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Bandeira da Bolívia | SL_Photography de Getty Images via Canva Pro Bandeira da Bolívia | SL_Photography de Getty Images via Canva Pro

Integração da Bolívia no Mercosul

Bandeira da Bolívia | SL_Photography de Getty Images via Canva Pro

O presente estudo possui o objetivo de apresentar um histórico do pedido de adesão da Bolívia para o Mercosul, feito formalmente em 21 de Dezembro de 2006, pelo presidente Evo Morales da Bolívia. Foi decidido, nesse ínterim, que se utilize o método de pesquisa de análise de conteúdo documental, com o intuito de se avaliar toda a cadeia de acontecimentos políticos, de documentos homologados e de movimentos diplomáticos envolvidos nesse processo específico. Essa pesquisa foi proposta com o intuito de entender as motivações de todos os atores envolvidos na efetivação desse movimento, assim como apontar quais os maiores motivos da relativa demora para a conclusão do processo de adesão.

Nesse sentido, se busca analisar os processos necessários para que se ocorra a integração plena ao bloco, assim como com cada um de seus países-membros, nominalmente, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela – esta última, apesar de suspensa, será incluída na análise, em função da sua importância de tomada de decisão e investimento no bloco até o momento da sua suspensão. Pretende, também, identificar quais os passos tomados por todos os participantes do bloco desde a data do pedido oficial, até o momento atual da transição do ano de 2021 para 2022, além das iniciativas organizadas pelos governos da Bolívia para que esse processo fosse efetivado. Também serão analisados os objetivos explicitados pelo país andino para essa integração, bem como seus antecedentes de integração regional que se colocam antes desse processo.

MARCO TEÓRICO

No contexto da integração regional existem alguns conceitos bases que regem esses os estudos dessa área, alguns já caíram em desuso, porém foram importantes, de qualquer forma, para a evolução dessa área de conhecimento. O regionalismo aberto, então, promovido pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), foi um método que rompeu com as antigas formas de ser dos processos de integração regional latino-americanos, abrindo mão da substituição de importações, por exemplo, para embarcar em um processo globalizado, o qual promovia a abertura comercial e a inserção desses países no mercado internacional, principalmente pelo meio da extensão de acordos e benefícios à terceiros interessados (OLIVEIRA, 2011).            

Já o conceito de novo regionalismo, promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi um predecessor do regionalismo aberto. Nesse contexto, ele possui um foco na abertura de economias regionais, sem trazer grandes preocupações com a possível necessidade de criar mecanismos de proteção para esse feito (OLIVEIRA, 2011). Os dois conceitos, em função de serem pensados após a virada do milênio, assumem uma posição de pensar estratégias para tornar os métodos de produção existentes mais eficientes, ao contrário do que se observa em métodos de integração regionais de décadas anteriores, os quais ainda traziam um foco específico na industrialização, isso se dá pois grande parte da América Latina já ser relativamente industrializada.

METODOLOGIA, MÉTODOS E TÉCNICAS

Para a execução desse estudo foi optado pelo método de análise de conteúdo, entendendo como conteúdo diversas formas de comunicação moderna e contemporâneas do seu humano, como entrevistas, documentos, notícias, discursos, dentre outros. Essa análise flutua entre duas formas diferentes de ser realizada, sendo assim, se pode levar em conta a objetividade, ou seja, aquilo que é efetivamente dito, escrito e colocado em evidência, ou a subjetividade, aquelas ações que deixam a perceber intenções antes escondidas (BARDIN, 2016), logo, essas duas formas não são necessariamente excludentes, podendo ser complementares. Nesse sentido, o investigador precisa lidar com formas de comunicação além de documentos formais como acordos, tratados e notas para a imprensa, assimilando também entrevistas, mesas redondas, e comunicados feitos pelos atores investigados em mídias sociais.

Esse método trabalha, basicamente, com a linguagem, e com a complexidade da comunicação desta, entendendo as diferentes formas de expressão que diferentes sociedades humanas desenvolveram ao desencadear da história. Essa manifestação pode ser descrita por um locutor e um interlocutor, ou até mesmo incontáveis desses dois, criando uma complexa apresentação de ideologias, mensagens, comportamentos, ações e produções (FRANCO, 2005), as quais formam um emaranhado de informações a serem assimiladas por aquele que possui um objetivo de estudo.

