Este trabalho visa compreender a inserção da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) na cooperação oceânica no Atlântico Sul. Uma breve revisão destaca a interseção da CT&I e das ciências oceânicas nas Relações Internacionais, enfatizando a crescente importância dos oceanos na agenda global, impulsionada pela Década da Ciência Oceânica da ONU para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). Realizou-se uma pesquisa exploratória nos repositórios públicos dos países do Atlântico Sul para identificar e sistematizar os atos internacionais relacionados à CT&I oceânica. Os resultados revelam a imprecisão dos documentos, apontando políticas com baixo nível de maturidade e envolvimento social, resultando em pouca efetividade. A periodicidade das assinaturas possivelmente reflete os interesses dos governos vigentes. Destaca-se a necessidade de maior envolvimento de novos atores para aprimorar a cooperação e projetos nesta área. A sistematização busca contribuir para a construção de uma base de dados pública, auxiliando na tomada de decisão de diversos atores e promovendo discussões sobre a governança do espaço oceânico do Atlântico Sul.
Sumário
Introdução
O cenário contemporâneo das relações internacionais (RI) é profundamente moldado pelas interseções entre ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Tradicionalmente, as abordagens das relações internacionais se concentravam, até a década de 1970, em questões de segurança, relegando a CT&I a um papel secundário ou complementar (Keohane, 1984). No entanto, a descentralização da agenda das RI após esse período possibilitou o surgimento de novas perspectivas para a compreensão desse fenômeno na cooperação internacional, permitindo analisar a emergência de novos temas como as ciências oceânicas e como esses elementos influenciam e são influenciados pelos atores internacionais (Skolnikoff, 1993).
Apesar dos avanços de estudos sobre a cooperação nas RI, ainda não há uma definição consensual sobre por quais razões os estados cooperam, havendo debate acerca das motivações dentro das correntes teóricas predominantes. Isso reflete-se no entendimento sobre o papel da CT&I, nesse trabalho utilizou-se do entendimento que a CT&I possui especificidades que a distinguem de outras áreas de cooperação. De acordo com Puente (2010), a cooperação em CT&I apresenta particularidades claras, diferenciando-se da cooperação estritamente técnica, caracterizada por assimetrias entre os atores e com função primordial de assistência e transferência de métodos e equipamentos. Ao contrário, a cooperação científica e tecnológica, os atores colaboram de forma mais horizontalizada, com acesso às pesquisas, interesses compartilhados e aproveitamento das complementaridades, como a redução de custos, maximização dos benefícios e agilidade no processo de pesquisa (Kern, 2013). Contudo, tais processos também envolvem dinâmicas competitivas, pois a CT&I é caracterizada por ser um instrumento de poder dentro da ordem internacional.
Essa cooperação ocorre principalmente em níveis intraestatais, com a participação de agentes subnacionais, destacando-se os cientistas, que desempenham um papel central nesse processo (Puente, 2010). Wagner (2006) corrobora com essa abordagem ao elencar cinco fatores que motivam a participação dos cientistas na cooperação internacional: ampliação de sua visibilidade e exploração de capacidades complementares; divisão de custos de projetos de larga escala; acesso e compartilhamento de recursos escassos e caros; compartilhamento de bancos de dados; e troca de ideias para estimular a criatividade. Além disso, a autora destaca que a cooperação científica pode beneficiar especificamente os países do Sul, ao potencializar conhecimentos e recursos necessários para o alcance dos interesses públicos em áreas consideradas estratégicas pelos governos, como energia, saúde e economia, embora não se restrinja apenas a essas áreas.
