O projeto “Gênero, Número & Grau” da Revista Relações Exteriores consiste em perguntas sobre temas do cenário internacional, onde especialistas convidados vão avaliar e se posicionar sobre, traçando um panorama das opiniões e contemplando a pluralidade de leituras e análises das Relações Internacionais. Nessa edição, foi elaborada uma reflexão acerca da nova constituição chilena e enviada para os analistas e especialistas respondessem. Para ficar a par do que está acontecendo no Chile, foi feita um pequeno contexto para os leitores.
Contexto da política chilena
A América Latina é uma região do continente americano que foi marcada pela colonização e pela incidência de ditaduras militares. Dos seus vinte países, mais da metade passou por uma ditadura entre as décadas de 60 e 80, que foram caracterizadas pela militarização do Estado, por muita repressão, censura, tortura, transgressão de direitos humanos, et al.
A República do Chile foi um dos países latino-americanos que passou por um período de ditadura militar. No início da década de 60 o país era um Estado democrático, com ampla participação política de movimentos sociais, como cooperativas camponesas e sindicatos de trabalhadores urbanos. Contudo, com a criação da Unidade Popular (UP), agrupamentos de esquerda que uniram pela candidatura de Salvador Allende para presidente, que queria fazer uma transição pacífica do país para o socialismo, uma forte oposição foi formada pela elite econômica chilena e pelos EUA. Em 1973, três anos após a ascensão de Allende como presidente, um golpe militar foi articulado pelo exército e pela direita chilena, que obteve o apoio dos norte-americanos. Posteriormente Allende se suicidou e o general Augusto Pinochet deu início a um regime político ditatorial.
Dentre as medidas estabelecidas pelo ditador, destaque para: o fechamento do Congresso Nacional; a censura à imprensa; a privatização de setores de educação; saúde e previdência social; concessão de privilégios políticos e econômicos aos EUA; perseguições políticas, torturas e assassinatos de opositores; e a extensão do seu governo até 1990. Porém, em 1988 um plebiscito foi realizado pela população contra a permanência de Pinochet. No ano seguinte eleições livres foram realizadas, e o democrata foi Aylwin foi eleito presidente. Ele “restabeleceu as liberdades civis e puniu os militares e civis envolvidos com crimes políticos durante a ditadura (BRAICK; 2018)”.
Apesar da redemocratização, a Constituição elaborada na época de Pinochet permanece em vigor e será, com o plebiscito de 2020, substituída. Por mais que ela tenha sofrido alterações após a ditadura, a população ainda estava insatisfeitas com ela, pois por ser uma herança do regime ditatorial e “por dar um papel residual ao Estado na prestação de serviços básicos (BRAICK; 2018)”, ela era considerada ilegítima. Sendo assim, os chilenos fizeram uma série de protestos, que tiveram início em outubro 2019 e terminaram no início de 2020, demandando, entre outras coisas, a mudança da atual Carta.
No dia 25 de outubro deste ano, um plebiscito foi aprovado para alteração da atual Constituição. Os primeiros resultados oficiais, com 90% das urnas apuradas, confirmam uma vitória esmagadora daqueles que querem mudar a carta fundamental: 78%, contra 22% que rejeitaram a ideia de substituí-la (El país; 2020).
Além das mudanças no conteúdo da Carta, o organismo que irá elaborar a nova constituição também sofreu alterações. Agora, sua estrutura será paritária entre homens e mulheres. Tanto as manifestações quanto o plebiscito em si mostraram o poder e importância do voto e da participação da população na política.
Pergunta
Tendo em vista o que foi apresentado acima, avalie a afirmação sobre a nova constituição chilena:
As manifestações e a nova constituição chilena são sintomáticas da busca por maior participação democrática e superação dos resquícios do passado ditatorial de opressão e de segregação de minorias.
( ) Discordo Totalmente ( ) Discordo em partes ( ) Indiferente/Neutro
( ) Concordo em partes ( ) Concordo totalmente
Respostas & Comentários
Concorda em partes
Ronaldo Raposo
Colunista da Revista Relações Exteriores e Graduando em Relações Internacionais pela Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)
Jovens protestam pelo aumento na tarifa do transporte público. O que começa enquanto um movimento secundarista, logo toma forma social, levando massas expressivas de indivíduos a protestar. Motivados por um acréscimo de centavos na passagem, dezenas de milhares de pessoas tomam as ruas, clamando por mudança não só na mobilidade, mas na política como um todo. Brasil de 2013? Chile de 2019? Ambos.
