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Análise comparativa entre duas técnicas: Diplomática e Arquivística

Introdução

Em uma pesquisa deve-se haver a preocupação em delimitar o campo de investigação e procurar os instrumentos que irão auxiliar na coleta e interpretação dos dados, para isso existe o emprego de metodologias que abrangem métodos e técnicas, facilitando o percurso (PEREIRA et al, 2018).  Sendo assim, na presente análise abordaremos uma comparação sobre duas técnicas de pesquisa: a análise diplomática e a análise arquivística. 

Antes de adentrar nesse estudo comparativo, precisamos compreender um pouco sobre o que são as técnicas de pesquisa em si, o que Helder (2006) exemplifica facilmente como a técnica que se vale de documentos originais, que ainda não receberam tratamento analítico por nenhum autor, buscando assim uma análise que se propõem a identificar informações de eventos passados nos documentos a partir de questões e hipóteses de interesse. 

Podemos dividir as análises documentais em dois caminhos: a pesquisa por meio de fontes primárias e a pesquisa por meio de fontes secundárias. As fontes primárias são os dados originais, a partir dos quais se tem uma relação direta com os fatos a serem analisados, ou seja, é o pesquisador (a) que analisa, podemos entendê-la como primeiro grau de informação (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Alguns exemplos de fontes primárias são os arquivos públicos, podendo ser encontrados relatórios, alvarás, panfletos, por exemplo; os documentos jurídicos também se enquadram nessas fontes, geralmente oriundos de cartórios, testamentos, escrituras de compra e venda, etc.

Já as fontes secundárias se voltam para a pesquisa bibliográfica, através de um levantamento de referências já publicadas, sua finalidade é colocar o pesquisador em contato com o que já foi publicado anteriormente, podendo ser através de doutrinas, imprensa escritas, publicações na internet. Por fontes secundárias compreende-se a pesquisa de dados de segunda mão (OLIVEIRA, 2016), ou seja, informações que foram trabalhadas por outros estudiosos e, por isso, já são de domínio científico, o chamado estado da arte do conhecimento (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).

A presente análise comparativa traz duas técnicas de coleta de dados utilizadas na pesquisa documental através de fontes primárias: a diplomática e a arquivística, demonstrando que mesmo ambas se enquadrando em uma mesma categoria e usufruindo de um mesmo objeto, ainda assim podem se distinguir em determinados pontos, e ao mesmo tempo que se fundem e criam uma nova ciência documental.

A análise diplomática 

Segundo Belloto (2002), a análise Diplomática, como o próprio nome já nos diz, ocupa-se da estrutura formal dos atos escritos de origem governamental e/ou notarial, lidando com documentos que são originados das autoridades supremas, dessa forma, os documentos são possuidores de fé pública. Dessa forma, as informações retiradas desses documentos transmitem uma maior segurança para a pesquisa, pois são fornecidas por testemunhos escritos de atos de natureza jurídica, redigidos em observância a fórmulas estabelecidas que se destinam a dar-lhe fé e força de prova (CONTRERAS, 1981).

Em sua origem, a Diplomática esteve ligada ao estabelecimento de regras para comprovar a autenticidade dos documentos produzidos durante a Idade Média. Nos séculos seguintes, passou por mudanças em relação aos seus métodos, com estreita ligação com outros campos, tais como a Paleografia, a História e o Direito (NASCIMENTO; KONRAD, 2016).

Na identificação diplomática o documento deve reconhecer sua autenticidade à espécie, ao conteúdo, à finalidade, além de sua datação, sua origem, transmissão e fixação do texto. Para uma melhor compreensão acerca do que são os documentos diplomáticos, Belloto (2002) ressalta que podemos enquadrar os de natureza jurídica, que refletem no ato escrito as relações políticas, legais, sociais e administrativas entre o Estado e os cidadãos.

O “modelo diplomático” funciona para os documentos governamentais (relações Estado-cidadãos) do mesmo modo como funcionam as “formas notariais” no caso dos documentos privados (o registro de “fé” das relações entre cidadãos). Tanto uns como outros, se incorretamente veiculados, invalidam a aplicabilidade legal de seu conteúdo (BELLOTTO, 1981). 

Belloto (2002) esclarece que o entendimento da análise diplomática tem, entre outras vantagens, a de facilitar a elaboração de resumos de documentos, uma vez que o documentalista, conhecendo-a, há de realizar uma leitura documental mais segura, característica fundamental para uma boa pesquisa, resultando em até mesmo mais credibilidade ao pesquisador.

Embora seja uma espécie de análise tradicional e essencial para qualquer pesquisa, já que transmite uma segurança para as informações coletadas, essa técnica começou a se tornar ultrapassada por se prender a um campo limitado. Os estudos contemporâneos começaram a carecer de análises mais aprofundadas e intensas, o que a diplomática já não conseguia suprir de forma independente, criando uma necessidade sobre a utilização de técnicas complementares para ampliar a análise.