Entendendo a execução desse trabalho, então, o qual envolve entes diplomáticos dos diferentes países envolvidos, assim como organizações internacionais, órgãos nacionais dos Estados, dentre outros representantes, foi decidido que se utilizaria a técnica de análise documental, para que seja possível determinar com mais clareza a série de fatos e acontecimentos que acompanham a adesão da Bolívia no Mercosul. Nesse sentido, se observa uma finalidade bastante clara para essa técnica, sendo ela a capacidade de estabelecer uma especificidade para o campo estudado (BARDIN, 2016), ou seja, uma forma de analisar as idiossincrasias de um caso, podendo datar acontecimentos e facilitar a consulta e referenciação.

1. BOLÍVIA

1.1 ANTECEDENTES

 A Bolívia possui um histórico de parcerias com o Mercosul bem claro, podendo datar desde 1996, com a primeira grande parceria via Acordo de Complementação Econômica (ACE n°36), baseado entre os países membros do Mercosul na época (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), com a então República da Bolívia[1]. Este acordo serviu como mais um garantidor da integração na América Latina, alavancando o desenvolvimento de demais países da região, mesmo que não participassem diretamente do acordo firmado. A parceria se colocou como uma forma de estender os benefícios do Mercosul à Bolívia, ou seja, um arcabouço jurídico e institucional que ancorou a cooperação, pretendendo atingir o livre comércio entre esses países, assim como atingir maiores níveis de desenvolvimento e de aprimoramento de infraestruturas compartilhadas.

Nesse primeiro acordo, então, fica claro que existe um objetivo de integração do Mercosul com os outros países da América Latina, principalmente da América do Sul, e isso se mostra através do primeiro trecho de consideração do próprio documento do acordo, o qual afirma sobre “a necessidade de fortalecer o processo de integração da América Latina, a fim de alcançar os objetivos previstos no Tratado de Montevidéu 1980” (ACE n°36,1996), além disso, o acordo possuia uma vigência de dez anos a partir de 1996, logo, em 2006, já foi feito o pedido para a entrada do país como membro associado do mercado comum, o que se faz entender que a intenção da Bolívia era manter a parceria. Desde a assinatura da ACE nº36, a Bolívia se mostra muito ativa nas reuniões do bloco, como em 1997, quando houve uma reunião dos presidentes dos Estados-partes, assim como com os da Bolívia e do Chile, acerca da rápida evolução da globalização e da grande importância da integração regional para esse contexto. Além disso, em 1998, entrava em vigor o Protocolo de Ushuaia, o qual afirma que a manutenção das instituições democráticas é uma obrigação daqueles Estados que pretendem manter a integração e as boas relações com o Mercosul – os assinantes, então, foram os quatro Estados-partes da época, além da Bolívia e do Chile.

Existiram, desse modo, diversos outros comunicados conjuntos das presidências dos membros do bloco econômico com a Bolívia, o que demonstra que o país não só possui um histórico de alto engajamento com as questões do Mercosul, como também possuía um interesse bem claro em fazer parte, cada vez mais ativamente, dos processos decisórios e das discussões inerentes dessa integração. Em 1999, por exemplo, foi feito mais um comunicado de reconhecimento do Mercosul como mecanismo de desenvolvimento para os países que participam, mesmo que indiretamente, como associados. Já nos anos 2000, um novo comunicado, também com os mesmos assinantes, reiterando a necessidade de integração entre si, e com o termo “regionalismo aberto” sendo utilizado para explicar o formato benéfico a todos os envolvidos. Por fim, em 2003, outro comunicado, assim como diversos outros que virão, novamente possui a Bolívia como signatária e afirmam manter seu compromisso com o desenvolvimento econômico e com a justiça social para com seus povos. Essa série de eventos é uma demonstração, podendo ser considerada bastante transparente, de que a República da Bolívia tentava ao máximo se aproximar do bloco e deixar claro suas intenções de integração.

1.2 LIMITAÇÕES NO SISTEMA ANDINO

 O sistema andino, atualmente chamado de Comunidade Andina (CAN), é um dos mais antigos organismos internacionais de integração na América do Sul, sendo datado de 26 de maio de 1969, quando se firmou o Acordo de Cartagena, também chamado de Acordo de Integração Subregional Andino, o qual possuía o objetivo de criar relações de integração entre os países membros, pensando em fatores como equidade, cooperação econômica e social e com o objetivo, a longo prazo, de se formar um mercado comum latino-americano. Entretanto, como afirmam Luciano e Bressan (2017), esse processo atualmente pode ser descrito como um sistema de descrédito e de deslegitimidade, estando em processo de desintegração.

