A geopolítica do petróleo e as disputas no Médio Oriente
Qualquer acadêmico de Relações Internacionais e de áreas correlatas, já ouviu falar que a força motriz das guerras é a disputa por recursos naturais, sejam eles renováveis ou não. Nesse sentido, considerando que o objetivo desta breve análise é a abordagem sobre o final da Guerra do Golfo de 1991, é necessária a compreensão do papel do petróleo no Sistema Internacional e, consequentemente, para as relações na região do Oriente Médio. Segundo Salvador & Marques (2003), o petróleo foi de suma relevância ao longo do século XX. De certa forma, é possível afirmar que tal relevância consegue manter-se no século XXI, apesar de algumas inconstâncias.
Fato é que o petróleo possui um “rendimento superior por unidade de volume em relação aos demais combustíveis fósseis; é mais facilmente transportado; e, após seu refino, se transforma em numerosos subprodutos” (SALVADOR E MARQUES, 2003, p. 193). Sendo assim, este recurso é considerado um recurso estratégico, pois envolve uma relação de interdependência entre os países que detêm reservas petrolíferas consideráveis e alta demanda da humanidade por petróleo. Tal relação está historicamente ligada às inúmeras batalhas que ocorrem no Oriente Médio.
Em meio à Primeira Guerra Mundial, “surgiu o primeiro conflito sobre o petróleo do Médio Oriente, […], o interesse britânico consistia em ‘expoliar’ o Império Otomano das reservas de petróleo da região” (SALVADOR & MARQUES, 2003, p. 194). E, desde então, alguns países da região têm sido cenário das disputas apoiadas na ingerência das grandes potências, em busca do controle das reservas deste recurso natural não-renovável. Numa tentativa de integração capaz de colocar fim à interferência de outros Estados e, também, de estabelecer um certo equilíbrio entre os países exportadores de petróleo, foi criada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC, sigla em inglês), em 1960.
A Organização, reunindo “Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela, […], na busca de fortalecimento, organização de exportação e o controle de preços praticados, cada vez mais interdependentes do mercado internacional” (MARINHO, 2010, p. 6). Entretanto, a situação envolvendo os países do Oriente Médio, em especial após os choques do petróleo. A primeira grande crise, em 1973, ficou marcada pelo fato da descoberta de que o petróleo não é um recurso renovável. Já a segunda, de 1979, foi impulsionada pela conjuntura pós-Revolução Iraniana.
Entre 1980 e 1990, Iraque e Kuwait, dois dos países que compõem a chamada Geopolítica do Petróleo, protagonizaram um forte embate e colocaram em xeque a atuação da OPEC. As acusações proferidas por Saddam Hussein em relação à prática de preços na venda do petróleo adotada pelo Kuwait, não foram sanadas através de negociações entre os membros da Organização e culminaram com a invasão iraquiana ao país.
A Guerra do Golfo e suas consequências
Em primeiro de agosto de 1990, o exército iraquiano cruza a fronteira do Kuwait, conquistando completamente, através dos escritos de Bouças (2020), em cerca de quatro dias todo o território, além de iniciar um deslocamento em direção à Arábia Saudita. Tal ação gerou consequências no Sistema Internacional, visto que, ainda nestes quatro dias de conquista, tanto pela parte americana, que, segundo Bouças (2020), iniciou uma operação de observação no Golfo de Oman, deslocando suas esquadras a fim de impedir o deslocamento e o abastecimento iraquiano.
Uma semana depois deste acontecimento, o governo americano chefiado pelo presidente Bush, anuncia, com base na pesquisa de Ebraico (2006) e Ambrose (1993), os princípios iniciais da Operação Tempestade do Deserto. Tal Operação visava proteger os territórios que compreendem o Golfo Pérsico da ameaça de Saddam Hussein, além de coagir o exército iraquiano a se retirar da área kuwaitiana. Com o envio de tropas ao local a fim de alcançar os objetivos anunciados por Bush, inicia-se a denominada a Guerra do Golfo.
A partir disso, ainda seguindo os escritos de Ebraico (2006), a situação permaneceu em um impasse nos meses que se seguiram. Isto é posto devido a decisão de Hussein em não ouvir os apelos por negociação da Organização das Nações Unidas (ONU), além de não ceder perante as ameaças de agressão estadunidense. Isto fez com que o exército iraquiano se mantivesse no território do Kuwait, ainda se deslocando, em uma postura defensiva, à fronteira da Arábia Saudita.