Ao olhar para o continente latino, estabilidade não é uma palavra que vem à mente. A crise regional toma conta de diversos países, em diferentes números e graus. Todavia, é irrefutável afirmar que a América Latina vive um momento não observado desde os anos 80.
Como é sabido, o período compreendido entre 60 e 80 foi marcado por inúmeros governos autoritários, de modo que a esperança por uma vida melhor não era vista como uma possibilidade pelos anos que se sucederam.
Contudo, os tempos de agora são outros. Vivemos uma primavera, nos termos de Monica de Bolle, diretora de estudos latino-americanos na Universidade Johns Hopkins. As transformações sociais que marcaram os anos de 2004 até 2014, também lidos como o Ciclo dos Commodities, encerrou a miragem de um futuro melhor, reforçando que o passado jamais seria aceito — tampouco superado.
Nesse sentido, as manifestações chilenas, bem como as reações idiossincráticas da região, são a expressão mais honesta do repúdio ao passado e da frustração que toma conta do corpo social, em função das ausências dos Estados. Superar evoca aceitar, e o povo não quer aceitação — quer mudança. O passado será preservado, como retrato de um tempo que não se deseja voltar. O futuro é incerto. Contudo, algo podemos afirmar: a convulsão latino-americana não está perto do fim.
CONCORDA EM PARTES
Renato Revoredo Machado
Mestre em Relações Internacionais, pesquisador e colunista da Revista Relações Exteriores
Entendo que as manifestações e a nova constituição chilena são sintomáticas da busca por maior participação democrática e a superação dos resquícios do passado ditatorial. Diferentemente do Brasil, que redigiu uma carta constitucional em 1988, que teve entre seus maiores propósitos apagar resquícios da sua ditadura, o Chile ainda não o fez formalmente. Chegou a hora para tanto.
A privatização da prestação de alguns serviços públicos no Chile de fato engessou um pouco a mobilidade social, porque o acesso a um custo igual foi injusto financeiramente para a parcela mais pobre do país.
Coloco dois fatos que comprovam algumas coisas sobre a democracia chilena. Entendo que o Chile é um exemplo muito positivo, e não muito comum, de um país que soube mais recentemente alternar ideologias diferentes no poder com transições bastante ordenadas e pacíficas. Michelle Bachelet e Sebastian Piñera, de orientações de Esquerda e Direita respectivamente, se alternaram nas últimas quatro presidências. Isto demonstra uma maturidade política do Chile, que parece ser superior a de outros países da sua região.
O outro lado da moeda é que a participação da população nas eleições, que não é obrigatória, reduziu-se consideravelmente ao longo das décadas do pós-ditadura. Em 1993, cerca de 80% da população foi votar, e esta estatística foi caindo gradativamente até atingir cerca de 47% em 2017. Isto denota que apesar da democracia chilena ter apresentado uma saudável alternância no poder nos últimos anos, a população em geral se mostrou complacente e indiferente a este fundamental direito.
Assim, vejo o Chile como um país que se acomodou de alguma forma à sua aparentemente saudável democracia, e acordou mais recentemente para o fato de que toda democracia deve ser efetivamente praticada para que seja mais eficiente. Pelo fato de ver o Chile acordando em 2020 para seus novos desafios sociais, minha percepção é que trata-se de um passo natural na evolução de um país que vinha seguindo um caminho democrático positivo, apesar de mais ausente (por decisão de parcela importante de seus cidadãos). E finalmente, pela perspectiva de que a constituição vigente ainda seja a da era Pinochet, a hora é mais do que adequada para que seja mudada.
CONCORDA EM PARTES
Thomas Henrique Lopes Tavares
Analista de Relações Internacionais e Colunista de Política Internacional na Revista Relações Exteriores
Em particular penso que o nosso vizinho sul-americano está a vivenciar aquilo que os alemães chamam de Zeitgeist (o espírito do tempo). De fato, existe hoje no país um sentimento massivo de contestação a Carta Magna estabelecida por Augusto Pinochet. Este sentimento é fruto de um longo processo histórico, que teve seu início com a ditadura pinochetista e que no transcorrer dos anos fora ganhando maior adesão, especialmente durante a redemocratização do país.
