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Análise das práticas de ESG relativas à Agricultura Sustentável da região do Oeste da Bahia de Matopiba e as possibilidades de adequação à Agenda 2030 Análise das práticas de ESG relativas à Agricultura Sustentável da região do Oeste da Bahia de Matopiba e as possibilidades de adequação à Agenda 2030

Análise das práticas de ESG relativas à Agricultura Sustentável da região do Oeste da Bahia de MATOPIBA e as possibilidades de adequação à Agenda 2030

Introdução

Em 2019, iniciou-se um crescente interesse público pelas práticas de Environmental, Social and Governance (ESG), em português: Meio Ambiente, Social e Governança. A ideia é fruto do avanço do regime internacional sobre desenvolvimento sustentável, que tem como norma orientadora mais recente a Agenda 2030 (ONU, 2015), em que se estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O crescente interesse nas práticas ESG derivou dos posicionamentos em defesa da promoção de práticas de sustentabilidade corporativa, de atores importantes do mainstream econômico como, o Fórum Econômico Mundial e a Taskforce for Climate Financial Disclosure (TCFD).

A expansão das práticas agrícolas no cerrado do Oeste da Bahia, em uma região conhecida como Matopiba, se estabeleceu com a criação de grandes latifúndios que produzem monoculturas agrícolas, principalmente a soja, voltadas para o comércio internacional. O mercado de commodities na região conta com a participação de empresas multinacionais, chamadas de tradings, que efetuam a compra das monoculturas e negociam no mercado internacional.

A proeminente produção agrícola foi acompanhada por elevados índices de degradação ambiental e conflitos de interesses entre as coalizões que coabitam a região. A sustentabilidade das práticas agrícolas passaram a ser questionadas pelas entidades ambientais regionais, governamentais e instituições internacionais. As tradings defendem que têm padrões de sustentabilidade e que assumem compromissos internacionais que são expressos em suas práticas de ESG, entretanto, a região persiste em ter elevadas debilidades em seu desenvolvimento. Nesse sentido, o contexto regional sugere um estudo mais detalhado sobre como as práticas ESG de agricultura sustentável existentes na região do Oeste da Bahia de Matopiba estão adequadas à Agenda 2030.

A metodologia utilizada para realização do trabalho é o estudo de caso com finalidade avaliativa. A pesquisa tem uma abordagem quali-quantitativa, usando dados qualitativos derivados de pesquisa bibliográfica e documental, e dados quantitativos advindos de censos demográficos e de indicadores socioeconômicos. A escolha da perspectiva construtivista das relações internacionais acerca dos regimes internacionais, que balizou as análises do presente estudo de caso, foi levando em conta a necessidade de compreensão de como as interações entre os agentes que coabitam a região do Oeste da Bahia de Matopiba, reproduz as estruturas de princípios e normas do regime de desenvolvimento sustentável, e em que medida eles irão alterá-las por meio de suas práticas.

Para tanto, este trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta uma revisão da perspectiva construtivista dos regimes internacionais. Também avança para as discussões mais atuais do regime sobre desenvolvimento sustentável, se abre um espaço para o debate sobre as limitações de uma agenda focada no ESG, em que se destaca a necessidade do alinhamento com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). E por fim, se apresenta uma discussão do que seja agricultura sustentável conforme a Agenda 2030.

A segunda parte, dedica-se à análise do desenvolvimento da produção agrícola do Oeste da Bahia. É realizado um levantamento das principais características demográficas, produtivas, agrárias e econômicas da região da sub-região do Oeste Baiano de Matopiba. Em seguida, se tem uma análise dos principais interesses e conflitos das coalizões que formam o Oeste da Bahia. Na terceira parte, foram descritos os principais resultados do estudo de caso, neste espaço se discute as possibilidades de adequação à Agenda 2030 da prática de agricultura sustentável desenvolvida no Oeste da Bahia de Matopiba. E em seguida, é realizado um panorama das principais mudanças e desafios que devem ser enfrentados em cada dimensão do ESG para a adequação das práticas segundo as normas e princípios da Agenda 2030.

Por fim, as considerações finais trazem as conclusões acerca do objeto de estudo e do estudo de caso desenvolvido, descrevendo os principais resultados, expectativas e desafios percorridos durante a pesquisa.

Os Regimes Internacionais Sobre Agricultura Sustentável

A necessidade de compreensão do fenômeno da cooperação entre os atores no final da Guerra Fria, promoveu os estudos sobre regimes internacionais. Na década de 1970, John Ruggie (1975), publicou um artigo, em que se tem o primeiro conceito de regimes internacionais como “conjuntos de expectativas mútuas, regras e regulações, planos, energias organizacionais e comprometimentos financeiros aceitos por um grupo de Estados”. A concepção primária de Ruggie (1975) sobre regimes internacionais, agrega o contexto internacional da época, caracterizado pela evolução da globalização com o forte estímulo à inovação tecnológica, o aprimoramento das organizações internacionais, principalmente das que regulam os sistemas de comércio e finanças.

