Há mais de 50 anos era criado na Colômbia o Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN), “a última guerrilha ativa da América Latina”. Sua criação foi inspirada na Revolução Cubana (1953-1959) e se originou a partir de uma insurreição camponesa de 1964. Fundada pelo teólogo e padre Camilo Torres, o ELN mistura marxismo, cristianismo e nacionalismo na sua ideologia, e se intitula como “porta-voz da população rural oprimida”.
Contexto histórico
Para fazer uma análise acerca do surgimento da ELN, é necessário entender o que estava acontecendo na Colômbia. Em 1947, o Estado estava à beira de uma violência partidária. Em Boyacá, um dos 32 departamentos do país, em Caldas e no sul da Colômbia, a polícia chulavita, um tipo de polícia secreta do Partido Conservador causou a morte de um número alarmante de pessoas. Por conta disso, um clima perplexidade parou sobre o país.
Além da questão da violência, o aumento da miséria entre a população contribuiu para a instabilidade política e econômica do país. De acordo com o político e escritor Gerar Molina, as causas da miséria são antigas, mas seu agravamento se deve à instalação no Estado de um regime que concentrava as riquezas em poucas pessoas, o que causava uma enorme frustação social e uma grande miséria.
A instabilidade política estava presente, e ainda mais acentuada quando o político Jorge Eliécer Gaitán, principal nome do Partido Liberal Colombiano e importante político da época, fora excluído da delegação colombiana da IX Conferência Pan-Americana, que ocorreu em Bogotá. Na mesma conferência estava presente o general americano George Marshall, representando o seu país. Marshall tinha como proposta repreender de maneira mais firme as revoltas na América Latina. O que de fato foi o estopim para uma grande revolta no país foi o assassianto de Gaitán, que estava prestes a vencer as eleições contra o presidente do país à época, Mariano Ospina Pérez – membro do Partido Conservador, para governar o país de 1950 á 1954.
No fatídico dia, 9 de abril de 1948, diversas situações estavam acontecendo no país e fora dele. O presidente Ospina Pérez estava com o ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos, George Marshall, também conhecido como caçador de comunistas, em uma conferência nos Estados Unidos da América. Enquanto isso, acontecia na periferia de Bogotá a 9ª Conferência Internacional dos Países Americanos, cujo debate era um plano de união dos países e a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A conferência na Colômbia foi vista como uma oportunidade para os militantes cubanos Fidel Castro e Rafael del Pino, que estavam de passagem pelo país, Eles marcaram uma reunião com o candidato Gaitán para discutir sobre a possível participação dele “como orador do Congresso Latino-Americano de Juventude”. Gaitán não era comunista, mas visava uma se aproximar da esquerda latino-americana e estimular a fraternidade com o liberalismo social no país. Dessa maneira, ele aceitou o convite dos militantes.
O que era para ser uma reunião proveitosa, nem chegou a acontecer. Gaitán passou o dia todo trabalhando em seu escritório, na periferia da capital. Quando saiu para se encontrar com Castro e Del Pino, um jovem armado o surpreendeu, atirando em sua cabeça e em seu peito. Apesar de ter sido levado ao hospital, ele não resistiu à gravidade dos ferimentos e faleceu.
A noticia de sua morte foi recebida com raiva e indignação pela sociedade, que viam Gaitán como um político “atento às necessidades populares e disposto a modernizar a Colômbia”. Dessa maneira, a população colombiana simpatizante do candidato tomou as ruas de Bogotá como uma forma de protesto. A rádio Estação Últimas Notícias, que publicou a notícia, acusou “o Partido Conservador e o governo como responsáveis pela conspiração contra o candidato” e convocou os apoiadores de Gaitán para tomar a capital enquanto a justiça não fosse feita. Este evento, que utilizou a violência contra a polícia e o aparato público, ficou conhecido como El Bogotazo.
Esse episódio foi marcado por ataques a prédios, jornais, entre outras coisas relacionadas ao partido conservador. A violência iniciada no centro de Bogotá foi disseminada para outros pontos da cidade. Os seguidores de Gaitán arquitetaram uma frente armada composta por camponeses, que foram massacrados pela polícia.
A partir de 1949, ainda sob o impacto do assassinato de Gaitán, lavradores e militantes ligados ao Partido Comunista Colombiano (PCC) passaram a organizar guerrilhas no interior do país. Os liberais também partiram para a ação armada contra o governo (Memorial da democracia; 2015/2017).
Após um golpe de Estado em 1963, o general conservador Gustavo Rojas Pinilla ascendeu ao poder, passando a reprimir, junto ao Exército, as guerrilhas e, três anos mais tarde, tornando ilegal o Partido Comunista Colombiano (PCC). Em 1958, os conservadores e os liberais se aproximaram, criando a Frente Nacional, cujo objetivo a priori era organizar um governo que acabasse com a violência política. Contudo, “não foram bem-sucedidos: setores liberais, insatisfeitos com a posição oficial de seu partido, criaram o Movimento Revolucionário Liberal, que se aliou aos comunistas e lançaria candidatos nas eleições de 1960 e 1962 (Memorial da democracia; 2015/2017)”. No ano seguinte, após um aumento da repressão, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Liberação Nacional da Colômbia (ELN) foram criadas.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Liberação Nacional da Colômbia (ELN)
Ambas as organizações lutavam contra o Estado colombiano, mas elas eram diferentes em vários aspectos. As Farc surgiram em uma rebelião de camponeses que se transformaram em uma organização marxista-leninista, cujo objetivo era uma reforma agrária. Já o ELN se inspirou na Revolução Cubana e na Teologia da Libertação, “uma corrente cristã latino-americana voltada para a defesa dos pobres, e tem influência em setores urbanos, principalmente estudantis e sindicais”. Ou seja, as Farc visam a questão agrária, e o ELN busca a participação na sociedade.
O número de combatentes também diverge entre os dois grupos. Enquanto o ELN possui aproximadamente 1.500 membros armados atuando em dez departamentos, o número de membros da Farc é quase cinco vezes maior, com cerca de 5.765 combatentes. Todavia, outra semelhança é que tanto as FARC quanto o ELN são financiados pelo narcotráfico, pelo sequestro e pela extorsão.
A atuação do ELN na Colômbia
Em combate com o Estado desde a década de 60, o Exército de Liberação Nacional da Colômbia encontra-se presente nos dois lados da fronteira com a Venezuela e na região do Pacífico. Antes do acordo de paz firmado entre o governo e as Farc, o ELN era considerado uma ameaça menor para o país. Contudo, após a negociação entre as Farc e o Estado ter sido firmada, em 2016, o ELN e grupos de narcotráfico se mobilizaram para tomar posse das áreas que antes eram ocupadas pelas Farc.
Ao contrário das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as negociações do ELN com o governo não vingaram, e foram paralisadas em 2019 com a ascensão de Iván Duque ao poder como presidente. Duque urgiu para que a organização parasse com as suas atividades terroristas, com os sequestros e que eles liberassem os reféns. Com a paralisação nas negociações, os ataques do grupo se acentuaram. De acordo o diretor de Análise de Risco da Colômbia em Bogotá, “eles estão tentando invadir o vácuo de poder que as FARC deixaram e aumentar sua relevância por meio do narcotráfico e ligações com o cartel de Sinaloa”.