Logo, o sentimento de lealdade nacional chilena não reconhece mais a Carta Magna como um símbolo próprio daquele tempo ou daquele povo, o que explica as manifestações populares pedindo por reparação e maior participação democrática. Todavia, junto ao fato da Carta de 1980 não refletir mais a imagem do povo chileno, existe também a demanda por melhores políticas públicas.
A atual constituição chilena é muito engessada em uma série de aspectos, e em grande medida acaba por reservar a iniciativa privada muitas atribuições que deveriam ser papel do Estado, como saúde, educação, aposentadoria, et al. Obter esses serviços básicos no Chile hoje se torna muito custoso para a maioria da população, o que gera um grande índice de desigualdade social no país, embora este apresente um crescimento econômico ascendente.
Em suma, podemos sim afirmar que a memória coletiva do povo chileno acerca da violenta ditadura de Pinochet reflete-se de forma basilar nas manifestações assistidas. Contudo, para além desta questão mais sintomática, existe também uma união do povo chileno em prol de melhores políticas públicas e mudanças sociais.
CONCORDA EM PARTES
Jackson Bitencourt
Doutorando em Geografia Política, pesquisador e colunista da Revista Relações Exteriores
As manifestações sociais que culminaram na realização de um plebiscito que legitimou a convocação de uma Assembleia Constituinte representam a ampliação da cidadania na sociedade chilena. Embora seja possível identificar demandas relacionadas à participação democrática e à superação de resquícios de dispositivos legais decorrentes do período ditatorial, essas manifestações sociais buscam, acima de tudo, um Estado que satisfaça reivindicações coletivas, notadamente, a ampliação da participação social e a redução de desigualdades socioeconômicas.
Essa tendência pode ser identificada, por exemplo, na presença de mais de 50% dos eleitores nessa votação, em um contexto de pandemia de Covid-19 e de voto não obrigatório, que resultou na aprovação de quase 80% da realização de uma nova Constituição. Além disso, pela primeira vez na América do Sul uma Assembleia Constituinte será formada com base na equidade numérica entre homens e mulheres. Assim, a soberania popular tem demonstrado, além do esgotamento do modelo político e econômico da era Pinochet, que a sociedade chilena almeja um padrão de Estado pautado nas demandas dos diversos segmentos sociais, em que o desenvolvimento econômico proporcione qualidade de vida e, por conseguinte, um processo continuado de desenvolvimento de iniciativas cidadãs.
CONCORDA EM PARTES
Davi Antonio Guimarães
Bacharel em Relações Internacionais e em Ciências Econômicas pelas Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisador voluntário na revista Relações Exteriores
A onda de manifestações que tomou conta do Chile desde 2019 e culminou no plebiscito de outubro passado, aprovando a formação de uma Assembleia Constituinte engloba dois fatores estruturais que conversam entre si (um sociopolítico, e um socioeconômico) e questões conjunturais, catalisadoras da revolta.
O fator sociopolítico perpassa pelas críticas constantes à manutenção da Constituição chilena, da época da ditadura de Pinochet (apesar de suas consecutivas reformas já no regime democrático). Essas discordâncias giravam em torno de pautas de valores e costumes e, principalmente, da manutenção do regime neoliberal, que prega o Estado mínimo e a prestação de serviços básicos a partir de uma lógica de eficiência privatista, que provoca o segundo fator, socioeconômico.
A partir da égide neoliberal imposta pela ditadura e sua manutenção na democracia, a economia chilena, apesar de constantes crescimentos, não foi capaz de diluí-los para toda a sociedade; convivendo com uma desigualdade social cada vez mais gritante, com as massas trabalhadoras em uma espiral de precarização e empobrecimento, diante do crescentemente elevado custo de vida.
O enlace final recai sobre questões conjunturais: regionalmente, apesar de certa estabilidade econômica, o Chile não deixou de sentir o impacto da crise econômica que tomou conta da América Latina. Nacionalmente, aconteceu uma escalada dos conflitos entre a polícia chilena e os indígenas mapuches, bem como não se pode descartar a influência de movimentos de rua que estouraram pelo mundo.
