceanos do nosso planeta.
Este evento é apresentado como um momento pivotal, mas na verdade faz parte de uma mudança significativa na governança marinha que vem ocorrendo há décadas. Enquanto a governança dos oceanos foi uma vez projetada para proteger os interesses marítimos dos Estados, hoje ela também deve abordar os numerosos desafios climáticos e ambientais que os oceanos enfrentam.
A cobertura da mídia sobre este “momento político”, no entanto, não deve ofuscar a urgente necessidade de reformar o direito internacional aplicável aos oceanos. Sem isso, esta cúpula corre o risco de ser nada mais do que outra plataforma para retórica vazia.
Para entender o que está em jogo, é útil começar com uma breve visão histórica da governança marinha.
O significado da governança dos oceanos
A governança dos oceanos mudou radicalmente nas últimas décadas. O foco mudou dos interesses dos Estados e do correspondente corpo de direito internacional, solidificado nos anos 1980, para uma abordagem multilateral iniciada no final da Guerra Fria, envolvendo uma ampla gama de atores (organizações internacionais, ONGs, empresas, etc.).
Esta governança passou gradualmente de um sistema de obrigações relativas a diferentes áreas marinhas e regimes de soberania associados a elas (mares territoriais, zonas econômicas exclusivas (ZEEs), e alto mar) para um sistema que leva em consideração a “saúde dos oceanos”. O objetivo deste novo sistema é gerenciar os oceanos em linha com os objetivos de desenvolvimento sustentável.
Entender como essa mudança ocorreu pode nos ajudar a compreender o que está em jogo em Nice. Os anos 1990 foram marcados por declarações, cúpulas e outras iniciativas globais. No entanto, como evidenciado abaixo, o sucesso dessas numerosas iniciativas tem sido limitado até agora. Isso explica por que agora estamos vendo um retorno a uma abordagem mais firmemente enraizada no direito internacional, como evidenciado pelas negociações sobre o tratado internacional sobre poluição por plásticos, por exemplo.
A “Constituição dos Mares”
O direito do mar emergiu da Conferência de Haia em 1930. No entanto, a estrutura da governança marinha gradualmente veio a ser definida nos anos 1980, com a adoção da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) em 1982.
A UNOC 3 é um desdobramento direto desta convenção: as discussões sobre a gestão sustentável dos oceanos decorrem das limitações deste texto fundador, frequentemente referido como a “Constituição dos Mares”.
A UNCLOS foi adotada em dezembro de 1982 na Convenção de Montego Bay na Jamaica e entrou em vigor em novembro de 1994, após um longo processo de negociações internacionais que resultou na ratificação do texto por 60 Estados. No início, as discussões focaram nos interesses dos países em desenvolvimento, especialmente aqueles localizados ao longo da costa, em meio a uma crise no multilateralismo. Os Estados Unidos conseguiram exercer sua influência nesta arena sem nunca adotar oficialmente a Convenção. Desde então, a convenção tem sido um pilar da governança marinha.
Ela estabeleceu novas instituições, incluindo a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, encarregada da responsabilidade de regular a exploração de recursos minerais no leito marinho em áreas que estão fora do escopo da jurisdição nacional. A UNCLOS é a fonte de quase toda a jurisprudência internacional sobre o assunto.
Embora a convenção tenha definido áreas marítimas e regulado sua exploração, novos desafios rapidamente emergiram: por um lado, a Convenção foi essencialmente tornada sem sentido pelo atraso de onze anos entre sua adoção e implementação. Por outro lado, o texto também se tornou obsoleto devido a novos desenvolvimentos no uso dos mares, particularmente avanços tecnológicos em pesca e exploração do leito marinho.
O início dos anos 1990 marcou um ponto de virada na ordem jurídica marítima tradicional. A gestão dos mares e oceanos passou a ser vista dentro de uma perspectiva ambiental, um processo impulsionado por grandes conferências e declarações internacionais como a Declaração do Rio (1992), a Declaração do Milênio (2005) e a Cúpula Rio+20 (2012). Estas resultaram na Agenda 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os 17 objetivos da ONU destinados a proteger o planeta (com o ODS 14, “Vida abaixo da água”, abordando diretamente questões relacionadas aos oceanos) e a população mundial até 2030.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED, ou Cúpula da Terra), realizada no Rio de Janeiro, Brasil, em 1992, inaugurou a era do “desenvolvimento sustentável” e, graças a descobertas científicas feitas na década anterior, ajudou a vincular questões ambientais e marítimas.