Embora haja interesses conjuntos de cooperação, enfrentam-se desafios que perpassam os objetivos proposto, como as barreiras financeiras e as disputas dentro do internacional contemporâneo, que dificultam o acesso e o avanço tecnológico dessas nações. Pois ao compreender a CT&I como um eixo de exercício de poder, os estados que detém melhores sistemas inovativos e recursos tecnológicos tentem a não cooperar para não perder seu espaço e posição dentro da competição entre Estados (Wagner, 2006; Mascarello, 2020). No entanto, as relações de poder e influência na CT&I não se limitam a estruturas e atores estatais, englobando outros agentes, como o setor privado, organizações não governamentais, instituições e os cientistas. Diante desse cenário multifacetado, torna-se crucial adotar uma abordagem interdisciplinar para compreender as interseções entre as relações internacionais e CT&I, com a participação ativa de atores subnacionais. Nesse contexto, é adotada uma visão legalista para analisar a cooperação, considerando os atos internacionais como uma representação material da política externa e entendendo-a como uma política pública.
Há diferentes perspectivas sobre a formalização da cooperação. Uma abordagem mais legalista enfatiza a importância de formalizar a cooperação por meio de acordos governamentais assinados, estabelecendo uma estrutura organizacional legalmente garantida por ambas as partes. Esses acordos tradicionalmente incluem orçamentos, prazos, equipamentos e responsabilidades claramente definidas e facilitação a circulação de recursos e pessoas. No entanto, surgem também acordos informais devido à rigidez e às dificuldades de implementação total ou parcial dos acordos formais. Esses acordos informais oferecem maior flexibilidade nas negociações, mas podem carecer de credibilidade e obrigatoriedade, tornando desafiadora a sua eficácia. Além disso, há a possibilidade de instrumentalização de ambos os acordos pelos atores (Dolan, 2012; Lipson, 1991).
A Ciência Oceânica e a CT&I no Atlântico Sul
A relevância histórica dos oceanos nas relações internacionais remonta à Antiguidade, sendo palco de disputas e conflitos ao longo dos séculos. Inicialmente, ciência e conhecimentos tradicionais foram empregados para identificar rotas de navegação, áreas de pesca e locais para portos. Com a expansão da colonização europeia, os mares se tornaram cruciais em relações comerciais, de comunicação e de poder (Kullenberg, 2021). A importância das ciências oceânicas, tanto historicamente quanto no contexto contemporâneo, mobiliza os Estados para protegerem seus interesses marinhos, considerados questões de segurança e econômicas (Barros-Platiau, 2021). Isso levou à criação de organizações de pesquisa e departamentos especializados a fim de mediar os conflitos, assim como às primeiras convenções internacionais sobre o Direito do Mar, realizadas em Genebra em 1958 e 1960, que abordaram questões como plataforma continental, mares territoriais, gestão da pesca e conservação dos recursos biológicos. No entanto, essas convenções negligenciaram aspectos científicos (Jamarche, 2010).
A definição da Ciência Oceânica não está consolidada, mas geralmente é compreendida como o campo do conhecimento que explora as interações entre os seres humanos e o oceano, abrangendo diversas disciplinas como oceanografia, hidrografia, ciências sociais, humanas, da saúde e engenharia. Em 2020, a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (IOC), propôs uma ampliação desse conceito para incluir as infraestruturas que sustentam a ciência oceânica, como sistemas unificados de dados e informações, essenciais para a transferência de tecnologia para regiões com pouca capacidade científica, além dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas sobre o oceano.
A recente emergência dos oceanos na agenda internacional ocorre principalmente devido à designação da Década do Oceano pela Assembleia Geral da Nações Unidas, encarregando a IOC a elaborar o plano de implementação da Década do Oceano em colaboração com os Estados Membros, agências, fundos e programas das Nações Unidas, além de consultar instituições não governamentais e outros atores relevantes. Esses esforços foram direcionados pelas metas estabelecidas na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Dentro do debate sobre a emergência dos oceanos, esta pesquisa se insere ao sistematizar os atos em CT&I Oceânica dos países do Atlântico Sul. Utiliza-se a mesma classificação dos Estados da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), que abrange 24 Estados. Estes países compartilham dinâmicas marítimas e históricas similares, bem como interesses e desafios em comum por estarem banhados pelo mesmo oceano. Explorar esses potenciais e garantir que os benefícios resultantes sejam aproveitados pelos próprios países do Atlântico Sul requer uma capacidade de cooperação e organização aprimorada e complexa, especialmente considerando que esta é uma das regiões oceânicas menos exploradas e pesquisadas (Polejack, 2020). Isso é preocupante devido aos diversos problemas ambientais, como poluição, mudanças climáticas e exploração excessiva dos recursos naturais, afetando diretamente as populações que vivem próximas à costa que nesses países também são as mais vulneráveis socioeconomicamente. Isso demanda soluções, informações e desenvolvimento científico da região e dos Estados que a compõem (Hatje et al., 2021).