Concorda totalmente
Camila D. Carvalho
Colunista da Revista Relações Exteriores e Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais
A ditadura Pinochet no Chile foi precedida por uma duradoura democracia no continente, que foi destruída, também, pela ingerência estadunidense no continente no que se refere, em primeiro momento, ao investimento na derrubada do presidente Allende. O general Pinochet tomou o poder em 1973 e concentrou o Estado nas forças armadas reorganizadas. Em se tratando do regime mais truculento cuja barbárie superou, em perdas, as demais ditaduras do continente, um dos primeiros elementos para a manutenção do regime era assegurar que os mecanismos que permitem sua perpetuação estivessem sob seu controle. Portanto, quanto a Constituição de 1980, tem-se um conjunto de elementos que ditam as regras do jogo político, como o quórum de aprovação de emendas e o favorecimento dos partidos de direita; além do enfraquecimento dos direitos sociais, como a saúde pública, que, no texto de 80, aparece como “fruto” de parcerias público x privadas.
Atualmente, um movimento social da sociedade civil chilena ganhou destaque em 2019 após uma série de protestos que indicavam, também, o descrédito perante as instituições e à Constituição. O plebiscito de aprovação da nova carta magna do país atribui uma série de mudanças, em se tratando, novamente, do aspecto político, propõe o critério de proporcionalidade de gênero e região. O governo democrático, segundo Dahl, passa pelo critério da qualificação igualitária entre os participantes de uma associação. Veja, em uma perspectiva institucional, se, por um lado, para a manutenção do regime ditatorial as regras do jogo institucional importavam, a remodelação dessas é igualmente importante para o estabelecimento da democracia no país.
A projeção de um país que visa ser progressista e democrático deve passar, sistematicamente, pelo encontro com a história. Aqui importa analisar o desenvolvimento do Estado e a edificação das regras do jogo. Destarte, a justificativa para o entendimento de que, sim, a aprovação desse plebiscito chileno é, certamente, um acerto de contas com as reminiscências de um passado doloroso e truculento, reside tão somente, para os fins aqui expostos, no entendimento de que as instituições importam.
Concorda totalmente
Thiago Augusto Lima Alves
Mestrando em Relações Internacionais, especialista em Direito Constitucional, internacionalista e advogado.
A constituição chilena já havia sido modificada nos anos de 1989 e 2005 pela via tradicional. Assim, depois das modificações ocorridas, alterações importantes já haviam sido feitas, principalmente em 2005, quando houve, por exemplo, a extinção de senadores nomeados. Porém, as transformações ocorridas não traziam o “gostinho” de legitimidade, aceitabilidade e autenticidade para os eleitores chilenos. Analisando em um contexto macro, as manifestações e o plebiscito de 2020 no Chile fazem parte de um processo de ampliação de participação democrática que ainda está em curso.
Mesmo já não sendo uma ditadura desde 1990, esse período da história chilena deixou fortes marcas. O próprio general Pinochet, depois que o período ditatorial terminou, ainda manteve bastante influência, até sua detenção em 1998, na cidade de Londres, época em que foi indiciado pelo crime contra os direitos humanos na mais alta corte penal internacional, o Tribunal de Haia.
Assim, penso que os últimos acontecimentos no Chile são um convite irrecusável para uma nova era de fortalecimento dos Direitos Humanos e da democracia, pois nesse país mais de 75% do eleitorado mostrou-se resiliente em conquistar mais um degrau da solidez institucional e respeito pelos Direitos Humanos.
Concorda totalmente
Marco Antonio Lima da Cruz Filho
Advogado, pós-graduando em Direito Internacional pela PUC/SP. Case Manager do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Pesquisa e comenta sobre Direito Internacional dos Direitos Humanos, Solução de Controvérsias Internacionais e Arbitragem Internacional.
Frente à uma histórica reforma constitucional, faz-se necessário rememorar ativo papel da sociedade chilena nos protestos de 2019 e 2020, em que manifestos face à tarifa do metro englobaram pautas como a distribuição desigual de renda, acesso restrito à saúde e disparidade no usufruto da educação. Exige-se, nos termos escritos pelo Human Development Report 2019, progressão na política para desenvolvimento nacional, combate à desigualdade, amplo acesso à assistência e combate à discriminação (PNUD, 2019).
A nova Carta fundamental, portanto, busca eliminar quaisquer traços de tempos obscuros. O contexto é altamente inovador, em que 100% dos membros da convenção constituinte serão eleitos exclusivamente para tal fim, sendo útil citar, nos termos de Marta Contreras, o acordo de livre comércio entre Chile e União Europeia de 2002, cuja vertente política dispõe de cláusula democrática, devendo ser respeitada e aplicada pelos mencionados membros no novo texto político (CONTRERAS, 2020).