Esta situação estagnada mudou em 29 de Novembro de 1990, com a aprovação da Resolução 678. Tal Resolução, com base nos textos de Ebraico (2006) e Bouças (2020), impõe que em até o dia 15 de Janeiro, todo exército iraquiano seja retirado do Kuwait, caso contrário, “seriam utilizados todos os meios necessários para que se fizesse cumprir as Resoluções da ONU, o que significava dizer a autorização do uso da força contra as tropas iraquianas (Ebraico, 2006 p. 89)”.
Tal ultimato gerou uma mudança nas ações de Hussein que, ainda segundo Ebraico (2006), no dia 12 de Janeiro, decidiu negociar sua saída do território kuwaitiano. Contudo, graças às demandas e a obstinação do líder iraquiano ante a questão, as negociações não tiveram os resultados pretendidos. Isto fez com que o presidente Bush requisitasse com sucesso à ONU o uso da força, gerando com isso a coalizão internacional Operação Tempestade do Deserto.
Iniciada dia 17 de Janeiro, segundo Ebraico (2006) e Bouças (2020), a Operação Tempestade do Deserto atacou, com a ajuda de 34 países – incluindo a própria União Soviética – com violência o território iraquiano, revolucionando o cenário da guerra daquela época. A investida desta coalizão, conseguiu, em poucos dias, destruir o palácio presidencial, o aeroporto, as refinarias de petróleo, os reatores nucleares e 90 as plantas elétricas de Bagdá (EBRAICO, 2006). Ao mesmo tempo, através do uso de “armas inteligentes”, a coalizão disparava mísseis ao exército iraquiano presente no território do Kuwait.
Indicada esta situação, Saddam Hussein decide negociar ao mesmo tempo em que tenta retaliar os danos realizados pela Operação Tempestade do Deserto. Dito isto, ainda segundo Ebraico (2006), o líder iraquiano ofereceu uma proposta de paz em 15 de Fevereiro, se dispondo a retirar seus exércitos do Kuwait. Entretanto, tal proposta foi recusada pelo governo americano, que continuou os implacáveis ataques nas duas frentes abordadas anteriormente.
Posto isto, Hussein decide incluir o líder da União Soviética Mikhail Gorbachev nas negociações, que oferece uma nova proposta de paz para acabar com este conflito. Este projeto, propunha “a retirada completa do Iraque do território do Kuwait em três semanas e a rescisão das 12 Resoluções da ONU contra o Iraque” (Ebraico, 2006 p.90). No entanto, os Estados Unidos novamente não aceitou a proposta e alertou Hussein que, segundo Ambrose (1993), se não houvesse uma retirada completa do Kuwait até dia 23 de Fevereiro, a coalizão iria iniciar os ataques em terra ao exército iraquiano.
No dia 25 de Fevereiro, Saddam Hussein ordena a retirada das tropas iraquianas do Kuwait. Todavia, segundo Ambrose (1993), os Estados Unidos não cessaram suas atividades contra o exército iraquiano, pois, segundo a noção americana, o Iraque não tinha acatado as resoluções da ONU.
Isto fez com que o líder iraquiano mandasse suas tropas incendiar todos os poços de petróleo do Kuwait em resposta ao ato americano. Porém, no dia 27 de Fevereiro, surpreendendo todos os atores do Sistema Internacional, o presidente Bush declara, a partir do texto de Ambrose (1993), que o Iraque foi derrotado e o Kuwait libertado, havendo assim um cessar e a retirada de ambos os exércitos, finalizando, assim, a Guerra do Golfo.
O final deste conflito trouxe, naturalmente, consequências, que ajudaram a marcar a relevância deste evento nos estudos de Relações Internacionais e Segurança. Um dos produtos deste episódio se debruça em entender os interesses dos EUA no processo. Isto é posto ao analisar, com base em Ebraico (2003), as recusas das proposições de paz advindas do Iraque durante a guerra e a noção de que Saddam Hussein se manteve líder do Iraque através de uma decisão americana.
Isto mostra que embora o governo estadunidense tivesse o objetivo de manter o interesse nacional vital na região do Golfo Pérsico, tal propósito não segue, através dos escritos de Natividade (2004), não segue um padrão muito claro, já que os EUA pretendiam, através de suas ações na guerra, destruir Saddam Hussein e conquistar o Iraque, mas, no fim do evento, permitiu que o status quo não se alterasse, não gerando a mudança que este Estado tanto anunciava.