O acesso à informação é uma das estratégias para aprimorar a formulação e alcançar os objetivos definidos na cooperação, nesse contexto que esta sistematização se insere. A posse de dados que guiem as negociações internacionais pelos países do Sul é essencial para superar as assimetrias na cooperação Norte-Sul (Zartman, 1985). Nessa perspectiva, a pesquisa exploratória teve como ponto de partida a base de atos internacionais em CT&I Oceânicas envolvendo o Brasil, construída pelo grupo de pesquisa do CNPq Relações Internacionais e Ciência, Tecnologia e Inovação (RICTI), e por Carolina Veras Micheletti (2021). Seguindo a mesma metodologia de sistematização desenvolvida pelo grupo, a pesquisa expandiu-se para mapear os demais atos dos países do Atlântico Sul, localizando bases, bibliotecas e repositórios públicos onde são depositados os atos internacionais assinados por esses Estados (Quadro 1).
Quadro 1 – Bases Públicas acessadas
Países do Atlântico Sul | Base Pública | Fontes |
África do Sul | Registro de Tratados | Departamento de Cooperação e Relações Internacionais |
Argentina | Biblioteca Digital de Tratados | Ministério das Relações Exteriores |
Benin | Biblioteca de Documentos | Secretaria Geral do Governo |
Brasil | Acordos internacionais em ciência, tecnologia e/ou inovação oceânicas envolvendo o Brasil | RICTI e Ministério das Relações Exteriores |
Guiné-Bissau | Pasta de Cooperação Internacional | Ministério dos Negócios Estrangeiros |
Libéria | Pasta de Acordos de Cooperação | Ministério dos Assuntos Estrangeiros |
Nigéria | Pasta de Tratados | Secretaria de Governo da Federação |
Senegal | Pasta de Acordos e Tratados Internacionais | Secretaria de Governo |
Uruguai | Base Pública de informação sobre acordos internacionais | Ministério das Relações Exteriores |
Fonte: Elaborado pelo autor.
Nesses repositórios institucionais, foram realizadas buscas de termos relacionados ao Oceano e mar, incluindo variantes que remetessem às ciências oceânicas como pesca, aquicultura e oceanografia, nas respectivas línguas oficiais dos países. Em seguida, fez-se a leitura minuciosa de todos os documentos selecionados para verificar se, de fato, incluíam temas oceânicos em seu teor. Uma vez selecionados os atos que abarcavam a interface entre a agenda oceânica e a CT&I, realizou-se a sistematização, seguindo os critérios: País ou Organização Internacional signatária; Título do ato internacional; Geometria (bilateral ou multilateral, sendo a última aplicada a atos que envolviam três ou mais países); Região (região à qual pertence o país co-signatário, utilizando-se a classificação de regiões do Banco Mundial); Eixo (Sul-Sul, caso o co-signatário fosse um país em desenvolvimento, e Norte-Sul, caso fosse um país desenvolvido); Ano de celebração do acordo; Instrumento (memorando de entendimento, acordo-quadro etc.); Princípios; Áreas CT&I oceanos (mantendo-se as nomenclaturas conforme constavam nos textos dos atos); Organização signatária (sendo que os atos que não especificaram o órgão signatário classificados, nesse quesito, como organização signatária “não identificada”); Prazo de implementação (indicado ou não); Orçamento (indicado ou não).
