A Guerra do Pacífico [ou do Salitre] ocorreu entre 1879 e 1883, quando as forças conjuntas da Bolívia e do Peru enfrentaram as do Chile. O surgimento de contendas em relação à elevação de tributos cobrados de empresas chilenas que atuavam no litoral boliviano de Antofagasta levou à escalada de reações militares entre Santiago e La Paz, o que culminou na declaração de guerra da Bolívia ao Chile, em 1° de março de 1879.
Após reveses militares, inclusive com a invasão militar chilena de Lima, capital do Peru, o conflito foi encerrado em 20 de outubro de 1883, por meio da formalização do tratado de Paz e Amizade entre as Repúblicas do Chile e do Peru [ou tratado de Ancón], que estabeleceu a cessão de território peruano a Santiago, e da assinatura de um acordo de trégua, em abril de 1884, entre este e La Paz.
Origens do conflito
Além dos desafios tradicionais inerentes a processos de independência, como conflitos com a metrópole e a formação de instituições governamentais, as ex-colônias espanholas da América do Sul tiveram que enfrentar o processo de demarcação de limites entre si, visto que as divisões entre as regiões administrativas espanholas [Vice-Reino do Prata, de Nova Granada do Peru e da Capitania Geral do Chile] eram imprecisas e pouco relevantes formalmente.
No deserto do Atacama, não havia aspectos geográficos evidentes que facilitassem a delimitação de limites, o que resultou em demandas de Santiago, La Paz e Buenos Aires sobre o controle dessa região. Em 1866, Bolívia e Chile firmaram um tratado que fixou o paralelo 24ºS como limite entre ambos os países. Além disso, os impostos arrecadados sobre a exploração de recursos naturais entre os paralelos 23ºS e 24ºS seriam divididos em proporções iguais entre os países. Em 1874, Sucre e Santiago ratificaram um novo tratado, que cedeu a totalidade de impostos arredados a La Paz, mas empresas chilenas que atuassem na região pagariam tarifas fixas durante 25 anos.
O aumento da presença de empresas chilenas constituídas de capitais estrangeiros, notadamente britânicos, inquietou o governo boliviano. Antes da consecução do tratado de 1874, autoridades bolivianas e peruanas firmaram, em 1873, uma aliança secreta defensiva contra o Chile, uma vez que temiam um arroubo expansionista de Santiago.
Em 1878, Hilarión Daza, presidente da Bolívia, declarou que havia irregularidades contratuais em relação à empresa anglo-chilena Antofagasta Nitrate & Railway Company. Desse modo, essa companhia não estaria amparada pela cláusula de taxas fixas previstas no tratado de 1874, o que resultaria não somente no aumento da tributação futura sobre a produção, mas, também, no pagamento de montantes maiores retroativos a 1874. Aníbal Pinto, presidente do Chile, protestou oficialmente, ao passo que a Antofagasta Nitrate & Railway Company recusou-se a pagar mais tributos.
Após o governo de La Paz ameaçar o confisco de propriedades dessa empresa, o governo chileno enviou um navio de guerra para Antofagasta, o que não evitou o sequestro de bens da empresa e o anúncio de leilão, pelo governo boliviano, para 14 fevereiro de 1879. Para o governo de Santiago, essa iniciativa anulava o tratado de limites de 1866. Nesse dia, tropas chilenas desembarcaram em Antofagasta e tomaram a cidade portuária, que era constituída majoritariamente de chilenos.
Declaração de guerra
Em 1 de março de 1879, o governo boliviano declarou guerra ao Chile. A governança peruana tentou mediar a contenda entre La Paz e Santiago, mas não obteve êxito. Já o governo chileno requereu neutralidade por parte da administração peruana, mas a aliança entre Lima e La Paz inviabilizava essa demanda. Consequentemente, Santiago rompeu relações diplomáticas com Bolívia e Peru e declarou guerra a ambos os países em 5 de abril de 1879.
Honrando o compromisso estabelecido pela aliança secreta de 1873, o Peru decidiu participar da guerra ao lado da Bolívia. As autoridades desses dois países tentaram atrair a Argentina para o conflito, visto que o país também mantinha disputas fronteiriças com o Chile, mas Buenos Aires optou por meios de solução pacífica dessa divergência.
Os combates navais
Além de pouco habitada, a região do deserto de Atacama dispunha de escassa infraestrutura logística. Destarte, o oceano Pacífico seria o teatro de guerra mais recomendável aos combates. Sob o comando do contra-almirante Juan Williams, a marinha chilena bloqueou o porto de Iquique, ao passo que o de Huanillos, Mollendo, Pica e Pisagua foram bombardeados. O principal objetivo desses ataques era isolar econômico e militarmente os inimigos, o que os forçaria à rendição.
Sob a liderança do capitão Miguel Grau, a marinha peruana buscou direcionar os navios chilenos para o sul, a fim de facilitar a chegada de reforços e de suprimentos oriundos do norte do Peru. Em abril de 1879, ocorreu a batalha naval de Chipana, em alto-mar, sem que houvesse resultados determinantes. Em maio de 1879, a marinha peruana rompeu o bloqueio de Iquique e impôs uma derrota aos chilenos, embora somente um navio peruano, o Huáscar, tenha restado intacto.
Ao longo de seis meses, o Huáscar executou diversos ataques à marinha chilena. No entanto, na batalha de Angamos, em outubro de 1879, o navio foi encurralado e destruído, o que determinou o controle do Chile em relação ao litoral em conflito.