Ao contrário do Mercosul, a CAN possuía o propósito de ser um regionalismo fechado, ou seja, adotando a substituição de importações e fortalecendo as indústrias locais, tentando diminuir a influência do norte global. Deve-se evitar emitir juízo de valor quanto à proposta da CAN, principalmente por ter sido a primeira forma de regionalização e o primeiro bloco que tentava criar uma integração regional entre esses países. De qualquer maneira, esse formato se mostrou bastante prejudicial para a evolução do bloco e das relações dos países como um todo, principalmente à medida que a globalização foi se consolidando no sistema internacional e conquistando os Estados, sendo assim, houve cada vez mais uma pressão internacional, e até mesmo regional, para que esse formato de regionalismo se modificasse, sendo assim, aos poucos os Estados-partes foram perdendo a aderência à CAN.

 A Bolívia foi um dos países fundadores da CAN, o que se faz entender que era uma comunidade passível de agregar valor ao país, entretanto, se observou que essa organização não possuía a capacidade de promover a integração e o desenvolvimento dos países participantes, e, além disso, o Parlamento da Comunidade Andina não conseguiu se inserir na memória das populações dos participantes como uma entidade capaz de promover a democracia, muito menos dos direitos de bem-estar, não conseguindo criar uma imagem de confiança e pertencimento. Por fim, a CAN se tornou um sistema de baixa eficiência e pouca adesão, com uma integração econômica repleta de limitações, possuindo uma obrigação social ainda bastante desfocada (AVEDAÑO, 1999).

1.3 MOTIVAÇÕES PARA A ADESÃO

Em linhas gerais, o Mercosul possui um reconhecimento por ser muito eficiente, com o seu dinamismo e com a velocidade com a qual atingem seus objetivos, entendendo que apenas nos seus 10 anos iniciais atingiu mais resultados, principalmente em se tratando de integração econômica, do que a própria Comunidade Andina (AVEDAÑO, 1999). Nesse sentido, pode-se inferir que é um bloco de integração econômica que traz diversas vantagens para seus membros, como um  sistema de preferência tarifária, projetos conjuntos de infraestrutura, além de acessos a negociações mais robustas com outros entes internacionais.

 O país andino sempre demonstrou interesse pelo bloco, sendo parceiro por meio do ACE desde a primeira década do surgimento do Mercosul. Além disso, 72% das suas fronteiras são com países membros do bloco, sendo eles o Brasil, o Paraguai e a Argentina. Outro ponto importante a ser levado em consideração é o fato de que a Bolívia não possui saída para o mar, assim como é considerado um país de menor desenvolvimento econômico relativo (ALADI, 2021), o que significa que receberia certas preferências dentro da integração econômica disposta por esse processo, visando promover um maior nivelamento econômico na região por meio de concessões (idem, 2021). Por diversas vezes o governo boliviano afirmou ao seu povo, assim como a seus empresários -como pela nota do Ministério das Relações Exteriores da Bolívia, de agosto de 2015- não só quais as vantagens de entrar nesse processo de integração, mas também que teriam quatro anos para fazer as adequações necessárias para essa participação, após a ratificação por parte de todos os países.

O país, nesse ínterim, está adentrando o Mercosul durante um processo de integração entre este e a União Europeia, o que somaria ainda mais vantagens para que participem como Estados-membros do que se participassem apenas associados ou observadores. Nesse sentido, entende-se que a crescente tendência de mega-regionalização (RIBEIRO, 2016) seria um atrativo ainda maior para a Bolívia, observando as grandes possibilidades de ganhos relativos para todos os entes participantes do bloco. Logo, mesmo com o período de adequação de 15 anos necessários para a adaptação dos países às novas tarifas, de acordo com dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior de 2020, o Imposto de Importação seria eliminado para mais de 90% dos bens de consumo comercializados entre as duas partes. Além disso, o acordo também abrange a prestação de serviços, trazendo formas de diminuir – e, de preferência, erradicar – as discriminações dos dois lados para com trabalhadores estrangeiros, sem preferências aos nacionais, ampliando ainda mais o nível de integração.

