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Estudos de caso vs. pesquisas de campo

Introdução

Há pesquisas científicas que podem progredir com maior eficácia através do uso colaborativo e interativo de diferentes métodos e técnicas de pesquisa. Dessa forma, para que possa haver um bom proveito da convergência de diferentes abordagens metodológicas, é necessário que o pesquisador estabeleça uma comparação entre elas, com o intuito de aprofundar seus conhecimentos acerca das vantagens e limitações de cada método científico, compreendendo de que maneira um poderá complementar o outro em projeto de pesquisa. (BENNETT, 2004, p. 19).

Esta análise objetiva comparar a aplicação de dois métodos de pesquisa: os estudos de caso e as pesquisas de campo. Primeiramente, cada um será explorado de maneira individual, abordando as características particulares de cada método e suas possíveis aplicações para a realização de estudos científicos, sobretudo no campo das Relações Internacionais. Em seguida, há uma análise comparativa que pondera sobre as semelhanças e diferenças mais marcantes de cada método, bem como cenários nos quais é possível a combinação deles.

Como conseguinte, destaca-se a importância de um método em particular –  os estudos de caso. Há uma vantagem em comparar estudos de caso entre si, pois viabilizam a identificação de novas variáveis e hipóteses. O exame de novas variáveis em casos individuais permite a constatação de quais mecanismos causais estavam em ação naquele cenário específico, bem como a obtenção de explicações sobre a dependência pelo caminho que fora traçado e quais os possíveis efeitos de múltiplas interações em cenários semelhantes, o que, lentamente, poderá abrir espaço para o estabelecimento de generalizações. A habilidade de identificar novas hipóteses é importante e os estudos de caso podem fazer isso através de uma combinação de dedução e indução, motivo pelo qual merecem uma explanação de seu potencial, sobretudo para pesquisadores inexperientes no campo das relações internacionais. (BENNETT, 2004).

Já as pesquisas de campo são aquelas que visam estudar a dinâmica e relação entre os indivíduos de determinada comunidade ou grupo. Elas possuem grande destaque e aderência pelos cientistas políticos, e especificamente no subcampo das Relações Internacionais, ressalta-se a realização de experimentos de campo com o objetivo de coletar dados acerca de potenciais eleitores, a partir de contato com os indivíduos. Um exemplo bem-sucedido disso são as campanhas presidenciais do ex-presidente norte-americano Barack Obama, que inovou ao inserir a tecnologia durante esse processo, como a partir de entrevistas telefônicas e online com cidadãos, o que, até então, era considerada uma técnica experimental e de pouco prestígio. (KAPISZEWSKI et al, 2015, p. 301). Em luz de todas essas informações, mais detalhes são necessários para que seja estabelecida uma devida comparação entre os estudos de caso e pesquisas de campo

Estudos de caso

Segundo Gil (2002), o estudo de caso é uma modalidade de pesquisa que visa estudar um ou mais objetos específicos de maneira extensa e exaustiva, para que obtenha-se o máximo de conhecimentos acerca dos fenômenos abordados. De maneira geral, este método coloca como centro de seu trabalho os questionamentos “como” e “por que”, ao tratar de um evento contemporâneo que pode ser observado no contexto da vida real. Como estratégia de pesquisa, é muito utilizado e aplicado nas ciências políticas e sociais, por exemplo, para a investigação de processos organizacionais, administrativos e econômicos, além de mudanças ocorridas em regiões urbanas e nas relações internacionais. (GIL, 2002).

Além disso, este método de pesquisa também é frequentemente aplicado nas Relações Internacionais, no domínio da Economia Política Internacional – algumas das possibilidades são a análise de casos históricos individuais de grande valor para a evolução econômica societária – como a expansão de impérios, interdependência estatal nas guerras, recessões mundiais, negociações de barganha política internacional, políticas monetárias em blocos econômicos, políticas de globalização e expansão econômica em países em desenvolvimento e pós-comunistas, cooperações ambientais, dentre outros (ODELL, 2004, p. 56 e 57).

Desta forma, o que poderá de fato contar como um estudo de caso fica a critério do pesquisador, que deverá selecionar o conjunto de eventos que lhe despertam mais interesse, como por exemplo, a desvalorização de uma moeda, tendo como variáveis a aplicação de sanções políticas e desdobramentos negativos de uma negociação e troca mercantil intercontinental. (ODELL, 2004).

