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Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT) – 10 de setembro de 1996

O Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, mais conhecido como Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty (CTBT) em inglês, foi celebrado em 10 de setembro de 1996 como fruto de anos de discussões acerca da necessidade de limitar os testes nucleares no mundo. Seu texto estabelece medidas proibitivas bem como um complexo sistema internacional de monitoramento de testes nucleares a fim de eliminar a ocorrência de “[…] explosão experimental de armas nucleares ou qualquer outra explosão nuclear e a proibir e impedir qualquer explosão nuclear em qualquer lugar sob sua jurisdição ou controle” (ONU, 1996). 

Antecedentes Históricos

Apenas com o final da guerra fria, já na década de 90, o cenário internacional passou a se apresentar como propício às negociações em favor de um tratado para frear os testes nucleares no mundo. 

Segundo Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio (2012), foi neste período em que os obstáculos políticos pareciam se dissolver, havendo então uma abertura para o diálogo rumo a um Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT). “O ambiente internacional mais sereno após o fim da guerra fria, permitiu a colaboração entre a Rússia e os EUA em matéria nuclear” (SAMPAIO, 2012, p. 69).

Apesar das negociações em favor do CTBT terem ganhado força na década de 90, ainda durante o período da guerra fria houve um primeiro ensaio de negociações, visando frear os testes nucleares no mundo. Em 1963, o presidente americano John Fitzgerald Kennedy declarou que a conclusão do Tratado Limitado para a Proibição de Testes Nucleares (LTBT), antecessor do CTBT, era uma meta importante para se alcançar a estabilidade no mundo. 

A partir de 1992, foram observadas moratórias nucleares sendo adotadas unilateralmente. Os Estados Unidos aprovaram, naquele mesmo ano, a lei Exxon-Mitchell-Hatfield, que estabeleceu uma moratória unilateral de testes nucleares no país.

No ano de 1994, os chamados P5, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – concordaram em realizar negociações de um Tratado de Proibição de Testes Nucleares. O texto de difícil negociação atinge aspectos importantes relacionados à segurança nacional e regional (SAMPAIO, 2012), trazendo à tona questões ligadas a desconfianças de conflitos antigos. Somente em 1996 o Tratado foi finalmente concluído. No entanto, até hoje, 25 anos após a conclusão do texto, o acordo ainda não entrou em vigor.

O Tratado


O Tratado, que visa banir experimentos que envolvam explosões e testes nucleares, já foi assinado por 182 países. O artigo XIV estabelece que o acordo entrará em vigor 180 dias após a ratificação de 44 Estados, que inclui o Brasil. Destes, ainda falta a ratificação de oito países – Estados Unidos, Israel, Egito, Irã, China, Coreia do Norte, Índia e Paquistão -. Entre eles, somente a Índia e o Paquistão sequer são signatários do documento.

Segundo o autor Paulo Henrique Gonçalves Portela (2021) a assinatura de um tratado apenas celebra a concordância sobre os termos do acordo entre os negociadores. No entanto, essa é uma etapa inicial que não produz efeitos jurídicos. Somente após a ratificação, quando o Estado signatário reforça o seu interesse nos termos do acordo, que o texto entra em vigor. Em geral, os textos determinam quantos signatários precisam ratificar o acordo para que ele passe entre em vigência. 

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem intermediado as discussões sobre o CTBT. Para o secretário-geral, António Guterres, o acordo é essencial para o avanço do desarmamento nuclear no mundo. Segundo o organismo internacional, cerca de 2 mil testes nucleares foram realizados entre 16 de julho de 1945 até 2019.

Em termos estruturais, o documento é composto por um preâmbulo, 17 artigos, dois anexos e um protocolo. O Artigo I estabelece a proibição total de explosões nucleares, sejam subterrâneas, marítimas ou atmosféricas, inclusive aquelas por finalidade declaradamente pacífica ou até mesmo científica. De modo complementar, o Artigo II vem para definir a criação de uma organização internacional que será responsável pela verificação do seguimento de suas provisões, quando o acordo estiver vigente.