2. MERCOSUL

2.1 ESTRUTURA

 O Mercosul é um bloco que promove uma união aduaneira[2] na América do Sul. Para isso, possui objetivos claros que foram acordados pelos seus Estados membros na assinatura do Tratado de Assunção, documento constituinte desse organismo. Pretendia-se, então, viabilizar a livre circulação de bens e serviços, assim como a adoção de uma tarifa externa comum (TEC) para seus Estados partes, além do compromisso destes de harmonizar suas legislações e infraestruturas comuns, para promover o bem estar socioeconômico e a integração regional. Foi inicialmente formado pelos seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e, em 2012, teve a finalização do processo de adesão da Venezuela como membro pleno desse organismo regional.

A adesão de novos membros está disposta no capítulo quarto do tratado constituinte, com o Artigo 20, o qual é bastante breve em explicar três pontos focais para esse processo. A primeira exigência para a entrada de um novo participante, nesse contexto, é a de que o tratado tenha tido pelo menos cinco anos de vigência antes do pedido. Em seguida, poderiam ser considerados pedidos feitos antes do prazo, se fossem solicitados por membros da ALADI. Por fim, a regra que pode ser considerada mais importante para o contexto atual de um processo de adesão, é a exigência de que, após solicitado, a decisão de aceitação deverá ser unânime entre os Estados partes.

 A unanimidade, nesse ínterim, é composta pela aceitação interna dos órgãos judiciários e executivos domésticos de cada Estado-membro, ou seja, o processo de internalização dos parlamentos e câmaras nacionais da Argentina, do Brasil, do Paraguai, do Uruguai e da Venezuela é imprescindível para que a adesão, assim como outras decisões, seja levada a diante. Logo, o bloco possui um caráter intergovernamental, o que se faz necessário que as decisões regionais estejam de acordo com os interesses nacionais de cada um dos participantes.

O pedido de adesão por parte do governo Boliviano foi feito em 21 de Dezembro de 2006, por meio de uma carta redigida pelo então presidente boliviano, Evo Morales, ao presidente pro tempore do Mercosul daquele momento, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. E, de acordo com os trâmites legais acertados pelos países membros do Mercosul na data de sua constituição, após esse feito seria necessária a aprovação interna de todos os países membros, sendo assim, passando por seus respectivos órgãos judiciários para que aprovassem a adesão, após, cada um deve ratificar o protocolo e o depositar no Paraguai, o qual serve como secretaria administrativa do Mercosul. Logo, cada Estado-membro possui uma organização doméstica própria, com suas formas específicas para a internalização de decisões regionais.

2.2 ARGENTINA

2.2.1 INTERESSES

Existe uma preocupação latente de todos os membros desde a época da criação do bloco – e que é abordada até os dias atuais – que é o fato dos sistemas político, econômico e social brasileiros serem bastante instáveis (SARAIVA, 2008). Essa preocupação é bastante fundada, principalmente, pelo caráter intergovernamental do Mercosul, ou seja, os assuntos domésticos dos membros interferem diretamente com os processos de tomada de decisão que ocorrem no bloco. Neste sentido, o país encontra-se atualmente bastante isolado dentro desse processo de integração, principalmente em função do seu aviso para uma possível retirada do bloco, no ano de 2020. Atualmente, após recuar dessa decisão precipitada, resolvem permanecer porém com diversas ressalvas, dentre elas o próprio livre-comércio entre os países membros é ponto de observância, mesmo que essa conquista seja um dos objetivos mais claros do bloco desde o momento de sua criação.

No ano de 2021, são inúmeras as críticas do ministro das relações exteriores da Argentina, Felipe Solá, para com a gestão do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, mais especificamente com o seu ministro da economia, Paulo Guedes. Essas desavenças impactam diretamente na visão argentina para com os planos do Mercosul, entendendo que o Uruguai e o Paraguai também estão de acordo com os ideais propostos pelo Brasil para o bloco. Nesse sentido, de acordo com o governo brasileiro e com detalhes listados pelo jornal El País, a proposta brasileira de diminuir 10% da TEC a todos os produtos desta lista não é bem aceita apenas pela Argentina, os quais aceitariam essa redução até no máximo 75% dos produtos listados, dentre outras desavenças econômicas internas entre os membros, essa é uma das mais latentes, o governo argentino ainda deliberou que não pretende discutir novamente sobre o assunto até o ano de 2023.