Ainda conforme preconiza Antônio Carlos Gil (2002), os estudos de caso proporcionam uma visão geral acerca do problema, por meio da identificação de possíveis fatores que influenciam e contribuem para o acontecimento do fenômeno estudado. Desta forma, pode-se afirmar que os estudos de caso têm alguns propósitos-chave: distinguir o fenômeno do contexto no qual ele encontra-se inserido (o que é uma grande dificuldade enfrentada pelos pesquisadores); preservar o caráter unitário do objeto estudado, isto é, delinear com precisão a extensão do objeto de pesquisa, para que não haja fuga do tema ou do objetivo inicial; descrever a situação dentro contexto no qual a investigação está sendo feita; formular hipóteses ou desenvolver teorias; e explicar as variáveis causais de determinado fenômeno.

Gil (2002) destaca também uma crítica realizada frequentemente contra a utilização dos estudos de caso nas pesquisas: o fato de que este método possui menor rigor metodológico, e seus procedimentos podem, de certa forma, serem realizados de maneira mais livre e flexível pelo pesquisador, ao contrário de outros métodos, nos quais deve-se atentar para a observância rígida de padrões previamente estabelecidos, para que os resultados da pesquisa sejam considerados válidos. Por conta disso, a falta de rigor na aplicação metodológica pode comprometer a qualidade dos resultados obtidos nos estudos de caso. Desta forma, os pesquisadores devem sempre ser cuidadosos no que diz respeito ao planejamento e coleta dos dados, separando o útil do irrelevante e decidindo o que deve ser feito com os dados após a coleta, viabilizando a correta análise e interpretação deles.

Ainda segundo o mesmo autor, outro perigo está na generalização, que deve ser evitada a todo custo: tendo em mente que as análises de um único ou de poucos casos irão constituir uma base muito superficial para que possa-se afirmar algo acerca do fenômeno, será necessário de muito mais embasamento teórico antes que as generalizações científicas possam ser feitas. Gil (2002) também critica a demora para a realização dos estudos de caso tradicionais, que podem acabar resultando em documentos ilegíveis. 

Quanto à coleta de dados, Yin (2002) destaca seis fontes essenciais de evidência que proporcionam bons resultados para os estudos de caso: documentação (como cartas, recortes de jornais; registros em arquivos),  registros pessoais ou dados oriundos de levantamentos; entrevistas, que comumente ocorrem de maneira espontânea; observação direta, através de visitas de campo ao local escolhido para o estudo de caso; e a observação participante, na qual deixa-se de assumir um caráter passivo para exercer uma variedade de funções, como participar do fenômeno, no caso dos eventos ocorridos em comunidades urbanas ou então através do trabalho em equipe junto com os membros de uma organização social.

Pesquisas de campo

As pesquisas de campo são frequentemente aplicadas no campo da antropologia, onde tiveram seu início. Atualmente, também são utilizados em outros campos, como a sociologia, administração pública e educação. Segundo Antônio Carlos Gil (2002), as pesquisas de campo também possuem considerável grau de flexibilidade metodológica, não necessitando de padrões rígidos para sua elaboração. A pesquisa de campo trata com profundidade as características de um único grupo ou comunidade em termos de sua estrutura social, ressaltando a interação entre esses indivíduos, tendendo a utilizar muito mais a técnica da observação do que da interrogação:

Tipicamente, o estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo. Esses procedimentos são geralmente conjugados com muitos outros, tais como a análise de documentos, filmagem e fotografias. (GIL, 2002, p. 53)

Desta forma, os pesquisadores que realizam uma pesquisa de campo devem adquirir, eles mesmos, experiência direta com a situação de estudo e estar imersos na cultura e hábitos daquele local, permanecendo o máximo de tempo possível em contato direto com a comunidade. Somente assim poderão entender, de fato, as regras e costumes que regem o grupo estudado. Pode-se então afirmar que o objetivo de uma pesquisa de campo é entender a diferença entre um indivíduo e outro, a partir da análise da interação entre as pessoas de um grupo ou comunidade, extraindo dados diretamente por meio da realidade dos indivíduos. (GIL, 2002). 

Uma grande vantagem da pesquisa de campo é que, por conta da sua característica de exigir contato e participação diretos do pesquisador com o objeto de estudo, tende a gerar resultados mais fidedignos e confiáveis. A coleta de dados torna-se muito mais econômica também. A desvantagem é que, como a coleta é realizada por somente um indivíduo, existe um risco que os resultados sejam marcados de subjetivismo na análise e interpretação dos resultados da pesquisa. (GIL, 2002).