A análise Arquivística 

Passando para o outro objeto da presente análise, a técnica Arquivística, cujo objeto de estudo também consiste nas informações registradas, surge no contexto da Revolução Francesa, com a abertura dos arquivos aos cidadãos comuns, e pode-se dizer que desde seu início foi fortemente vinculada à Diplomática, por constantemente usufruir de documentos jurídicos para suas análises (NASCIMENTO; KONRAD, 2016). 

Os documentos arquivísticos sempre estiveram presentes na nossa sociedade, sendo instrumentos considerados indispensáveis para uma boa organização e solidez de relatos, logo que, é através deles que temos acesso aos vestígios da história, e podemos comprovar a veracidade de fatos, dessa forma, as análises estruturadas na arquivologia podem proporcionar um imenso enriquecimento nas coletas de dados de uma pesquisa.

É através dessas provas documentais que se obtém uma mudança sobre a forma que lidamos com a informação, possibilitando registrar o desenvolvimento da sociedade ao longo dos anos, mantendo intacto o que poderia se perder com o tempo, conservando-as para gerações futuras.

 De acordo com Rodrigues (2011), o documento de arquivo é produzido de forma involuntária, criado no decurso de uma atividade, é o resíduo material da ação que lhe dá origem. Durante a análise arquivística em sua fase de identificação, ocorre o estudo analítico do documento de arquivo e os vínculos que mantém com o órgão que o produziu, seja em fase de produção ou de acumulação. 

Sendo assim, a pesquisa deve ser realizada seguindo as etapas da identificação do órgão produtor e a identificação do tipo de delimitação da série documental, sendo a primeira responsável por analisar o contexto que os documentos foram produzidos e a representação dos órgãos que os produziram, e a segunda etapa voltada ao levantamento de informações sobre os elementos que caracterizam os documentos do arquivo, seguindo ambas as etapas pode-se checar amplamente aquele objeto, e não apenas sua forma singularizada.

Dessa forma, Mascarenhas e Cunha (2014) avaliam que a análise Arquivística vem se desenvolvendo no sentido de consolidar bases científicas, buscando suprir lacunas metodológicas presentes na organização da informação dos arquivos da sociedade, utilizando meios analíticos mais extensos, e suprindo necessidades que outras técnicas documentais tradicionais não conseguiam, utilizando-se do pressuposto da existência de uma preocupação com todo o trâmite que o documento sofreu até se concretizar em matéria física.

É importante frisar que essa análise sempre se utilizou da diplomática como um dos seus pilares, logo que, documentos jurídicos, por exemplo, também são fortes aliados em um levantamento de documentação residual, entretanto possuindo um campo mais amplo, estudando não só o objeto como singular, mas também sua origem e motivações, dessa maneira pode-se obter uma análise daquele documento ainda mais completa, o que facilita o percurso de uma pesquisa.

Ademais, foi por essa constante necessidade de vinculação entre as duas técnicas, sendo a diplomática por carecer de uma maior amplitude, ou pela arquivística por criar uma dependência de objetos diplomáticos, que nasceu a Diplomática Arquivística, que passou a ser o que definimos de tipologia documental nos estudos contemporâneos.

A fusão entre as técnicas arquivística e a diplomática

O que desperta curiosidade na comparação das técnicas aqui mencionadas é o fato de que em um determinado momento, houve a necessidade da junção de ambas, utilizando-se do pressuposto que elas constantemente se fundiam e necessitavam naturalmente uma da outra, dessa maneira, com o tempo surge a análise Diplomática Arquivística.

A Diplomática e a Arquivística são duas áreas que possuem o mesmo objeto de estudos: o documento de arquivo, mesmo que o tratem de formas distintas. A diplomática se limita à sua base interna, voltando-se para a veracidade de informações de maneira singular; e a Arquivística se preocupa com o documento como um todo, entretanto, em um determinado momento ambas acabam necessitando uma da outra para atingir uma análise mais complexa e consequentemente alcançar melhores resultados.

O uso da Diplomática pela Arquivologia faz daquela antiga ciência, uma ciência renovada. Deu-se início a essa etapa no final do século XX, período em que os arquivistas começaram a desenvolver pesquisas, usando os princípios e métodos da Diplomática para compreender melhor os processos de criação dos documentos da burocracia moderna (CUNHA; MASCARENHAS, 2014).

Como exemplo da fusão de ambas as técnicas para uma coleta documental ainda mais eficiente, Cunha e Mascarenhas (2014) descrevem que, para uma maior facilitação, os arquivistas podem extrair da Diplomática elementos e ideias não originadas ou filtradas das necessidades dos historiadores, mas daquela ciência original, já que seu objeto de estudo difere dos propósitos da ciência História, com relação à natureza e ao caráter dos documentos, e assim alcançando uma análise mais detalhada sobre o objeto.