Nesta linha, imperioso destacar fundamental influência do Direito Internacional no que será redigido, demandando uniformização às disposições de direitos sociais, econômicos, culturais, políticos e ambientais sob uma perspectiva transnacional e transcivilizacional.
CONCORDA TOTALMENTE
Andreia G. P. Aizawa
Advogada Civil e Internacional, Pesquisadora Voluntária da Revista Relações Exteriores
Concordo totalmente que as manifestações tem resquícios do passado ditatorial. Todavia, há que se analisar alguns pontos importantes que culminaram com essa participação mais democrática.
Vimos nos noticiários internacionais que as primeiras manifestações em outubro de 2019 foram desencadeadas por causa do aumento na tarifa do metrô de Santiago e, consequentemente, foram estendidas nos dias seguintes juntando-se ao coro de outras causas, dentre elas o movimento feminista chileno que pressionou a classe política e encontrou apoio em especialistas e nos dirigentes de esquerda e direita. Esse movimento conseguiu empurrar uma proposta de paridade na política e parlamento chileno, sendo um dos motivos que possibilitou estabelecer em abril de 2021, uma Assembleia Constituinte para elaborar um novo texto da Carta Magna chilena.
Para além disso, podemos dizer que o processo iniciou-se um pouco antes. No governo de Michelle Bachelet (2014-2018) houve a aprovação da Lei de Cotas, que obrigou os partidos políticos a terem 40% de mulheres entre os seus candidatos, e em 2017 a presença feminina passou de 16% para 23%. Isto é pouco, mas permitiu maior voz no parlamento e, em um segundo momento, a votação paritária, isto é, uma votação interna, de sistema proporcional, alternando entre mulheres e homens.
Essa maior participação feminina mostra que as mulheres eram um grupo reprimido do passado ditatorial que encontrou novos caminhos, os quais possibilitou a paridade e participação na política. Destaca-se que 52% da população chilena são de mulheres, o que dá margem para no futuro ter um crescimento ainda maior no parlamento. Entretanto, não sabemos se essa representatividade será inserida na nova Constituição, pois a sistemática de poder no Chile é muito concentrada.
Assim, o fato é que a Constituição a ser votada no Chile abrirá um precedente na América Latina benéfico, que imprimirá uma nova ótica na região, permitindo o avanço de grupos que antes não tinham representatividade, mostrando-nos que é possível uma maior participação das minorias, através dos movimentos políticos e grupos populares de representatividade.
CONCORDA TOTALMENTE
Julia Cassia
Colunista da revista Relações Exteriores e Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais
As manifestações no Chile foram iniciadas com o anúncio de que as passagens de metrô aumentariam em torno de 30 pesos. Logo de início acompanhamos grande movimentação contra tal decisão e, mesmo com a suspensão do aumento, houve o fortalecimento dos movimentos – dessa vez contra a constituição vigente. Baseando-se nos resultados das votações do plebiscito, fica claro o descontentamento dos chilenos frente à condução da política nacional do país. A baixa abertura para participação populacional e a privatização de serviços como saúde e educação, frutos do período ditatorial de Pinochet, fizeram com que a maior parte da população ingressasse em uma onda de reivindicações políticas e econômicas no país. Independentemente das críticas feitas acerca de como foram conduzidas tais manifestações, a votação realizada mostrou que as requisições eram consenso entre habitantes do país.
CONCORDA TOTALMENTE
Leila Fonseca
Analista de TI no TRE-GO, cientista da computação e analista de Relações Internacionais. Colunista da Revista Relações Exteriores.
A atual Constituição chilena, concebida em 1980 na ditadura militar de Augusto Pinochet, sem uma participação cidadã democrática, é caracterizada por um Estado mínimo que não oferece diretamente os benefícios relacionados à saúde, educação e previdência social. A ditadura de Pinochet, apontada por muitos como liberal-fascista, foi uma das piores e mais violentas da América Latina, apoiada pelo financiamento da burguesia e dos Estados Unidos.
A privatização foi um dos pilares do regime em áreas como a educação e a saúde. Os manifestos, iniciados em 2019, reivindicam uma maior participação e envolvimento do Estado em fornecimento de serviços básicos. Mesmo com as reformas anteriormente ocorridas, os aspectos neoliberais da Constituição vigente são pontos intocáveis e os direitos econômicos prevalecem em relação aos sociais, ou seja, o legado pinochetista continuou, apesar da saída do ditador.