De acordo com uma análise do Portal Uol de Notícias (2020), a adesão da Bolívia serviria como uma forma da Argentina conseguir mais um apoiador dentro do bloco, entendendo que é o único que possui problemas explícitos com uma política de livre-comércio. Tal esperança é baseada, mais do que qualquer coisa, no atual governo boliviano, que se coloca como de esquerda. Sendo assim, a especulação argentina é a de que, pela proximidade de ideologia política, existe uma maior possibilidade de apoio por parte da Bolívia para que não se instaure um sistema de livre-comércio completo, mas que se mantenha o atual regramento.

2.2.2 PROCESSO DE APROVAÇÃO

A aprovação do processo de adesão da Bolívia ao Mercosul já foi concluída, internamente, pela Argentina. Foi sancionada, no dia 02 de Julho de 2014, a lei de número 26.953, na qual o senado e a câmara de deputados argentinas aprovaram o protocolo de adesão e o comunicaram ao poder executivo nacional. Logo, no dia 21 de Agosto de 2014, esta lei foi promulgada e homologada no repositório público do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos do país, assim, esta lei consta com a declaração oficial desta aprovação, como também com uma cópia autenticada do referido protocolo de adesão. O depósito do instrumento no Paraguai ainda não foi feito nem protocolado pelo ministério das relações exteriores paraguaio, apenas houve a notificação da aprovação deste, a qual foi feita no dia 21 de Julho de 2016. Sendo assim, mesmo tendo sido aprovado internamente, ele ainda não conta como concluído, pois falta seu depósito.

2.3 BRASIL

2.3.1 INTERESSES

O Brasil se mostra bastante dividido, em se tratando de opiniões internas, quando se trata da entrada do novo país-membro. Já em 2015, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirmou, em entrevista à BBC Brasil (2015), que, para o setor privado brasileiro, a entrada boliviana não se mostra tão vantajosa, entende-se que seria a adição de mais um membro para provocar empecilhos nas tomadas de decisões do bloco, demonstrando que, pelo menos para o Brasil, seria mais vantajoso firmar outros acordos bilaterais do que depender do Mercosul para esses fins. Em contrapartida, outros analistas de relações internacionais também informaram à BBC Brasil que a entrada da Bolívia é bastante vantajosa, em função da concorrência com o grande número de empresas chinesas no país vizinho.

 Além disso, a Bolívia é um país em estado de crescimento, ou seja, de acordo com dados providos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), é possível observar que estão em um processo de ascensão econômica desde as reformas propostas pelo presidente Evo Morales (2006-2019), e com as propostas do atual governante, Luis Arce, para a recuperação após a pandemia do novo coronavírus, a probabilidade é de que a economia volte a crescer. O FMI (2021), em seu artigo sobre dados da Bolívia, estima que, até o final do ano de 2021, a economia boliviana terá crescido 5%, em função do planejamento para a vacinação da população adulta e economicamente ativa, assim como o aumento dos preços de commodities. Neste sentido, o país andino continua sendo um mercado bastante visado para o Brasil, além do fato de possuir uma fronteira direta com o país, sendo um de seus principais parceiros comerciais na América do Sul.

 Outro ponto em destaque, o Brasil, juntamente com a Argentina, são os maiores compradores de gás natural boliviano. Existe um gasoduto (Gasbol) que percorre seis estados brasileiros, do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul e, mesmo que tenha havido uma chamada pública em 2020 a qual convocava outras empresas para o fornecimento de gás natural, ainda 25% da oferta total de gás no Brasil é advinda da Bolívia, e a Petrobras, empresa petrolífera brasileira, utiliza 100% da capacidade desse gasoduto (CBIE, 2020). Por fim, mesmo que existam algumas controvérsias, é possível observar que existem vantagens para alguns setores do Brasil com a adesão plena da Bolívia no Mercosul, dentre elas até mesmo o contexto energético, o qual ainda não possui tanta relevância nas discussões do bloco como o comércio de bens, mas ainda assim é um dos pontos focais dos Estados-membros.