De 2008 a 2015, as questões ambientais se tornaram mais importantes, como evidenciado pela adoção regular de resoluções ambientais e climáticas.
Uma mudança na linguagem da ONU
Biodiversidade e o uso sustentável dos oceanos (ODS 14) são os dois temas centrais que se tornaram tópicos recorrentes na agenda internacional desde 2015, com questões relacionadas aos oceanos agora incluindo itens como acidificação, poluição por plásticos e o declínio da biodiversidade marinha.
A resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre oceanos e o direito do mar (LOS) é uma ferramenta particularmente útil para reconhecer esta evolução: redigida anualmente desde 1984, a resolução cobriu todos os aspectos do regime marítimo das Nações Unidas enquanto refletia novas questões e preocupações.
Alguns termos ambientais estavam inicialmente ausentes do texto, mas se tornaram mais prevalentes desde os anos 2000.
Esta evolução também se reflete na escolha das palavras.
Enquanto as resoluções LOS de 1984 a 1995 focavam principalmente na implementação do tratado e na exploração econômica dos recursos marinhos, resoluções mais recentes têm usado termos relacionados à sustentabilidade, ecossistemas e questões marítimas.
Rumo a um novo direito dos oceanos?
À medida que a conscientização sobre as questões relacionadas aos oceanos e sua ligação com as mudanças climáticas cresceu, os oceanos gradualmente se tornaram uma fronteira final global em termos de conhecimento.
Os tipos de partes interessadas envolvidas em questões oceânicas também mudaram. A expansão da agenda oceânica foi impulsionada por uma orientação mais “ambientalista”, com comunidades científicas e ONGs ambientais na linha de frente desta batalha. Esta abordagem, que representa uma mudança em relação a um monopólio mantido pelo direito internacional e profissionais jurídicos, é claramente um desenvolvimento positivo.
No entanto, a governança marinha até agora tem se baseado principalmente em medidas declaratórias não vinculantes (como os ODS) e permanece ineficaz. Um ciclo de consolidação legal em direção a um “novo direito dos oceanos” parece, portanto, estar em andamento, e o desafio agora é complementar o direito marítimo internacional com um novo conjunto de medidas. Estas incluem:
- a adoção do Acordo sobre a Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional (conhecido como Acordo BBNJ) visando proteger os recursos marinhos no alto mar;
- a negociação de um tratado sobre poluição marinha por plásticos, ainda em andamento e não finalizado;
- o acordo sobre subsídios à pesca adotado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para preservar estoques de peixes, que até agora não foi totalmente implementado;
- por fim, o Código de Mineração da Autoridade dos Fundos Marinhos, projetado para regular a mineração no leito marinho.
Desses acordos, o BBNJ é sem dúvida o mais ambicioso: desde 2004, negociadores têm trabalhado para preencher as lacunas da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) criando um instrumento sobre biodiversidade marinha em áreas além da jurisdição nacional.
O acordo aborda duas grandes preocupações para os Estados: soberania e a distribuição equitativa de recursos.
Adotado em 2023, este acordo histórico ainda não entrou em vigor. Para que isso aconteça, são necessárias sessenta ratificações e, até o momento, apenas 29 Estados ratificaram o tratado (incluindo a França em fevereiro de 2025, nota do editor).
O processo BBNJ está, portanto, em uma encruzilhada, e a prioridade hoje não é fazer novos compromissos ou perder tempo com declarações complicadas de alto nível, mas abordar questões concretas e urgentes de gestão oceânica, como a frenética busca por minerais críticos lançada no contexto da rivalidade sino-americana, exemplificada pela assinatura de um decreto presidencial por Donald Trump em abril de 2025 permitindo a mineração no leito marinho — uma decisão que viola as regras bem estabelecidas da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos sobre a exploração desses recursos em águas profundas.
Em um momento em que o unilateralismo dos EUA está levando a uma política de fait accompli, a UNOC 3 deve, mais do que tudo e dentro do quadro do multilateralismo, consolidar as obrigações existentes em relação à proteção e sustentabilidade dos oceanos.
Texto traduzido do artigo From sovereignty to sustainability: a brief history of ocean governance, de Kevin Parthenay e Rafael Mesquita, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.
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