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Placa com o símbolo de igualdade de gênero Placa com o símbolo de igualdade de gênero

Diversidade ou inclusão?

Foto: Bulat Silvia de Getty Images Pro via Canva Pro

Em tempos de Agenda 2030 e em tempos de empoderamento de grupos historicamente marginalizados, cabe a nós refletir sobre a importância de se debater diversidade e inclusão desses grupos dentro do mercado de trabalho. Muito se fala sobre a inserção de minorias sociais em âmbitos de poder, mas como prover isso sem que hajam mudanças de mentalidade de quem detém, hoje, o poder? Esse ensaio tem como escopo falar sobre igualdade de gênero, mas entendendo que há muito mais para ser falado e muitos outros grupos que precisam ser analisados. A inclusão precisa ser de todos se quisermos alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e precisa ser um compromisso coletivo.

Antes de mais nada é necessário pensar que essa não é uma pesquisa que acaba com esse artigo, em se tratando de direito das mulheres, em especial, é necessário sempre ser vigilante e buscar maneiras de institucionalizar sua presença nos espaços de poder. É necessário pensar sempre no que uma frase atribuída a Simone de Beauvoir — mas de autoria desconhecida — trás, ao dizer que “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”.

Logo, nosso questionamento neste artigo faz referência à inclusão de mulheres em um mercado em ascensão, buscando entender como, muitas vezes, a cultura atrelada à diversidade pode ter contribuído para resultados positivos — ou negativos — das empresas. Nossa hipótese é de que muitos fundos de investimento ou bancos de desenvolvimento condicionam as aplicações financeiras em novas empresas à pauta da diversidade e, portanto, empresas mais diversas receberiam mais incentivos. Além disso, baseando-se no relatório da McKinsey, empresas mais diversas apresentam maiores índices de resultados favoráveis e, portanto, é desejável que a diversidade seja parte da cultura da empresa. No entanto, vale o questionamento, proposto pela Head de Estratégia e Inclusão da Netflix, Verna Myers, se há inclusão ou “apenas” diversidade das mulheres no mercado.

Aqui nos debruçamos sobre a análise acerca das políticas de diversidade e igualdade de gênero traçadas por grandes corporações nos últimos anos, trabalhando com dados de empresas como a McKinsey&Company, que realiza esse levantamento em nível global. O relatório Why Diversity Matters foi e é basal para execução da pesquisa, uma vez que analisou 366 empresas de países como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Chile e Brasil, de diversos segmentos e ramos de atuação.

Paralelo a isso, a pesquisa irá analisar como a insurgência de um movimento crescente de startups contribuiu para fortalecimento de um ecossistema corporativo mais atento para mudanças culturais voltadas para questões de gênero, especialmente em polos de startup, como o San Pedro Valley. Fizemos análise documental de fontes secundárias, no que tange aos relatórios divulgados das empresas e aos dados produzidos por elas para demonstração de resultados a respeito da diversidade de gênero dentro das organizações.

As políticas de cultura traçadas pelas empresas também serão analisadas de ponto de vista qualitativo, de forma a entender em que medida políticas de diversidade dentro das empresas tem sido um fator decisivo para alavancar resultados. Ao fim, buscamos entender se a diversidade nas empresas têm sido um ponto positivo ou negativo quanto à prerrogativa orientada para resultados.

POR QUE A DIVERSIDADE IMPORTA?

Quando olhamos para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), mais especificamente para o ODS 5, que trabalha a temática de igualdade de gênero, temos como um dos objetivos “5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”, logo, a diversidade de gênero também entra como um dos pilares para a construção de um mundo mais justo e próspero. Há um sentimento global favorável à igualdade de gênero. Mas há vontade política e corporativa em favor disso?

De acordo com o artigo publicado pela McKinsey&Company, intitulado de Why Diversity Matters, “empresas no topo da cartilha com relação à diversidade de gênero e racial estão mais propensas a obter retornos financeiros acima da média1” (HUNT; LAYTON; PRINCE, 2015, tradução nossa). Logo, há incentivos financeiros para que haja igualdade de gênero. A figura a seguir ilustra isso.

                                           

Diversidade ou inclusão? 1
    Figura 1: Dividendos da diversidade | Fonte: HUNT; LAYTON; PRINCE, 2015.