2.3.2 PROCESSO DE APROVAÇÃO

O processo de aprovação no Brasil pode ser considerado o mais demorado de todos os outros países, contendo diversas necessidades de aprovação entre entes do governo federal. Sendo assim, em 12 de Maio de 2016 foi feita a apresentação do texto do Protocolo de Adesão da Bolívia ao Mercosul, pela Mensagem de Acordos, convênios, tratados e atos internacionais n. 234/2016, apresentada pelo poder executivo do Brasil. Após passar pelos trâmites da representação brasileira no Mercosul, foi aprovado o parecer no dia 16 de Agosto de 2017, assim, transformando o processo em um Projeto de Decreto Legislativo de Acordos, tratados ou atos internacionais, o PDC 745/2017.

No dia 24 de Agosto de 2017, o projeto foi apresentado pela Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul para o Plenário brasileiro, aprovando o texto deste protocolo. Em 08 de Setembro de 2017, foi passado para a aprovação das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e de Constituição e Justiça e de Cidadania, constando como um processo com teor de urgência. Após discutidas internamente todas as deliberações, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil aprovou o parecer, no dia 16 de maio de 2018. Desde então, a matéria ainda não voltou a ser tratada nas sessões deliberativas do plenário, em função do encerramento destas, o processo de aprovação por parte do Brasil continua em aberto.

2.4 PARAGUAI

2.4.1 INTERESSES

O Paraguai possui alguns interesses específicos com a entrada da Bolívia no Mercosul. Em diversos momentos durante o processo de aprovação, o então ministro das relações exteriores do Paraguai, Eladio Loizaga, fazia afirmações sobre o desejo do país de ter a Bolívia no bloco, “com isso vamos avançando em um processo de integração regional muito importante entre países…” – afirmou o embaixador paraguaio na cerimônia de depósito do documento, em 2018. Os dois países já possuíam alguns acordos bilaterais, assim, seria vantajoso manter novas formas de integração.

Apenas no ano de 2019 foram firmados 22 acordos bilaterais entre os dois Estados, sendo 16 governamentais, e mais seis de caráter privado. No quesito governamental, são acordos para cooperação no judiciário nacional dos dois países, assim como para o desenvolvimento de práticas industriais e certificação digital. Ainda no quesito governamental, agora também existem meios de cooperação para a recuperação de telefones e eletroportáteis roubados, planos em desenvolvimento para as zonas de trabalho fronteiriças. Além disso, combinaram de desenvolver o desenho final do gasoduto Villamontes-Assunção, o qual deve ficar pronto em 2024. Já no tema de segurança, os respectivos ministros responsáveis de cada país concordaram em um intercâmbio de informações, o qual serviria para lidar com as questões migratórias.As Forças Armadas dos dois países também entraram em acordo para a troca de informações, assim como um intercâmbio de capacitações, para melhorar a defesa de ambos os países.

Já no âmbito privado, houveram convênios de cooperação institucional entre áreas da indústria, do comércio, da exportação, entre outros setores. Os próprios setores de agricultura e pecuária também tiveram acordos fechados para se pensar conjuntamente produtividade, saneamento e gestão. Por fim, no quesito de tecnologia e matérias espaciais, se firmaram alguns acordos pensando em utilizar satélites para meios comerciais, assim como para criar conexões e tarifas especiais nos meios de telecomunicação de ambos os países. Com isso, é possível inferir que os dois países procuram um ao outro para diversos assuntos internos, e a troca de informações e de tecnologias é algo de grande valor para os dois, sendo assim, a entrada da Bolívia no Mercosul seria de peso positivo para o Paraguai.

2.4.2 PROCESSO DE APROVAÇÃO

O processo de adesão da Bolívia ao Mercosul foi finalizado internamente pelo Paraguai. Esse processo, então, se iniciou quando o próprio Protocolo de Adesão da Bolívia ao Mercosul foi transformado na lei de número 19.217, de 23 de Maio de 2014, no momento em que se teve o primeiro contato interno dos meios jurídicos do país com esse instrumento. Logo, no dia 9 de Novembro de 2016, foi criada a  lei de número 5615, a qual aprovou o referido Protocolo de Adesão, sendo, então, o primeiro Estado membro a aprovar completamente essa integração. Em seu documento descritivo, afirmam que levaram em consideração o fim da suspensão do Paraguai no Mercosul desde 15 de Agosto de 2013, logo, adotando uma nova versão do primeiro protocolo, em função de não fazerem parte dos Estados assinantes no primeiro.