No entanto, é importante ressaltar que existem disparidades no acesso à informação entre os próprios países do Atlântico Sul. Alguns países, como África do Sul, Argentina e Brasil, ao possuírem estruturas burocráticas mais complexas, seja do ponto de vista da memória institucional, seja do ponto de vista do apoio à internacionalização de suas economias e pesquisas. Contabilizando-se os atos oceânicos acessados nos repositórios da África do Sul, da Argentina, do Brasil, da Libéria e do Uruguai, foram identificados ao todo 227 atos relacionados a oceanos, 141 extraídos do repositório brasileiro, 58, do argentino, 25, da África do Sul, 2, do Uruguai, e 1, da Libéria. Total de 227 atos oceânicos, foram identificados elementos de CT&I oceânicas em 91 deles: 39 assinados pela Argentina, 29 pelo Brasil, 20 pela África do Sul, 2 pelo Uruguai e 1 pela Libéria.
E das 22 áreas das Ciências Oceânicas identificadas nos atos internacionais, 88,2% estão concentrados em apenas 9 delas, sendo em ordem decrescente: Pesca, Preservação, Aquicultura, Recursos Marinhos Biológicos, Piscicultura, Observação Oceânica, Pesquisa e Exploração dos Recursos do Mar, Oceanografia, Mudança Climática com os três primeiros representando 53% das citações. Essa predominância indica uma forte inclinação em direção a interesses econômicos, com 60,4% das áreas citadas são de relevância a esses interesses predominantemente os de relacionados com a exploração do espaço oceânico. Isso sugere uma distância dos objetivos de sustentabilidade da agenda internacional, também de soluções para as mudanças climáticas e planos para as populações vulneráveis, sobressaindo as dinamicas economicas e de exploração sobre esse espaço.
Referente à vigência dos atos encontrados, 58,24% estão em vigor, 8,79% não estão em vigor, 16,48% deles estão extintos ou expirados e 16,48% do total de atos não foi possível identificar essa informação. Em relação aos órgãos signatários dos atos, identificaram-se oito órgãos distintos, demonstrando que não são confeccionados de forma centralizada pelos Ministérios das Relações Exteriores. Em 40% dos casos, contudo, não foi possível identificar o órgão signatário, dificultando a identificação de qual instituição seria responsável pelos compromissos para fins de accountability. O caráter impreciso dos atos em CT&I oceânicas é ainda mais visível em outros âmbitos: 95,6% deles não preveem prazo de implementação e 96,7% não definem orçamento.
A Figura 1 abaixo demonstra a participação dos atos oceânicos com elementos de CT&I no total de atos oceânicos identificados em cada repositório. Como no caso de Libéria e Uruguai localizaram-se poucos atos, não foram realizadas análises específicas para esses países, e seus atos foram contabilizados apenas nas análises gerais do Atlântico Sul.
Figura 1- Participação da CT&I nos Atos Internacionais Oceânicos do Atlântico Sul
Fonte: Elaborado pelo Autor
Por um lado, conforme já mencionado, a cooperação multilateral na região não avançou nas últimas décadas, apesar da consolidação dos organismos e fóruns internacionais (BARROS-PLATIAU et al., 2015). As evidências coletadas nesta pesquisa demonstram que nas áreas de CT&I Oceânicas pode não ter sido diferente, pois dos atos coletados, 95,5% são bilaterais, encontrando-se escassos atos multilaterais, o que difere das propostas para o desenvolvimento da cooperação na região.