O debate teórico evoluiu, em 1982, Stephen Krasner publicou o artigo “Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Variables” em que o autor discute as causas e consequências estruturais dos regimes internacionais, fazendo um debate acerca dos elementos constituidores e a influência das visões paradigmáticas de relações internacionais para a compreensão dos regimes internacionais como variáveis intervenientes.

Krasner (1982, p. 94), conceitua regimes como “princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores.”. O autor se baseia em uma série de entendimentos teóricos comuns para postular a sua compreensão das quatro características principais do regime internacional: princípios, normas, regras e procedimentos. No que tange aos princípios, devem ser compreendidos como crenças factuais, causais e de natureza moral que definem os objetivos dos atores dos regimes. As normas, dizem respeito a padrões de comportamentos dos atores, em termos de direitos e obrigações, que determinam a legitimidade das ações dos membros de um regime. As regras, ditam sobre determinações ou delimitações específicas para a ação dos membros dos regimes. E, os procedimentos que são atinentes ao processo de tomada de decisão, como as práticas para fazer e executar a decisão coletiva.

Ao evoluir os debates de raiz estruturalista de Krasner (1982), proponho um exercício de pensar os regimes sob a lente teórica do paradigma construtivista, nesse sentido a corrente teórica propõe para os debates sobre regimes internacionais algumas mudanças no olhar da profundidade epistemológica e ontológica dos regimes. Os autores construtivistas adicionam alguns critérios que vão além dos estabelecidos pelas abordagens racionalistas. As expectativas mútuas e convergentes e as crenças compartilhadas dos atores são adicionadas como critérios formadores dos regimes internacionais. Na visão dos construtivistas, os regimes têm em sua essência ontológica a intersubjetividade, conceito definido por Cohen (1987, p. 287) como “conhecimento coletivo compartilhado por todos aqueles capazes de se comprometer com ou reconhecer o desempenho apropriado de uma prática social, ou de um conjunto de práticas”, à vista disso, a intersubjetividade, se comporta como à interação entre agentes construtores dos regimes, ideias e práticas, socialmente construídas.

Logo, a abordagem construtivista pode ser fundamental para a compreensão da identidade dos atores nacionais e internacionais no processo de constituição dos regimes internacionais, assim como, um melhor entendimento das interações agente-estrutura e as consequências da intersubjetividade no relacionamento dos atores. O conhecimento se destaca como um elemento de importância nos processos de formação e mudança dos regimes, uma vez que ele favorece a ampliação e refinamento da intersubjetividade entre os atores, promovendo uma melhor estruturação e desenvolvimento dos regimes internacionais.

A construção do regime sobre desenvolvimento sustentável, se deu por uma evolução na concepção do que é desenvolvimento e foi marcada por fortes elementos da visão construtivista sobre os regimes internacionais, a intersubjetividade foi refinada por um conjunto de atores que elevaram o entendimento sobre desenvolvimento de uma mera concepção econômica, para o de um fenômeno interseccional que depende de um conjunto de variáveis e atores socioeconômicos.

De acordo com Matos e Rovella (2010, p. 3), o conceito de desenvolvimento fora da esfera econômica, só começou a ser debatido após a Segunda Guerra Mundial, no contexto da reconstrução dos países europeus. A condição humana e seus aspectos correlatos, passaram a ser considerados como um dos principais fatores propulsores do desenvolvimento.

O aumento dos debates multilaterais no final da Guerra Fria, foram também fortes promotores da evolução do conceito de desenvolvimento, a conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, ocorrida em 1972, foi responsável pela conceituação do princípio da sustentabilidade como parte do desenvolvimento. As conferências ambientais da década de 90 foram o palco para inserção de atores que antes eram suprimidos, a participação da sociedade civil na conferência Rio 92, tornou-se um marco para os diálogos multilaterais das Relações Internacionais. A Rio 92 reuniu milhares de Organizações Não Governamentais (ONGs), jornalistas, observadores e ativistas para discutir sobre desenvolvimento sustentável. Outras conferências ambientais também tiveram importante papel na evolução do conceito supracitado, as conferências Rio+10 (2002), Reunião Mundial (2005) e Rio +20 (2012), que procederam no sentido de contribuir para a execução dos ODMs e evoluir as contribuições globais da noção de desenvolvimento sustentável.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, foram substituídos por um novo compromisso internacional firmado: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. A agenda 2030 marcou uma mudança interna no regime de desenvolvimento sustentável, uma vez que sob o legado dos ODMs promoveu mudanças nas regras e procedimentos do regime, ampliando o compromisso dos diversos atores globais na mitigação dos problemas ambientais e na promoção da sustentabilidade.