No ano de 2018, mais precisamente no dia 13 de Agosto, o chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, participou da cerimônia de depósito do Instrumento de Ratificação do Protocolo de Adesão da Bolívia ao Mercosul, em parceria com o chanceler da Bolívia, Fernando Huanacuni, na sede da chancelaria paraguaia em Asunción. Neste encontro, firmou-se ainda mais o sentimento de amizade entre esses dois países, principalmente com a afirmação de Huanacuni de que o Paraguai e a Bolívia possuem “um passado, um presente e um futuro juntos” como demonstrado na notícia veiculada pela Chancelaria Boliviana, em 13 de Agosto de 2018.

2.5 URUGUAI

2.5.1 INTERESSES

O país possui diversos interesses explícitos para a adesão do novo Estado-parte. O senador Roberto Conde ressaltou, durante o debate na Câmara alta uruguaia em 2016, que

“A importância estratégica e geopolítica da entrada da Bolívia ao Mercosul, dá ao espaço mercosulino uma dimensão quase continental e uma relevância internacional inevitável. Dependerá da vontade política dos nossos países utilizá-la para benefício e afirmação de nossas possibilidades de desenvolvimento e de presença internacional.(ROBERTO CONDE, 2016)”

Além disso, o então senador, e hoje presidente do país, Luis Lacalle Pou, ressaltou que, no tratado constitutivo do Mercosul, convida-se outros países da América Latina para participarem (PARLASUL, 2021), e não seria nada mais justo aceitar, visto que a Bolívia ainda possui uma vantagem geográfica de estar mais perto que outros países.

Os dois países, neste sentido, possuem algumas formas de integração, as quais poderiam ser potencializadas com a integração plena da Bolívia ao Mercosul. Com dados do perfil do Uruguai, desenhado pelo Instituto Nacional de Estatística boliviano, de 2020, foi possível analisar que os dois países movimentaram, no ano de 2018, 92 milhões de dólares entre exportações e importações, com ênfase para as áreas da agricultura e produção de cerveja, tendo os principais produtos importados pelo Uruguai o malte de cevada, fungicidas e inseticidas, e tendo a uréia como o produto de maior valor em exportações. A Bolívia possui com o Uruguai, assim como com todos os outros membros do Mercosul, uma situação de cooperação, em função de já existirem diversos acordos entre o bloco e o país andino. Assim, para o Uruguai também seria de suma importância que a Bolívia fizesse parte do bloco, quando se pensa em melhorar as condições de acordos já existentes e, preferencialmente, aumentar o volume de comércio e cooperação entre esses países.

2.5.2 PROCESSO DE APROVAÇÃO

O Uruguai foi o segundo país a completar o processo de aprovação e de promulgar a lei que ratifica o Protocolo de Adesão da Bolívia ao Mercosul, por meio da lei de número 19.473 no dia 23 de Dezembro de 2016, sendo oficialmente publicada no dia 30 de Janeiro de 2017. Diferentemente de outros países, foram bastante sucintos na sua aprovação, apenas afirmando que estava feito e deixando em anexo o texto do instrumento internacional do referido protocolo de adesão. Depois disso, o instrumento de ratificação foi depositado no Mercosul no dia 17 de Maio de 2017, por parte do governo uruguaio.

2.6 VENEZUELA

2.6.1 INTERESSES

Hugo Chávez, presidente da Venezuela de 2006 até 2012, possuía valores muito parecidos com os do presidente da Bolívia nesta mesma época, Evo Morales Sendo assim, ambos os países eram bastante alinhados politicamente e seria de interesse mútuo que a Bolívia participasse do Mercosul como membro pleno –  enquanto o presidente venezuelano se recuperava de procedimentos médicos, pouco antes de seu falecimento em 2013, Morales o visitou para desejar boas melhoras (EBC, 2013).Tal alinhamento político, principalmente dentro do Mercosul, poderia oferecer uma boa convivência e melhores propostas de integração regional entre os membros.