Os combates terrestres
Após consolidar o controle marítimo, o Chile desencadeou a ofensiva terrestre. Inicialmente, as tropas bolivianas, que não conseguiram retomar a região de Antofagasta, uniram-se à defesa peruana de Tacna e de Tarapacá. Em novembro de 1879, ataques navais chilenos facilitaram o desembarque de tropas e a tomada da província de Tarapacá.
Após esse sucesso, as tropas marcharam para o sul, em direção a Iquique, cujo confronto com tropas bolivianas e peruanas recebeu o nome de batalha de San Francisco. Essa batalha é simbólica, pois, durante os confrontos, as tropas bolivianas, que eram lideradas pelo presidente Hilarión Daza, bateram em retirada, o que forçou o recuo dos peruanos e, consequentemente, causou a perda de Iquique. Após essa manobra, o Congresso da Bolívia depôs Daza, e o general Narciso Campero assumiu o controle das tropas e do país, o que não foi suficiente para inverter a preponderância militar dos chilenos.
Em outubro de 1880, os Estados Unidos tentaram mediar o conflito. A bordo do navio USS Lackawanna, que estava atracado na baía de Arica, representantes da Bolívia, do Chile e do Peru não conseguiram atingir um consenso, uma vez que os chilenos se mostraram irredutíveis em relação à imposição de perdas territoriais aos inimigos. Após a retirada definitiva de tropas bolivianas do teatro de guerra, as lideranças militares chilenas buscaram forçar os peruanos a aceitar a derrota.
Em janeiro de 1881, o exército de Santiago marchou em direção a Lima, capital do Peru. Após as derrotas nas batalhas de San Juan e Miraflores, a cidade capitulou. Os exércitos chilenos tentaram avançar para o norte, mas não conseguiram subjugar essa região. Escaramuças entre fazendeiros andinos e tropas chilenas perduraram por dois anos. Com base em esforços de reorganização, o general Andrés Cáceres conseguiu conter parcialmente o avanço do Chile, mas a derrota na batalha de Huamachuco, em julho de 1883, desmantelou a resistência peruana, o que determinou o encerramento da guerra.
Os tratados de paz
Com base nos dispositivos do tratado de Ancón, firmado em outubro de 1883, o Chile ocuparia as províncias peruanas de Tacna e Arica durante 10 anos. Ao término desse período, seria realizado um referendo, em que a população dessas províncias decidiria sobre qual país exerceria a soberania sobre a região. Os países jamais consentiram acerca do modo de realização desse referendo.
Em junho de 1929, o tratado de Lima foi firmado entre Chile e Peru, cujo principal objetivo era findar as controvérsias que ainda perduravam em relação à soberania das províncias de Tacna e Arica. De acordo com esse tratado, que foi intermediado pelo presidente estadunidense Herbert Hoover, a província de Tacna foi reincorporada ao Peru, enquanto a de Arica permaneceu sob a soberania dos chilenos, que pagou uma indenização de US$ 6 milhões ao Peru.
A Bolívia, por sua vez, firmou uma trégua com o Chile em 1884. Com base nesse compromisso, Santiago assumiu o controle total do litoral boliviano, que dispõe de grandes reservas de recursos minerais. Em 1904, foi firmado um tratado de Paz e Amizade entre ambos os países, que tornou absoluta e perpétua a cessão de territórios bolivianos que correspondiam ao Departamento do Litoral, o que transformou a Bolívia em um país mediterrâneo. Ademais, esse tratado estabeleceu um conjunto de iniciativas que deveriam compensar esse país, como a construção de uma ferrovia entre Arica e La Paz, a concessão de financiamentos, o direito de livre-trânsito aos portos do litoral do Pacífico e o pagamento de £ 300 mil.
Desdobramentos do tratado de 1904
Desde 1904, autoridades bolivianas têm pressionado as contrapartes chilenas para renegociar as cláusulas desse tratado, uma vez que o mesmo prevê essa possibilidade. Durante a década de 1970, sob a ditadura Pinochet, no Chile, e de Banzer, na Bolívia, os países intensificaram diálogos sobre um novo tratado limítrofe, o que resultou na configuração de um acordo.
Segundo o Acordo de Charaña de 1975, haveria uma permuta territorial entre La Paz e Santiago. Enquanto a Bolívia receberia uma faixa territorial entre a cidade de Arica e o limite entre Chile e Peru, o país cederia uma área, com superfície territorial similar, no salar de Uyuni. No entanto, essa faixa territorial pertencera ao Peru, antes da Guerra do Pacífico. De acordo com o tratado de Ancón, qualquer mudança de soberania em relação a essa região deveria ser chancelada pelas autoridades peruanas, que vetaram a permuta entre os bolivianos e chilenos.
Em 2013, o Estado Plurinacional da Bolívia apresentou perante a Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) um requerimento contra a República do Chile, a fim de obter uma saída para o oceano Pacífico por meio do território chileno. A Corte intitulou o caso como Obrigação de Negociar um Acesso ao Oceano Pacífico [Obligation to Negociate Access to the Pacific Ocean]. Desse modo, com base em uma série de documentos firmados por Santiago, que indicariam a predisposição de negociar e a propensão a aceitar o pleito sobre a saída para o Pacífico por parte de autoridades chilenas, La Paz demandava a abertura de negociações.
Em outubro de 2018, a CIJ concluiu que as notas, atas e diferentes declarações entre ambos os países ao longo do século XX e no início do XXI comprovam que existiu uma intenção de negociar por parte do Chile, mas isso não significa que o país tenha adquirido uma obrigação jurídica. Os magistrados acrescentaram, no entanto, nas conclusões gerais, que a decisão “não deve impedir que as partes continuem seu diálogo em um espírito de boa vizinhança”.
Referências bibliográficas:
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