O livro “O Brasil não cabe no quintal de ninguém: Bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira lata”, escrito por Paulo Nogueira Batista Jr. – economista e representante do país em organizações internacionais –, tem como objetivo ser uma obra de memórias do autor. Segundo ele, o propósito do livro é “apresentar depoimentos sobre episódios que vivenciei diretamente sem complementá-los com informações indiretas, relatadas por terceiros” (p. 11). Esses episódios se baseiam em dois momentos da vida do autor e são a grande parte do conteúdo da obra: (i) quando ele foi diretor-executivo no FMI pelo Brasil; e depois, (ii) vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS.
Desenvolvendo-se em seis grandes capítulos, o livro se divide nos relatos da vida do autor como delegado brasileiro nessas instituições e em textos e crônicas onde ele apresenta suas opiniões pessoais sobre os mais diversos temas, desde a vida pessoal até perfis de lideranças políticas. Porém, engana-se aquele que pensa que o livro se trata apenas de trivialidades e não seja valoroso em conteúdo analítico, muito pelo contrário.
O autor teve o privilégio de participar de uma nova fase da política externa brasileira, durante os períodos dos governos Lula e Dilma. Conforme escreve:
Caco da minha participação em três grandes projetos inacabados e problemáticos: a recuperação da autonomia da política brasileira e do desenvolvimento nacional; a reforma do FMI e da governança financeira mundial; e o projeto dos BRICS, ainda embrionário, de construir mecanismos independentes de financiamento internacional.
Batista Jr (2019, p. 12)
Dessa forma, o leitor pode ter um relato de uma percepção que muitas das vezes é negligenciada dentro da maioria da literatura das Relações Internacionais: a pessoalidade dos delegados que conduzem as políticas externas das suas nações. Ora, o Estado não é um ser autônomo, um organismo vivo. Mas, uma estrutura burocrática recheada de pessoas. Assim, pode-se ver as situações nas quais líderes como Lula, Christine Lagarde, Dilma Rousseff, Guido Mantega e Dominique Strauss-Kahn choram, riem, ficam nervosos e gracejam.
Além do mais, pode-se a ver importância da escolha dos tipos de delegados nacionais que têm o dever de representar os interesses dos países nesses órgãos. Isso fica muito evidente quando o autor fala da sua participação no Banco do BRICS. Ele narra que a falta de senso de missão de algumas pessoas de altos cargos nessa instituição fazia com que a rapidez e o fortalecimento dela ficassem aquém do que poderia ser. Devido ao seu caráter de memórias, o livro é de grande utilidade para quem se interessa nas personalidades de grandes líderes e nas conversas ditas nos bastidores que raramente chegam à grande mídia e noticiários.
Além disso, o autor não deixa de evidenciar as narrativas, ideias e debates que permeiam tanto suas decisões quanto as dos seus homólogos. Ele cita como o FMI foi moldado pelo debate de Keynes e White, o porquê da necessidade de uma reforma na instituição, da relevância geopolítica do BRICS, etc. Tudo isso recheado com um bom toque de humor, por vezes ácido, que acompanha as palavras ao longo das páginas.
Esse toque de acidez deve ser muito devido às suas inspirações em Nelson Rodrigues. O autor relembra, frequentemente, do dramaturgo ao lembrar do seu nacionalismo, das suas frases capazes de sintetizar toda uma ideia e principalmente pelo seu orgulho de ser brasileiro. Aliás, a nacionalidade do autor é ressaltada sempre que pode. Isso se vê no título, inclusive. Um economista brasileiro. Crítico da expressão “cidadão do mundo”, Batista Jr se mostra ancorado pelo seu nacionalismo e mostra que todas as suas decisões estavam comprometidas com o destino do Brasil e seu projeto como nação. “Nacionalismo como fio condutor”, assim o autor escreve. Isso é reforçado pela sua consideração de Getúlio Vargas como “o maior brasileiro de todos os tempos” e por algumas menções de De Gaulle e do nacionalista Maurice Marrès.
Com tudo isso, vale a pena a leitura de “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”? Depende. Assim o é porque o livro não é um tratado ou manual sobre o funcionamento das organizações nas quais o autor passou (apesar de haver momentos onde a explicação da burocracia institucional se faz presente para facilitar a compreensão do leitor). Mas é um livro de memórias. E memórias são produtos de percepções individuais criadas através de experiências individuais quase impossíveis de serem reproduzidas com exatidão. A rejeição de Descartes e das desconfianças do “Discurso do Método”, no início do livro,confirmam isso (p. 18-19). Portanto, é um livro para se obter uma perspectiva pessoal e íntima sobre eventos que explicam a política externa do Brasil e seu lugar no mundo hoje. É um livro que enriquece e instiga, traz risos e reflexões. Conforme explica o próprio Batista Jr (2019, p. 09): “O que você, leitor, encontrará nas páginas deste livro é essencialmente um relato, fragmentário, meio descosturado de uma experiência particular. Pode-se duvidar reconheço, que isso tenha grande utilidade”.
Sobre o autor: Paulo Nogueira Batista Jr., economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
Ficha técnica
Título do Livro: O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira lata
Autor: Paulo Nogueira Batista Jr.
Editora: Leya; 1ª edição (7 outubro 2019)
Idioma: Português
Capa comum: 448 páginas
ISBN-10: 8577346838
ISBN-13: 978-8577346837