O que se percebe é a predominância da cooperação bilateral, refletindo a busca por interesses particulares dos países em detrimento de uma abordagem mais ampla e colaborativa. Esse enfoque Bilateral evidencia uma tendência que se alinha ao paradigma realista das RI, no qual os Estados priorizam sua própria segurança e vantagem estratégica em vez de uma cooperação multilateral mais inclusiva e equitativa. Essa abordagem, ao enfatizar as relações bilaterais, pode gerar desafios para a construção de consensos e para a resolução efetiva de problemas transnacionais que exigem uma resposta coordenada e coletiva. Além disso, ao privilegiar o interesse nacional sobre este espaço, pode minar a eficácia de instituições e enfraquecer a governança, especialmente em uma região como o Atlântico Sul, que carece exatamente de instituições e eficácia de suas ações conjuntas, que aumenta as tensões e rivalidades entre os Estados da própria região. Exemplificado pelos 100% dos atos argentinos sendo bilaterais, seguidos 93,1% do Uruguai e 88% do Brasil, que representam no todo na região uma geometria de 96,7 % dos atos internacionais em geometria bilateral e 3,3% em multilateral. Por outro lado, a visão sobre o Atlântico Sul como uma área de disputa de influência pelo Norte e baixa governança pelos Estados do Sul é refletida nos eixos dos atos em CT&I oceânicas. Percebe-se que a maioria deles envolve dois países em desenvolvimento, localizando-se no eixo Sul-Sul, o que se repete nos atos da África do Sul, Argentina e Brasil. Porém, a predominância do eixo Sul-Sul esbarra na necessidade de apoio do Atlântico Sul por recursos financeiros, infraestrutura de conhecimentos os quais muitas vezes apenas podem ser acessados por meio da cooperação Norte-Sul, o que dificulta a eficácia da implantação dos atos e de uma maior soberania sobre a região, demostrado na Figura 2 abaixo.
Figura 2 – Eixos dos Atos Internacionais em CT&I Oceânica do Atlântico Sul e por País
Fonte: Elaborado pelo Autor
O gráfico a seguir, apresenta a cronologia dos anos de celebração. Percebe-se que, a partir da década de 1970, os primeiros os atos com CT&I oceânica começam a ser firmados, com que converge com a emergência de novas agendas no cenário internacional, para além da segurança (Keohane, Nye, 1998) Além disso, nota-se o crescente número de atos em CT&I oceânicas no atual século, o que reflete a emergência do tema no cenário internacional, mas também, em certa medida, a emergência de governos de alimento próximo concomitantemente na região, os quais tiveram entre suas prioridades a promoção da cooperação Sul-Sul entre suas pautas em comum tinham objetivo principal de fomentar um maior desenvolvimento e reciprocidade mas que não conseguiu romper comportamentos e interesses para consolidar uma cooperação multilateral na região sem construir instituições ou redes cientificas estabelecidas para que os objetivos em comum fossem planejados alcançados em uma atuação conjunta, sobressaindo comportamento individuais dos Países que os enfraquecem nos conflitos, reduzindo o poder da região nas negociações internacionais e a permanência de assimetrias e dependências.
Gráfico 1 – Anos de Celebração dos Atos Internacionais em CT&I Oceânica do Atlântico Sul e por País
Fonte: Elaborado pelo autor.
Conclusão
A CT&I oferece ferramentas que podem mitigar os efeitos das atividades econômicas nos oceanos, assegurando um futuro sustentável e digno para as comunidades que habitam as áreas costeiras, onde se encontram muitos dos grupos mais vulneráveis dos países em desenvolvimento (Soares, 2020). No entanto, os dados levantados pela sistematização evidenciam que a CT&I caminha para outro eixo como parte dos instrumentos para alcance econômicos entorno de um projeto de desenvolvimento abstrato, guiado entorno da exploração dos recursos da região. A falta de cooperação efetiva e de uma abordagem unificada pode resultar em uma exploração descontrolada e prejudicial dos recursos oceânicos, colocando em risco não apenas a sustentabilidade ambiental, mas também o bem-estar das comunidades costeiras vulneráveis. A cooperação entre os países dessa região ainda carece de projetos e iniciativas conjuntas fundamentadas entornos de uma governança sólida, ao contrário da região ao norte, que demonstra uma governança bem estruturada, abordando de forma abrangente todas as questões relacionadas aos oceanos. Para avaliar a presença da agenda de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) oceânicas nas relações internacionais do Atlântico Sul, foi realizada uma sistematização dos atos internacionais. No entanto, é importante reconhecer as limitações da pesquisa devido à falta de disponibilidade ou identificação de bases públicas e acessíveis de 15 países africanos, o que restringiu o escopo da base de dados.
