Nesta sexta-feira, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) completou 30 anos de sua criação. Em 26 de março de 1991, os presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, marco jurídico fundador do maior projeto de integração regional na América do Sul. Ao longo destas três décadas, o Mercosul expandiu seus objetivos de uma pura inserção no comércio mundial para um viés multitemático.
O Mercosul se originou em um esforço de aproximação e construção de confiança entre Brasil e Argentina via negociações no âmbito bilateral. Embora tenham ocorrido aproximações casuais ao final dos regimes militares destes países, foi no período da redemocratização – na segunda metade dos anos 1980 – que houve um grande impulso neste empenho a partir de uma série de reuniões entre os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín. O resultado disso foi o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), que estabelecia um processo de incentivo ao intercâmbio comercial, harmonização e compatibilidade de diversos setores econômicos e produtivos de ambos os países.
Neste meio tempo, o Uruguai e o Paraguai, por se tratarem de economias menores, fortemente dependentes dos seus grandes vizinhos, e temendo possíveis dificuldades econômicas caso estivessem fora da integração, solicitaram o ingresso no projeto. As negociações, outrora bilaterais, tiveram como resultado final a assinatura do Tratado de Assunção em 1991, que estabeleceu o Mercosul.
O início da década de 1990 foi um período de grande avanço comercial e de desenvolvimento jurídico-institucional no bloco. Neste período, seus países-membros abriram seus mercados para o comércio intrabloco e buscaram uma inserção conjunta nas Cadeias Globais de Valor. Ao mesmo tempo, avançaram negociações, construíram paradigmas jurídicos e introduziram a chamada “cláusula democrática” no regramento institucional – que destaca o respeito à ordem democrática como fundamental para a integração regional.
Esta euforia inicial, no entanto, começou a perder força na segunda metade da década. Após as crises econômicas russa e asiática, a comunidade internacional temia algo similar nas economias latino-americanas. A perda de confiança internacional, vinculada à baixa competitividade das indústrias nacionais, a falta de liquidez das economias – consequência da abertura indiscriminada de mercados e de outras políticas econômicas de cunho neoliberal dos anos 1990 – e a explosão das dívidas externas, levou a graves recessões nos Estados-Parte, e a mudanças nas suas políticas econômicas. Isso acabou impactando negativamente a ideia do Mercosul comercial, que não retornou a este patamar.
Os anos 2000 foram marcados por crises econômicas e também na própria identidade do Mercosul. Expostas suas limitações diante das dificuldades nacionais, se fez necessária uma remodelação dos seus objetivos, para abarcar temas além do comércio. Neste período, houve a ascensão de uma série de governos com projetos progressistas na América do Sul – tendência essa denominada de “onda rosa” – cujas preocupações com questões sociais foram transpostas para os sistemas regionais de integração.
Diante disso, houve um grande esforço de fortalecimento jurídico e institucional do Mercosul, dotando-o de um conjunto de mecanismos técnicos voltados a pautas como educação, cultura e trabalho, sem abandonar os objetivos econômico-comerciais. Outra grande movimentação no bloco foi a sua expansão, com a agregação dos países sul-americanos como membros associados e a entrada da Venezuela como membro pleno. Estas mudanças tiveram como resultados o aumento da importância do bloco e da complexidade de suas decisões.
Os anos 2000 foram um período de grande convergência política, grandes projetos e avanços para a integração regional, que foram sustentados a partir das receitas internacionais do chamado boom das commodities agrícolas. Neste período, as economias nacionais foram paulatinamente reprimarizadas, e houve uma continuidade da perda da competitividade das indústrias nacionais.
Já na segunda metade da década, os países latino-americanos começaram a sentir os efeitos da crise econômica mundial desencadeada pelos EUA. A vulnerabilidade destes Estados diante de um mercado em baixa – associado ao desgaste dos mandatos progressistas e a um movimento global de reação (ultra) conservadora – levou ao fim da “onda rosa” e a ascensão de governos que buscavam uma retomada do projeto de integração comercial e da negociação de acordos de livre-comércio, com menos enfoque nas questões sociais.
Foi em meio a este cenário que ocorreu a suspensão do Paraguai (2012-2013), após uma grave crise política. Esta suspensão abriu espaço para a adesão efetiva da Venezuela como membro pleno do Mercosul – a qual era oposta pelo Paraguai. No entanto, sua participação foi limitada e esta seria suspensa em 2017, sob o argumento de violação da “cláusula democrática”. Já a Bolívia, que iniciou seu processo de adesão formal em 2015, ainda aguarda o aceite brasileiro para sua entrada definitiva.
Na atualidade, nota-se um Mercosul dividido, questionado. No âmbito comercial, o bloco fechou um importante acordo com a União Europeia – um dos seus parceiros tradicionais – que abarca desde o fim das tarifas comerciais e definição de cotas agrícolas até questões trabalhistas e ambientais. No entanto, vale destacar que o acordo não está em vigor e já sofre uma série de questionamentos por parte dos europeus, resultantes do descumprimento das medidas de preservação ambiental, em especial pelo Brasil.
No plano político-institucional, por sua vez, se tornaram frequentes os questionamentos e críticas de determinados setores à morosidade, engessamento e falta de dinamismo da estrutura do bloco. Isto é evidente em propostas de flexibilização de regras, que focam em um desenvolvimento e inserção internacional individual e se afastam da lógica de ação coletiva e/ou regional.
A atual pandemia causada pelo SARS-CoV-2 exacerbou ainda mais as dificuldades econômicas dos países-membros e evidenciou uma nova fragilidade no Mercosul. Assim, é clara a necessidade de novas reformas e ações conjuntas e coordenadas entre os membros, de forma a criar condições de continuidade e até de fortalecimento institucional do bloco.
Referências bibliográficas:
CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 5ª ed. rev. ampl., – Brasília: Editora UnB, 2015.
GUIMARÃES, Davi A. A entrada da Venezuela no Mercosul: do protocolo de adesão ao “rito sumário”. 2017. 66 f. Trabalho de Conclusão de Curso – FACAMP, Campinas, 2017.
__________________. Assimetrias no Mercosul: entrave chave para uma maior integração regional. 2018. 49 f. Trabalho de Conclusão de Curso – FACAMP, Campinas, 2018.
MACHADO, João B. M. Mercosul: processo de Integração: Origem, Evolução e Crise. São Paulo: Ed. Aduaneiras Ltda., 2000.
RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil (1750-2016). 1ª ed. – Rio de Janeiro: Ed. Versal, 2017.
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