Os cidadãos foram às ruas para protestar contra a desigualdade e exigir a implementação de profundas reformas sociais. Embora o Chile tenha avançado nos últimos anos, no tocante à diminuição da pobreza, a desigualdade social persiste, mantendo uma distância acentuada entre ricos e pobres, o que impacta na viabilização de oportunidades. Por isso, a nova Constituição é vista como o caminho para o alcance de um país mais justo, equânime e inclusivo, com um Estado desempenhando uma função social.
Além disso, ao elegerem os que irão redigir a nova Constituição, os chilenos terão, de fato, uma representatividade e participação democráticas. A formação da Assembleia Constituinte, além da paridade de gênero, será formada por novos membros eleitos, sem necessidade de filiação partidária. Por outro lado, a ala conservadora tentará reduzir, ao máximo, uma mudança radical na nova Constituição, temendo uma grande instabilidade no país.
Concorda totalmente
Danilo Ferreira
Relações Internacionais (Uni-BH), Colunista na Revista Relações Exteriores, Técnico em Áudio e Vídeo,
A onda de protestos contínuos que vem desde o final de 2019, somada ao comparecimento em massa na votação do plebiscito num país onde o voto não é obrigatório, atestam de forma absoluta a vontade da população chilena em assumir a responsabilidade pelos novos rumos de seu país. As políticas neoliberais no Chile trouxeram resultados aparentemente muito positivos, a nível macroeconômico, que o colocaram como maior expoente desenvolvimentista da América Latina.
Entretanto, as benesses do progresso são repartidas de forma altamente questionável e isso se reflete na essência do clamor popular. As desigualdades se perpetuam de forma estrutural; a aversão ao Estado de Bem estar social como postura adotada pelo governo ditatorial postulador da atual constituição resultou também em índices de pobreza que se refletem de forma objetiva em problemas como o endividamento geral da população, o que inclusive é muito perigoso em termos de saúde econômica a longo prazo, além de problemas previdenciários, que de forma contraditória deixam na mão justamente a geração que trabalhou para gerar tal crescimento. Há que se mencionar também a escolha pela opção da assembleia constituinte mista que juntamente aos demais pontos trazidos deixam nítido pra mim o desejo de rompimento com o passado mencionado na afirmativa.
Concorda totalmente
Lucas Mondin Scherer
Analista de Relações Internacionais, Mestrando em direito das Relações Internacionais pela Universidade de la empresa (UDE). Colunista na Revista Relações Exteriores.
Em relação à pergunta exposta, antes de entrar diretamente na resposta, é necessário ser feito uma breve analogia sobre os fatos. A constituição barrada no plebiscito solidificou o modelo neoliberal, redigida pelo colaborador de assuntos jurídicos do governo ditatorial de Pinochet, Jaime Guzmán.
A Carta Magna de 1980, criada sem a participação do povo, excluía direitos fundamentais, como o acesso universal e gratuito à educação, saúde, seguridade social, et al. Mesmo com o fim do governo Pinochet, em 1988, não houve modificação na Constituição chilena. A constituição introduzida pelo governo pinochetista assinalou como função sine qua non garantir o funcionamento dos negócios, protegendo a propriedade privada e o mercado financeiro em detrimento dos direitos básicos de sua população.
Tendo em vista esses fatos, o Estado chileno vivenciou um aumento significativo de endividamento da sua população estudantil, de idosos e da classe trabalhadora no geral, mesmo tendo pago um alto preço para ter acesso às universidades, saúde e aposentadoria. Com políticas neoliberais, na qual até as águas chilenas são privatizadas, uma insatisfação se acalentou perante a sociedade chilena, levando a população às urnas para expressar seu voto contra a semente vigente do governo autoritário de Pinochet.
Além do abandono das políticas públicas, outra característica herdada da ditadura de Pinochet são as fortes repressões militares protagonizada pelos carabineiros, como é conhecida a polícia militar chilena. Violentas atuações do Estado nos protestos também foi um dos fatores que levou a população chilena a repulsar a constituição chilena.
Baseado nessa breve análise sobre a conjuntura política chilena, na visão deste pesquisador, concordo plenamente com o tópico da pergunta. A população anseia por reformas estruturais, na criação de uma nova constituição democrática que abarque os interesses da maioria dos cidadãos chilenos, isto é, dos quase 80% de chilenos que votaram por esta possibilidade e que desejam modificações em áreas da saúde, da educação, da redução das desigualdades em torno de categorias socioestruturais, tais como classe, gênero e etnia, et al.