Cabe destacar, também, o papel do Artigo IV, que embasa a criação de um Regime Global de Verificação (ONU, 1996) composto por um Sistema Internacional de Monitoramento, que prevê a instalação de mais de 300 estações de verificação nuclear pelos quatro continentes do mundo, um Centro Internacional de Dados (International Data Center), responsável pela compilação dos dados da rede de estações, além de um mecanismo de inspeções locais em casos de solicitação formal dos Estados parte.

Por último, o Artigo XIV é responsável por conferir peculiaridade ao Tratado. O texto, em sua íntegra, define que somente passarão a vigorar as medidas estabelecidas após a ratificação de quarenta e quatro países listados nominalmente em seu Anexo II, dentre os quais todos faziam parte da Conferência do Desarmamento (1994) e tiveram participação ativa nas negociações dos termos.

TECNOLOGIA NUCLEAR PARA FINS PACÍFICOS

Apesar da tecnologia nuclear poder ser utilizada para diversos fins pacíficos. Segundo Sampaio (2012), “todos os países que hoje detêm armas nucleares começaram com programas civis”. A autora aponta ainda que é conveniente que os países integrantes do Anexo II, aqueles que possuem tecnologia nuclear para fins pacíficos, ratifiquem o CTBT como um “‘certificado de garantia’ de que o país efetivamente não tem a intenção de deslocar tecnologia e material físsil de seu programa nuclear civil para a produção de armas” (SAMPAIO, 2012, p.114)

A GEOPOLÍTICA POR TRÁS DO TRATADO

À luz da sua época, o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares representou para o mundo o alívio de anos de tensão geopolítica decorrentes da Guerra Fria entre a União Soviética e os Estados Unidos da América. Ademais,  a possibilidade de estabelecer, em comum acordo, um documento que servisse de orientação e estabelecesse regras que findassem o uso dos armamentos nucleares era um passo importante para o término das desigualdades nucleares acentuadas pela política do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Desse modo, Sérgio Duarte (2013) afirma que os Estados Parte não veem o tratado com um fim em si mesmo. Há o reconhecimento internacional de que ele promove o multilateralismo e a cooperação em matéria de energia nuclear, o que ameaça o monopólio dos P5 sobre o tema. 

Dessa maneira, há resistência, por parte de algumas nações, à ratificação dos termos presentes no tratado. Como já dito anteriormente, das quarenta e quatro nações listadas no Anexo II, oito ainda estão pendentes de ratificarem o texto, o que configura empecilho para que o documento entre em vigor. Diversas são as implicações dessa oposição para a cena geopolítica mundial, especialmente a não aderência estadunidense ao texto. 

A cultura norte-americana com relação às armas nucleares e ao seu uso (ou ameaça de uso) foi uma das propulsoras do armamento internacional, principalmente durante a Guerra Fria. O país, com seu status de potência internacional, levou a cabo um projeto ideológico que incitou políticas armamentistas como forma de proteção à segurança nacional. Assim, “deixar o tratado no limbo é um risco para toda a comunidade internacional” (DUARTE, 2013) porque o sentimento político frente aos Estados Unidos tem papel importante na definição ou não da ratificação do CTBT pelos países. 

Apesar disso, o Senado estadunidense rejeitou a proposta em votação no ano de 1999, quando dos 67 votos necessários apenas 47 votos favoráveis foram alcançados, representando uma perda simbólica rodeada de controvérsias e contestações na qual até mesmo hoje, Joe Biden, atual presidente do país, encaminhou carta aos senadores demonstrando sua concordância aos termos e reafirmando a necessidade de ratificação (SAMPAIO, 2012).