É o equivalente ao que foi bem pontuado pela Head de Estratégias de Inclusão da Netflix, Vernā Myers, que diz “diversidade é chamar para a festa e inclusão é chamar para dançar”, estariam as empresas realmente dispostas a “chamá-las para dançar”? (MAYERS apud SHERBIN;RASHID, 2017). Ou seja, se há um sentimento global e ganhos financeiros para a inclusão de mulheres, isso por si só já deveria ser um indicativo interessante para que haja mais mulheres em cargos de liderança ou mesmo dentro das empresas.

Os autores desse relatório da McKinsey analisam a correlação causa-efeito que essa diversidade possibilita, mostrando que, na verdade, a empresa é melhor sucedida quando abraça causas relativas à diversidade, não necessariamente por ser uma empresa diversa. Ou seja, se formos analisar de uma forma orientada para resultados, a pergunta a se fazer não seria “como diversificar?” e sim “por que diversificar?”, e a resposta estaria no propósito em se diversificar os processos e as lideranças dentro da empresa, o qual  estaria orientado para resultados. Portanto, diversificar por si só não basta, é necessária inclusão e senso de pertencimento2, o que está aliado diretamente ao que chamamos hoje de cultura.

De modo a operacionalizar essas metas e indicadores propostos na Agenda 2030, a ONU propôs uma série de medidas que inclui diversos atores sociais: os estados, municípios, organizações da sociedade civil e as empresas, que é o foco em questão. Nesse sentido, a ONU Mulheres possui uma cartilha sobre “Princípios de empoderamento das mulheres” em que as empresas comprometidas com essas causas podem se tornar signatárias do documento e, assim, se comprometerem de maneira institucionalizada com tais princípios e objetivos.

Diversidade ou Inclusão

Se diversidade é chamar para a festa e inclusão é chamar para dançar, o que vai fazer diferença para o resultado em si não será a diversidade, mas sim a diversidade aliada ao pertencimento. O banco Nubank, por exemplo, em se tratando de diversidade étnico-racial, cria uma comunidade dentro da empresa, que “funciona como uma comunidade para compartilhar experiências, dar acolhimento e criar um ambiente de discussão e troca de conhecimentos relacionados à cultura afro”.

Isso é importante porque cria um sentimento de pertencimento e, quando aliado à diversidade, produz resultados astronômicos, como os apresentados pelo Nubank nos últimos anos. Logo, o crescimento e a orientação para resultados positivos tem muita relação com a inclusão dessa diversidade junto à cultura organizacional, trazendo a ideia de que:

Empresas diversas, acreditamos, são mais capazes de descobrir talentos e melhorar sua relação com clientela, satisfação dos funcionários e tomada de decisão (HUNT; LAYTON; PRINCE, 2015, tradução nossa).

Esse estudo da McKinsey, publicado no começo de 2015, coincide com o surgimento de movimentos fomentadores do empreendedorismo no Brasil, em todas as suas formas e variações. O ambiente de startups, que era relativamente novo e pequeno no país, e a maioria dessas “novas empresas”, vêm tendo crescimento significativo dentro e fora do país, nos mais diversos ramos de atuação. Essas empresas, em sua maioria, abraçam a diversidade — de gênero, sexual e  de raça — e fazem disso carro chefe de suas respectivas áreas de atuação (DIAS, 2018).

Focando mais diretamente na igualdade de gênero, tema deste artigo, observamos que as startups brasileiras, hoje, possuem diversidade em sua essência e muitas empresas consolidadas no mercado também levantam essa bandeira. E ainda, recentemente, o grupo financeiro Goldman Sachs, afirmou que só vai auxiliar empresas que desejarem lançar suas ações no mercado se elas possuírem diversidade em seu board member, ou seja, conselho de administração. Alguns fundos e bancos de desenvolvimentos também tem usado da pauta de diversidade para condicionar suas aplicações financeiras, buscando sempre empresas que apresentam maiores índices de igualdade de gênero (GREENFIELD, 2019).