Observou-se alto grau de informalidade e imprecisão nos atos internacionais de CT&I oceânicas encontrados nos repositórios públicos dos países da região. Surpreendentemente, cerca de 40% desses atos não indicam qual órgão os assinou, e praticamente não foi possível identificar atos que estabelecessem cronograma e orçamento para a implementação. Essa falta de clareza pode indicar políticas públicas ainda incipientes para promover a cooperação regional nessa área e ressalta a possível falta de compreensão dos custos associados à não implementação dos acordos por parte das sociedades e governos envolvidos. Os resultados da pesquisa revelaram um cenário de fragilidade na governança do Atlântico Sul, com predominância de atos de natureza bilateral focalizados em áreas econômicas, recursos minerais e posteriormente de preocupações ambiental que geralmente tratam mais sobre a sustentabilidade da produção ou da extração do que a preservação do meio oceânico.
Da mesma forma, é possível que diversas relações envolvendo cientistas e outros detentores de conhecimento do Atlântico Sul e suas contrapartes do Norte sejam construídas sem a necessidade de assinatura de acordos formais e, portanto, sem a intervenção regulatória do governo, o que pode não interessar aos países que mais se beneficiam da colaboração. Também é fundamental investigar as conexões entre o aumento expressivo de atos assinados a partir do início do Século XXI e os governos que ascenderam ao poder nesse mesmo período. Essas análises mais abrangentes e detalhadas podem fornecer insights valiosos para orientar políticas e práticas futuras relacionadas à cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação no contexto do Atlântico Sul. Pois um dos efeitos negativos decorrentes da falta de informação sobre esse espaço e sua cooperação, dificulta a proposição de políticas eficazes para lidar com os desafios de planejamento e racionalização administrativa, especialmente em áreas estratégicas e complexas como a CT&I (Ayllón, 2010). Nesse contexto, os atores envolvidos necessitam de um vasto conjunto de dados e informações para formular projetos de maneira adequada. As dificuldades mencionadas não apenas impactam diretamente o processo de CT&I, mas também evidenciam que este é resultado de um processo político que envolve arranjos, instituições e interesses.
A análise sistemática realizada neste estudo se alinha, em certa medida, com outras pesquisas sobre acordos internacionais em CT&I (Fikkers; Horvat, 2014; Ruffin, 2017), que ressaltam a participação significativa dos países do Sul como co-signatários. A prevalência de acordos no eixo Sul-Sul sugere que os governos do Atlântico Sul reconhecem a importância de uma distribuição equitativa do conhecimento oceânico, que não está exclusivamente concentrado nos países do Norte. Acreditamos que as plataformas e bases de dados de acordos de CT&I oceânicas podem servir como apoio aos interessados em promover a colaboração nesse campo, permitindo: a identificação de parceiros com os quais foram estabelecidos acordos em áreas prioritárias específicas; e uma melhor articulação com agências governamentais para garantir que as negociações que antecedem os acordos possam contar com uma ampla participação de atores da sociedade civil, como cientistas e profissionais especializados.
Referências
AYLLÓN, Bruno. Evolução histórica da Cooperação Sul-Sul (CSS). In: SOUZA, André de Mello e (org.). Repensando a cooperação internacional para o desenvolvimento. Brasília: Ipea, 2014.
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; BARROS, Jorge Gomes do Cravo. Brazil’s strategic diplomacy for maritime security and safety. Contemporary Politics, [S.L.], p. 1-17, 25 ago. 2021.