Consonantemente, a política estadunidense contemporânea não dá sinais de flexibilização. A saída do tratado de desarmamento INF em 2019, além das declarações de membros do legislativo defendendo o corte de gastos  com o regime do CTBT (DALCIN, 2021) são algumas das várias demonstrativas do Governo Trump de que a pauta perdeu espaço no Congresso de maioria republicana. O próprio chefe de Estado, Donald Trump, demonstrou preocupação com o aumento do poderio nuclear internacional de seus dois maiores rivais em termos estratégicos: a Rússia e a China. A elaboração do “Nuclear Posture Review” em 2018 embasou as medidas anti-desarmamento da administração e distanciou ainda mais o mundo da vigoração do CTBT.

Tão importante quanto os Estados Unidos da América, a China também não ratificou o tratado. Porém, já deixou claro seu compromisso e interesse em o fazer, caso os EUA também o faça (SAMPAIO, 2012). Demonstrando o jogo geopolítico em torno das duas superpotências mundiais que exercem influência decisiva.

A autora Sampaio (2012) ressalta que para convencer um país a deixar de seguir em frente com um programa nuclear bélico é necessário “identificar, contemplar e sanar, de forma abrangente, as preocupações específicas de cada país” (SAMPAIO, 2012, p. 113). 

A maioria dos países da lista daqueles com resistência em assinar ou ratificar advém de regiões marcadas por conflitos regionais históricos. É possível perceber motivações ligadas à segurança internacional em todos eles. Muitos vivenciam conflitos históricos e tensões geopolíticas que embasam seus argumentos de manutenção dos seus programas nucleares.  

Na Ásia, local onde os conflitos foram intensificados pela guerra fria e a polaridade entre EUA e URSS no período, o Paquistão viu-se obrigado, segundo Sampaio (2012), a criar um programa nuclear após a Índia estabelecer o seu programa. Os paquistaneses receberam apoio da China, que por sua vez tem interesse em enfraquecer a Índia (SAMPAIO, 2012).

Já no Oriente Médio, região marcada por tensões históricas, é considerada pela pesquisadora Sampaio (2012) como o “cerne de resistência” ao acordo. O Egito, Irã e Israel chegaram a assinar o tratado, no entanto, não chegaram a ratificá-lo. Tais nações argumentam sobre a necessidade dos seus programas nucleares em virtude das tensões e disputas internacionais às quais estão envolvidas, trazendo à tona suas questões de segurança perante a comunidade internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A posse e a utilização de armas nucleares, como fruto da Guerra Fria, representam demonstrações de força perante a sociedade internacional e compõem o quadro de instrumentos utilizados pelos países em termos de Segurança Internacional. Paradoxalmente, essas ferramentas também são uma ameaça à própria Segurança Internacional ao passo que desequilibram as relações de poder. 

É notável, portanto, a importância do CTBT e das suas provisões para o arranjo geopolítico mundial, e, consequentemente, a ratificação dos oito países que ainda não o fizeram. Surge então o questionamento de como e principalmente quando isso ocorrerá. Terá a política de Joe Biden, atual presidente estadunidense e que já se mostrou favorável ao texto, papel decisivo na sua vigoração? Essa questão será respondida apenas com o passar dos anos.

Referências

DUARTE, Sergio. The Future of the Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty. United Nations <<https://www.un.org/en/chronicle/article/future-comprehensive-nuclear-test-ban-treaty>> Acessado em 26 de agosto de 2021. 

ONU. Em Dia Internacional contra Testes Nucleares, ONU destaca que mundo está em crescentes tensões. <<https://news.un.org/pt/story/2019/08/1685091>> Acessado em 26 de agosto de 2021.

PORTELA, Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público Privado Incluindo Noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. Salvador: Editora JusPODIVM, 2021.

RAMALHO, Marcus Vinicius. O tratado de proibição completa de testes nucleares e o conceito de “explosão nuclear”. 

SAMPAIO, Maria Feliciana Nunes Ortigão. O Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT): Perspectivas para sua entrada em vigor e para a atuação diplomática brasileira. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2012.

SILVA, Felipe Dalcin. Armas nucleares sub-estratégicas como ferramentas de intimidação dos Estados Unidos da América. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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