Logo, aqui estamos questionando a inclusão de mulheres em um mercado em ascensão, buscando entender como, muitas vezes, a cultura atrelada à diversidade pode ter contribuído para resultados positivos — ou negativos— das empresas. Nossa hipótese é de que muitos fundos de investimento ou bancos de desenvolvimento condicionam as aplicações financeiras em novas empresas à pauta da diversidade e, portanto, empresas mais diversas receberiam mais incentivos. Além disso, baseando-se no relatório da McKinsey, empresas mais diversas apresentam maiores índices de resultados favoráveis e, portanto, é desejável que a diversidade seja parte da cultura da empresa. No entanto, vale o questionamento, proposto por Mayers, se há inclusão ou “apenas” diversidade das mulheres no mercado.

MUDANÇA DE MENTALIDADE?

Quando pensamos na discussão sobre inclusão, percebemos a necessidade de irmos além da ótica da diversidade. Hoje, estamos inseridos em um contexto mercadológico que valoriza, cada vez mais, a retórica em torno da diversidade. Conseguimos enxergar boa parte de um mercado consumidor que valoriza mais essas pautas e que está, inclusive, mais disposto a consumir de empresas e marcas que as colocam como prioritárias. Inclusive isso corrobora o que foi dito acima com relação à análise feita pela McKinsey, quanto do relacionamento com o consumidor. Ao longo dos últimos anos, foi possível perceber uma preocupação das pessoas em consumirem de empresas mais diversas e inclusivas e também de se verem representadas por determinada marca ou em determinado produto. Em termos mais técnicos, é o que se diz de ver valor na marca. Se há valor, há maior aceitação do público e, consequentemente, maior receita.

A partir disso, é possível perceber um movimento em que as empresas se sentem mais impulsionadas a tratar dessas questões de forma mais intensa ou até apelativa. O impulsionamento de questões como essas teve como vetor inicial o movimento crescente de startups no Brasil. Muitas startups trouxeram consigo uma série de características culturais em comum — para além de seus indicadores comuns ligados à tecnologia, por exemplo.

Algumas ações são parte desse traço cultural, como a abertura dessas empresas ao “no dress code4, horários flexíveis e possibilidade de home office5. Inclusive esses fatores dão à essas empresas o status de descoladas, o que alavanca ainda mais seu nome junto às pessoas mais atentas à essa temática da cultura empresarial. A defesa da diversidade corporativa em muitos desses casos foi parte fundamental da construção dessas empresas. Muitas delas ao crescer e ganhar relevância no mercado, contribuíram para mostrar a outras empresas grandes a importância de pautas como essas.

Ao redor do mundo, conseguimos identificar movimentos de ascensão de grandes polos de inovação, repletos de startups, que favoreceram o crescimento desse debate dentro do âmbito corporativo. O Vale do Silício, talvez um dos polos mais famosos, é um desses casos. Mas o que não faltam são pesquisas tratando propriamente dele e, nesse caso, não é preciso ir tão longe. O San Pedro Valley é um excelente exemplo nesse caso. Trata-se de uma comunidade com mais de 300 startups localizada em Belo Horizonte. O nome surgiu como referência ao Vale do Silício e a proposta em comum de reunir empresas de inovação e tecnologia. Méliuz, Hotmart e Sympla são três empresas do polo, que possuem características e indicadores comuns.

O que todas essas empresas têm em comum? Elas se propõe com um produto tecnológico, que facilita e muito a vida de quem já consumia ou passa a consumir de forma muito mais eficiente seu produto. Além disso, tem como carro forte a cultura empresarial, que valoriza a orientação para resultados, sem propriamente se atentar às restrições de gênero, raça, classe ou sexualidade. Esse crescimento diverso, ao passo que também caminha para se tornar mais inclusivo, gera nessas empresas resultados que fazem delas grandes empresas em seus segmentos. A Méliuz, inclusive, figurando entre as melhores empresas para se trabalhar quando se é mulher, segundo relatório produzido pela Great Place to Work , que avalia indicadores como diversidade, inclusão e cultura organizacional da empresa.

Nesse sentido, é importante pontuar, do ponto de vista prático, a diferença entre aquilo que está sendo chamado de diversidade corporativa e inclusão dentro do ambiente de negócios, à luz do conceito de inclusão mencionado acima. Diversidade, nesses termos, diz respeito a preocupação das empresas em ter mais grupos considerados sub-representados dentro do quadro de funcionários, assim como o marketing formulado por elas em torno dos apelos por diversidade, através de propagandas que colocam isso como eixo central da missão e valores da empresa.