2.6.2 PROCESSO DE APROVAÇÃO

 Para entender a aprovação da Venezuela para a entrada da Bolívia no Mercosul, é preciso entender a complexa linha do tempo dos processos que acompanharam o bloco ao londo da década de 2010. A Venezuela pediu para fazer parte do Mercosul em 2006, no mesmo ano que a Bolívia. O país caribenho teve seu processo de adesão concluído em junho de 2012, no mesmo mês, e ano, em que foi suspenso o Paraguai do bloco, assim, não necessitando da sua aprovação para a finalização desse processo de adesão. O Paraguai voltou ao bloco um ano depois de ter sido suspenso (em junho de 2013) e, em 2016, então, é a vez da Venezuela ser suspensa. Entretanto, a Venezuela já teria aprovado e até mesmo depositado sua aprovação para a adesão da Bolívia no Mercosul no ano de 2013, como afirma o Parlasul (2016). Além disso, após o novo protocolo que foi criado para incluir a aprovação do Paraguai, que voltou ao Mercosul, a Venezuela foi novamente o primeiro país a aprovar esse processo de adesão.

Para a efetivação da adesão de um novo Estado parte do Mercosul, é necessário que exista a unanimidade de aprovação dos membros existentes. Entretanto, membros que se encontram suspensos não possuem a relevância de aprovarem ou não uma nova adesão, visto que já estão em desacordo de alguma forma com o Mercosul e não possuem poderes de decisão durante a sua suspensão. De qualquer forma, a Venezuela nunca se mostrou contrária à adesão da Bolívia e, novamente, foi a primeira nação do bloco a aprovar tal decisão, em ambos os protocolos organizados.

CONCLUSÃO

Foi possível analisar, com os dados apresentados, que todos os países membros do Mercosul não só possuem interesses claros na adesão da Bolívia no Mercosul, como também seria de grande vantagem para todos os envolvidos do bloco, assim como a própria Bolívia. Neste sentido, mesmo que no momento atual do biênio dos anos 2021 e 2022 não exista um alinhamento político completo entre os países do bloco, é importante entender que a conexão econômica e comercial, as trocas de informações, a integração de sistemas tarifários e de infraestrutura continua sendo uma grande vantagem para todos os envolvidos. Por esse motivo, praticamente todos os países já finalizaram seus trâmites internos, e a nível de bloco, para esse processo de adesão.

O Brasil, no entanto, é o único país que ainda não finalizou o processo, uma vez que seus trâmites políticos e jurídicos internos são bastante morosos e não permitem uma maior agilidade no processo. E com a pandemia do novo coronavírus e a modificação de sessões plenárias presenciais para virtuais, observou-se uma maior dificuldade na discussão do assunto no poder legislativo brasileiro. Por fim, existem diversas análises que tratam dos resultados positivos, ou negativos, que podem vir dessa integração, algo que realmente depende apenas do tempo decorrido e das decisões a serem tomadas durante o processo. De qualquer forma, seria do maior interesse de todos os Estados-partes, assim como da Bolívia, que o processo de adesão se concluísse o mais cedo possível.

[1] No ano de 2009, com a nova constituição boliviana, mudou-se o nome de “República da Bolívia” para “Estado Plurinacional da Bolívia”

[2] De forma bastante breve, é possível identificar cinco etapas cumulativas conhecidas da integração regional, além de uma sexta etapa a qual ainda não foi observada: 1) a Zona de Preferência Tarifária é a forma mais básica dessa integração, assegurando a redução -não a eliminação- das barreiras tarifárias impostas entre os integrantes desta zona; 2) já a Zona de Livre Comércio trabalha com a isenção das barreiras tarifárias e não-tarifárias para os integrantes desse processo de integração; 3) a União Aduaneira pode ser entendida como a adição de uma TEC à uma Zona de Livre Comércio, ou seja, além da isenção das barreiras tarifárias e não-tarifárias, também se adiciona uma série de barreiras para produtos advindos de países não participantes; 4) o Mercado Comum, por sua vez, vai além da União Aduaneira, no sentido de que se adiciona a livre circulação de pessoas e serviços naquela região; 5) a União Econômica e Monetária, então, adiciona à categoria de Mercado Comum uma moeda compartilhada por todos os entes participantes, assim como uma política monetária e um banco central comum. Existiria, então, um sexto nível de integração, o qual pode ser chamado tanto de integração política, quanto de integração total, nesse sentido, a integração passaria de uma União Econômica e Monetária, transformando os entes em uma só unidade política, entretanto, ainda não ocorreu com nenhum dos processos de integração existentes na atualidade. (JOSÉ E. RAMALHO)

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