Outra consequência vista ao fim da Guerra do Golfo foi vista na análise das ações da ONU no evento. Isto é posto ao notar, segundo Bouças (2020), a dicotomia na ação da ONU e do Conselho de Segurança na temática do desarmamento e desmilitarização, visto que, o próprio Conselho permitiu o uso de armas neste evento.
Ponto este que trouxe um constrangimento internacional ao Órgão, que fez com que este necessitasse de uma reestruturação de seu discurso, passando realmente a gerar ações continuadas e coletivas em prol da não-agressão, desmilitarização, mediação de disputas, promover a paz e focar no desarmamento (AKASHI 1991, p 15). Através disto, ainda segundo Akashi (1991), é percebido nas ações da ONU a busca desta Organização em prol de uma melhor construção ante a temática.
A atual geopolítica do petróleo e suas novas dinâmicas
Apesar do cenário hodierno ser marcado pela busca ou pelos debates na tentativa de rumar a um futuro em que haja a predominância do uso da energia limpa, o petróleo ainda segue como o recurso energético mais utilizado pela humanidade. Portanto, as maiores reservas petrolíferas existentes permanecem como um grande alvo das disputas de poder regionais e no Sistema Internacional. Neste sentido, a região do Médio Oriente é a que mais padece na competição em busca do combustível fóssil. Entretanto, inegavelmente, as dinâmicas atuais que envolvem os hidrocarbonetos sofreram mudanças.
Algumas das novas dinâmicas são corroboradas por dados apresentados no World Energy Outlook 2018, considerando que o relatório é repleto de informações demonstrando que, a partir da virada para o século XXI, países como os Estados Unidos tornaram-se grandes produtores de petróleo. Além disso, o Brasil passou a figurar neste cenário como um ator relevante, devido à produção petrolífera e à descoberta da camada pré-sal na costa do país. Todavia, a tamanha potencialidade desta descoberta ainda não é explorada.
Outra dinâmica importante envolve os países do Golfo Pérsico, nos últimos anos, em especial, os Emirados Árabes Unidos (EAU) que vêm buscando frear a dependência econômica do combustível fóssil mais utilizado pela humanidade. Em vista disso, os EAU criaram sua própria agência espacial e investe paulatinamente no setor, na pretensão de tornar-se um líder regional e ampliar sua inserção internacional. Porém, mesmo a partir das novas dinâmicas supracitadas, seria ingenuidade projetar um futuro próximo em que não haja uma forte demanda por petróleo e, portanto, sem novas disputas pelos hidrocarbonetos.
Referências
AMBROSE, S. E. Rise to Globalism, American Foreign Policy since 1983. New York: Penguin Books, 1993.
AKASHI, Yasushi. Lessons and Prospects. In: DHANAPALA, Jayantha. The United Nations, Disarmament and Security: evolution and prospects. Nova York: United Nations, 1991. p. 1-161. Disponível em: https://www.unidir.org/sites/default/files/publication/pdfs/the-united-nations-disarmament-and-security-evolution-and-prospects-en-455.pdf. Acesso em: 04 nov. 2021.
BOUÇAS, Rodrigo. GUERRA DO GOLFO: uma análise da influência da estrutura organizacional na composição do comando operacional multinacional dos dias atuais. 2020. 65 f. Dissertação (Doutorado) – Curso de Estado-Maior Para Oficiais Superiores, Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/egn/sites/www.marinha.mil.br.egn/files/CEMOS_110_MONO_CC_CA_BOU%C3%87AS.pdf. Acesso em: 04 dez. 2021.
EBRAICO, Paula Rubea Bretanha Mendonca. AS OPÇÕES DE GEOPOLÍTICA AMERICANA: o caso do golfo pérsico. Rio de Janeiro: Puc/Rio, 2006. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=8064@1. Acesso em: 04 dez. 2021.
MARINHO, H. A. M. P. Estados Unidos: O contexto dos anos 1970 e as crises do petróleo. Revista História em Reflexão, v. 4, n. 7, UFGD, 2010.
NATIVIDADE, Vanusa Baca da. A atuação dos Estados Unidos da América no Conselho de Segurança da ONU: o caso guerra do golfo e suas conseqüências. 2004. 48 f. TCC (Graduação) – Curso de Relações Internacionais, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2004. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/9415/1/20065706.pdf. Acesso em: 07 dez. 2021.
SALVADOR, R.; MARQUES, B. P. Geopolítica do Petróleo: de Estrabão à(s) Guerras do Iraque. Revista de Faculdades de Ciências Sociais e Humanas, n. 16, Lisboa, Ed. Colibri, 2003, p. 191-200.