A inclusão, por sua vez, vai além disso. Diz respeito a uma série de medidas de engajamento para tornar o dia a dia da empresa mais acolhedor e aberto para esses grupos considerados como minorias sociais, buscando fortalecer isso como parte de uma cultura integrada na empresa. Além de cobrar e incetivar os demais funcionários a abraçarem a inclusão para que suas ações e comportamentos no ambiente de trabalho estejam realmente em concordância com tais pautas.

Por fim, como posto no começo e apontado pelo próprio relatório da McKinsey, mulheres estão sub-representadas nas grandes corporações globais. Em vários âmbitos, na verdade, e um dos postulados da Agenda 2030 é que “Adotemos e fortalecemos políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis”.

Segundo pesquisa da Fortune 500, das 500 maiores empresas do mundo, “as mulheres representam apenas 7,6% dos cargos de liderança executiva da lista. Ou seja, das 500 empresas, apenas 38 são comandadas por mulheres, enquanto as outras 462 possuem homens nos cargos mais altos do nível hierárquico”.

Devemos pensar políticas públicas e políticas internas da cultura organizacional das empresas para que mulheres consigam ter acesso à mais locais de liderança. No ritmo que estamos, é improvável que alcancemos igualdade de gênero até 2030. No entanto, pensar diversidade e, mais do que isso, pensar em inclusão dessa diversidade dentro das empresas e de diversos espaços de poder, se apresenta como alternativa para diminuir ou mitigar o gap (no sentido de lacuna)de gênero que temos hoje.

Referências Bibliográficas:

DIAS, Otávio. Diversidade e igualdade: a coerência do SXSW. Meio&Mensagem, 2018. Disponível em: <https://sxsw.meioemensagem.com.br/noticias2018/2018/03/09/diversidade-e-igualdade-a-coerencia-do-sxsw/>. Acesso em: 02 fev 2020.

FEMINISMO e Igualdade de Gênero pelo mundo. Ipsos Public Affairs, 2017. Disponível em: <https://www.ipsos.com/sites/default/files/2017-05/GlobalAdvisorFeminism2017.pdf>. Acesso em: 08 fev 2020.

FERREIRA, Lucelena. Mulheres na Liderança: Obstáculos de Gênero e estratégias de superação. Rio de Janeiro: Red Tapioca, 2019. 304p.

GREENFIELD, Rebecca. When Companies Improve Their Diversity, Stock Prices Jump. Bloomberg, 2019. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-09-17/when-companies-improve-their-diversity-stock-prices-get-a-boost>. Acesso em: 02 fev 2020.

HUNT, Vivian; LAYTON, Dennis; PRINCE, Sara. Why Diversity Matters. McKinsey&Company, 2015. Disponível em: <https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/why-diversity-matters> Acesso em: 02 fev 2020.

TAPPE, Anneken. Goldman Sachs’ new rule: At least 1 woman on the board or you can’t go public. CNN Business, 2020. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2020/01/23/investing/goldman-sachs-ipo-diversity/index.html>. Acesso em: 29 jan 2020.

SHERBIN, Laura; RASHID, Ripa. Diversity Doesn’t Stick Without Inclusion. Harvard Business Review, 2017. Disponível em: <https://hbr.org/2017/02/diversity-doesnt-stick-without-inclusion?referral=00563&cm_mmc=email-_-newsletter-_-daily_alert-_-alert_date&utm_source=newsletter_daily_alert&utm_medium=email&utm_campaign=alert_date&spMailingID=16466199&spUserID=MTk2NDkwMjE1NwS2&spJobID=960100237&spReportId=OTYwMTAwMjM3S0>. Acesso em: 05 fev 2020.


1 companies in the top quartile for gender or racial and ethnic diversity are more likely to have financial returns above their national industry medians.

2 Inclusão, neste artigo, é entendida como superação de pré-conceitos e construção de relações apesar das diferenças. Enquanto diversidade é entendida como heterogeneidade e diferenciação a partir de algum fator determinado como padrão na sociedade.

3 More diverse companies, we believe, are better able to win top talent and improve their customer orientation, employee satisfaction, and decision making.

4 Em português, “sem códigos de vestimenta”.

5 Em português, “trabalho em casa” ou ainda “teletrabalho”

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