Análise Comparativa: Estudos de caso vs. Pesquisas de campo

Havendo essa elucidação acerca das diferenças básicas entre estudos de caso e de campo, parte-se para a análise comparativa da aplicabilidade destes métodos nas pesquisas realizadas dentro do campo das Relações Internacionais. Primeiramente, com relação às diferenças de um método para o outro, Bennett (2004, p. 20) destaca que um estudo de caso é aquele que gira em torno de um problema, que necessita de extenso exame e investigação, para que possa-se compreender o fenômeno em questão e definir quais as variáveis que colaboraram para aquele resultado. Uma grande desvantagem dos estudos de caso é a incapacidade de excluir apenas uma explicação, pois em casos particulares há uma extensa gama de variáveis causais que são difíceis de serem ponderadas de mais importante para menos importante, tendo em mente que todas contribuíram igualmente para a ocorrência do fenômeno.

Com relação à aplicabilidade nas pesquisas, Bennett (2004, p. 21) explica que os estudos de caso consistem na investigação de um aspecto bem definido de um acontecimento histórico, e não no acontecimento histórico em si. Desta forma, um exemplo seria um estudo da Revolução Soviética (um conflito histórico), tendo como eventos marcantes a retirada dos russos da Primeira Guerra Mundial e o papel das personalidades eslavas na política local. Estes são exemplos de variáveis a serem aprofundadas, e desta forma, o investigador decidirá qual classe de eventos, qual faceta da União Soviética será merecedora de maior foco.

No que tange às pesquisas de campo, não haverá necessariamente uma problemática a ser estudada com profundidade, pois ao invés disso, o propósito da pesquisa será a simples compreensão das interações entre os indivíduos de uma determinada comunidade, através da observação direta do investigador. Um exemplo mencionado por Bennett (2004) é o estudo do cotidiano de comunidades indígenas vivendo em áreas remotas dos continentes americano e asiático, e o pesquisador desenvolverá sua pesquisa por meio do convívio com esses indivíduos. 

Uma grande semelhança entre estudos de caso e pesquisas de campo é a necessidade de contextualizar todos os dados obtidos, para que seja feito o processamento e interpretação dos mesmos. Justamente por isso, todas as pesquisas elaboradas nestes métodos devem estar pautadas no detalhamento dos conhecimentos absorvidos pelo pesquisador. Também ressalta-se que é inteiramente possível a combinação desses dois métodos, sobretudo quando o pesquisador deseja empregar uma abordagem experimental. Um exemplo é a maneira como cientistas políticos utilizam-se de estudo prévio da etnografia dos indivíduos e suas origens socioeconômicas antes da realização de entrevistas e/ou questionários, quando também podem incluir uma observação participativa, ainda que esta ocorra antes ou durante a realização do estudo. A combinação desses métodos ajuda os pesquisadores a conseguir uma maior abrangência de tarefas analíticas, além de ajudar a mitigar os riscos de que os resultados da pesquisa sejam imprecisos ou simplesmente desinteressantes. (KAPISZEWSKI et al, 2015). 

Considerações finais

Apesar de serem métodos de pesquisa semelhantes e com bom nível de flexibilidade metodológica, é possível fazer uma clara distinção entre os estudos de caso e pesquisas de campo. O primeiro foca na complexidade de um problema a partir de sua incidência em um caso concreto, isto é, consiste na investigação de um fenômeno contemporâneo, utilizando-se de uma gama de evidências, dentre as quais ressalta-se a análise de documentos, artefatos físicos e culturais, observação direta e uma série sistemática de entrevistas. Afere-se que os estudos de caso podem tanto utilizar-se de dados subjetivos – aqueles adquiridos a partir da observação direta – como também de dados provenientes de estatísticas. Já as pesquisas de campo estudam a interação entre os indivíduos, membros de uma comunidade, para analisar as diferenças entre essas pessoas, e para tanto, o pesquisador adquire convivência, isto é, contato constante e imediato com aquela comunidade, e a coleta de dados consistirá basicamente na técnica da observação, sem a utilização de dados estatísticos.

Referências Bibliográficas

BENNETT, Andrew. “Case study methods: design, use and comparative advantages”. In: SPRINZ, Detlef; WOLINSKY-NAHMIAS, Yael (eds.): Models, numbers, and cases: methods for studying international relations. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2004.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2002.

KAPISZEWSKI, D., MacLean, L. M., & Read, B. L. (n.d.). Experiments in the field. Field Research in Political Science. Cambridge University Press, 2015. 

ODELL, John S. “Case Study Methods in International Political Economy”. In: SPRINZ, Detlef; WOLINSKY-NAHMIAS, Yael (eds.): Models, numbers, and cases: methods for studying international relations. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2004.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2ª. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004.

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