Para Rodrigues (2008), o que se observa, atualmente, é uma adaptação da metodologia da Diplomática às necessidades da Arquivística, assim como outrora ocorreu com o Direito e a História. Assim, a Diplomática que, antes, ocupava-se somente da estrutura formal dos documentos, sua autenticidade e fidedignidade, possuindo o olhar voltado para o documento isolado, como peça única, atualmente, percebe o documento como integrante de um conjunto, com perceptível ampliação de seu objeto em direção à gênese documental (NASCIMENTO; KONRAD, 2016).

Considerações Finais

O fato de ambas as técnicas serem frutos das fontes primárias lhes entregam um mesmo objeto, entretanto, apesar de se fundirem nesse mesmo momento, elas se distinguem através de suas limitações, o que reparamos principalmente na análise diplomática, que se limita especialmente a autenticidade documental, não excedendo, por exemplo, para sua origem. A diplomática é uma técnica mais tradicional, utilizada por muitos anos em pesquisas, sendo essencial para a coleta de informações, logo que, costuma ser dotada de fé pública e a veracidade de documentos, o que dentro de uma pesquisa é indeclinável, mas como qualquer ciência, ela precisa ser renovada para se enquadrar nas necessidades contemporâneas.

Sendo assim, não discutindo sua importância, mas seu campo de abrangência, podemos observar que a limitação dessa análise começou a ser um problema, com o tempo apenas a verificação sobre a autenticidade do documento já não bastava, precisa-se ir além do objeto, visando um estudo ainda mais intenso como forma de chegar a conclusões mais concretas, e a diplomática não conseguia atender tais exigências. Paralelamente, surge a análise arquivística, que entendia a coleta de informações além do documento como singular, se fazia necessário o compreendimento de seu órgão produtor, de suas motivações, tornando-se muito mais útil para as pesquisas em si. Entretanto, desde o seu início essa técnica também fazia uso da diplomática, já que por muitas vezes seus objetos de estudo eram os mesmos.

O nascimento da Diplomática Arquivística apenas concretizou o que já vinha ocorrendo na área da arquivologia, e possibilitou um redescobrimento dos métodos diplomáticos, os inovando e deixando aquele viés ultrapassado e tradicional para trás. Atualmente essa análise passou a ser chamada do que conhecemos hoje como a tipologia documental, unificando os dois campos de estudo, sendo incomum o emprego das técnicas separadas.

Referências Bibliográficas

BELLOTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2002.

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Diplomática e tipologia documental em arquivos. Brasília, DF: Briquet de Lemos. 2 ed. 2008.

CAMARGO, Ana Maria de Almeida, et. all. Dicionário de Terminologia Arquivística. São Paulo: Centro de Memória da Educação FEUSP/FAPESP, 2010.

CARUCCI, Paola. Il documento contemporâneo: diplomática e criteri di edizione. Roma: La Nuova Italia Scientifica, 1987.

CONTRERAS, Luiz Nunez. Concepto de documento. In: Archivistica: estudios básicos. Sevilla: Diputación Provincial, 1981.

CUNHA, Mônica Maria de Pádua Souto da; MASCARENHAS, Fábio Silva. A Diplomática contemporânea como instrumento para a organização da informação em arquivos. Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS. v. 20, n.2 – Jul./Dez. 2014.

DURANTI, Luciana. Diplomatica: nuevos usos para una antigua ciencia. Trad. Manuel Vazquez. Carmona: Asociación de Archiveros de Andalucia, 1995.

HELDER, Raimundo F. Como fazer análise documental. Porto, Universidade de Algarve, 2006.

NASCIMENTO, Maiara de Arruda; KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Da Diplomática Tradicional para a Diplomática Contemporânea: Trajetória e convergências com a arquivística. ÁGORA, ISSN 0103-3557, Florianópolis, v. 26, n. 53, p. 31-59, jul./dez., 2016.

OLIVEIRA, Maria Marly. Como fazer pesquisa qualitativa. Vozes: Petrópolis. 7 ed. p.232, 2016.

PEREIRA, A. S, et al. Metodologia da Pesquisa Científica. Núcleo de Tecnologia Educacional. Santa Maria, RS: UFSM, NTE. 1 ed. p. 119, 2018.

RODRIGUES, Ana Celia. Identificação Arquivística: Subsídios para a construção teórica da metodologia na perspectiva da tradição brasileira. XII ENANCIB. Encontro Nacional de pesquisa em ciência da informação. Brasília, DF. p. 558-571, 2011.

RODRIGUES, Ana Celia. Manual de tipologia documental: um instrumento de gestão para os arquivos municipais brasileiros. Extrato da dissertação de mestrado junto ao Programa de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras de Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. p.1-13. 2003.

SÁ-SILVA, Jackson R; ALMEIDA, Cristóvão D; GUINDANI, Joel F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I. Número I. p.15, 2009.

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