BARROS-PLATIAU, Ana Flávia et al. Correndo para o mar no antropoceno: a complexidade da governança dos oceanos e a estratégia brasileira de gestão dos recursos marinhos. Revista de Direito Internacional, [S.L.], v. 12, n. 1, p. 150-168, 1 set. 2015.
DOLAN, Bridget. Science and technology agreements as tools for science diplomacy: A US case study. Science and Diplomacy 1 (4). 2012.
FIKKERS, D. J.; HORVAT, M. (eds.). Basic Principles for effective International Science, Technology and Innovation Agreements. Bruxelas: Comissão Europeia, 2014. GUERREIRO, Moreira, L. G. Prioridades para a cooperação brasileira no Atlântico Sul. Tensões Mundiais, 12(22), 347–358. 2018
HATJE, Vanessa; ANDRADE, Raiza L. B.; OLIVEIRA, Carina Costa de; POLEJACK, Andrei; GXABA, Thandiwe. Pollutants in the South Atlantic Ocean: sources, knowledge gaps and perspectives for the decade of ocean science. Frontiers In Marine Science: [S.L.], v. 8, p. 1-17, 25, Frontiers Media AS, mar 2021.
IOC-UNESCO. Cultura Oceânica para todos – Kit Pedagógico (F. Santoro, S. Santin, G. Scowcroft, G. Fauville, & P. Tuddenham, Eds.). UNESCO, 2020
KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.
KEOHANE, Robert O; JOSEPH, Nye. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little, Brown, 1977.
KERN, Alejandra S. Oportunidades y desafíos de la cooperación científica y tecnológica para los Países de Renta Media. In Miriam Colacrai (ed), La Cooperación Internacional desde la visión de los PRM: discusiones conceptuales, diseños de políticas y prácticas sudamericanos. Rosario: UNR, 2013.
KULLENBERG, Gunnar. Ocean science and international cooperation: historical and personal recollections. Paris: Unesco, 2021.
LIPSON, Charles. Why are some international agreements informal? International Organization, v. 45, n. 04, p. 495-538, 1991.
MASCARELLO, Júlia. A Cooperação Internacional em contextos assimétricos: uma análise da cooperação Brasil-Alemanha em bioeconomia. 2020. 113 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Relações Internacionais, Centro Socioeconômico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.
MOREIRA, Luís Gustavo Guerreiro. Prioridades para a cooperação brasileira no Atlântico Sul. Tensões Mundiais, Fortaleza, v. 12, p. 347-358, 2016.
NOVELLI, Douglas Henrique. A Evolução de um projeto de construção regional: o desenvolvimento das percepções manifestas sobre o atlântico sul nos discursos dos estados por ele banhados (1986-2015). 2018. 161 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Ciência Política, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.
POLEJACK, Andrei e BARROS, Ana. A Ciência Oceânica como ferramenta de Cooperação e Diplomacia no Atlântico, 2020.
PUENTE, Carlos Alfonso Iglesias. A cooperação técnica horizontal brasileira como instrumento da política externa: a evolução da cooperação técnica com países em desenvolvimento -CTPD- no período 1995-2005. Brasília: FUNAG, 2010.
SOARES, Carlos Ventura. O conhecimento científico do Oceano. Relações Internacionais, [S.L.], n. 66, p. 57-78, jun. 2020
SKOLNIKOFF, Eugene. The elusive transformation: Science, technology, and the evolution of international politics. Princeton, New Jersey: Ed. Princeton University Press, 1993.
WAGNER, Caroline S. International collaboration in science and technology: promises and pitfalls. In: L. Box; R. Engelhard (eds). Londres: Athem Press, 2006.
WAGNER, Caroline S. Science and foreign policy. Science and Public Policy, v. 29, n. 6,2002.
ZARTMAN, W. Negotiating from Asymmetry: The North-South Stalemate. Negotiation Journal. Plenum Publishing Corporation. 1985.
Conheça os Cursos de Política Externa da Revista Relações Exteriores aqui.