Em 2015, após uma série de rodadas de consultas promovidas pelo Grupo de Trabalho Aberto para os ODS (OWG), que desenhou toda a estrutura dos novos objetivos de desenvolvimento, o documento Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development, foi aprovado na 70ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo um marco global como a maior iniciativa de promoção de desenvolvimento voltado para um olhar multidisciplinar da realidade dos países desenvolvidos e periféricos. A Agenda 2030, se constituiu por 17 objetivos e 169 metas, ligados ao aprimoramento do desenvolvimento sustentável em três principais dimensões: ambiental, econômica e social, com um prazo alvo de 2016 até 2030.

Objetivo 1: Erradicação da pobreza; Objetivo 2: Fome zero e agricultura sustentável; Objetivo 3: Saúde e bem-estar; Objetivo 4: Educação de qualidade; Objetivo 5: Igualdade de gênero; Objetivo 6: Água potável e saneamento; Objetivo 7: Energia limpa e acessível; Objetivo 8: Trabalho decente e crescimento econômico; Objetivo 9: Indústria, inovação e infraestrutura; Objetivo 10: Redução das desigualdades; Objetivo 11: Cidades e comunidades sustentáveis; Objetivo 12: Consumo e produção sustentáveis; Objetivo 13: Ação contra a mudança global do clima; Objetivo 14: Vida na água; Objetivo 15: Vida terrestre; Objetivo 16: Paz, justiça e instituições eficazes; Objetivo 17: Parcerias e meios de implementação (ONU, 2015).

Em 2004, o termo ESG em referência a sustentabilidade ambiental, social e governança empresarial foi criado pelo programa das Nações Unidas, Pacto Global em uma publicação feita em parceria com o Banco Mundial. As práticas de sustentabilidade baseadas em ESG, tomaram forma após a adoção da Agenda 2030 pelos atores globais. A aplicabilidade das práticas ESG vem se tornando algo comum nos ambientes corporativos, tendo em vista que segundo o Pacto Global (2023), o ESG amplia a competitividade do setor empresarial, seja no mercado interno ou no exterior.

O ESG tem desempenhado um papel importante na promoção da Agenda 2030 para aumentar a participação dos atores sociais, em especial do capital privado organizado, que detém boa parte das riquezas mundiais, e compartilham da responsabilidade social na preservação do planeta terra. Os critérios ESG têm forte ligação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), de maneira geral, o primeiro tem uma atuação focada nos business case empresarial e o segundo uma escala de atuação global que interliga multistakeholders.

O sucesso exponencial desde 2019, das discussões sobre ESG no mainstream das organizações econômicas, produziu uma falsa percepção de que as ideias ESG fossem uma substituição equivalente da “sustentabilidade” para as companhias. Apesar das duas ideias terem uma série de convergências, por serem inspiradas no princípio da promoção do desenvolvimento sustentável, a complexidade desses conceitos os distingue em várias outras dimensões.

O ponto que reclama atenção, segundo Belinky (2021, p. 40) é acreditar que o ESG é a forma única e final de contribuição das organizações para o desenvolvimento sustentável é uma perigosa ilusão, primeiro porque pode gerar a sensação de “dever cumprido”, mascarando os problemas que afligem o planeta pela falta de sustentabilidade, levantados pela Agenda 2030; E segundo, devido à imprecisão da mensuração do que é um “ESG de boa qualidade”, apesar de haver indicadores que medem algum nível de qualidade ESG, existe uma série de lacunas que é uma consequência da prematuridade dos debates sobre o tema que apesar de ser estabelecido sob a égide de fortes princípios e normas, as discussões sobre ESG, ainda carecem de procedimentos e regras bem estabelecidos entre os atores.

Belinky (2021, p. 41), elenca diversas distinções que devem ser realizadas acerca do conceito de ESG e sustentabilidade, duas delas devem ser salientadas. Primeiro, no que tange a abordagem, as ideias ESG adotam o tripé da sustentabilidade, ou triple bottom line, correspondendo ao equilíbrio de três dimensões: ambiental, econômica e social. Já a perspectiva da Agenda 2030, se assenta em abordagem mais ampla, incluindo duas dimensões: as parcerias (acordos e diálogos entre atores econômicos e sociais) e a paz (promoção de um arranjo institucional estável e seguro), o foco desta abordagem é a produção de riqueza sustentável e que seja distribuída pela sociedade, tendo como resultados metas de diminuição das desigualdades e maior inclusão social no sistema econômico.

O segundo elemento de distinção é relativa ao foco e priorização de temas, nas ideias ESG, o foco é a gestão e governança corporativa, os temas a serem pautados por ações de sustentabilidade são resultados de uma análise de materialidade, ou seja, o que for mais relevante para empresa e que não a exponha a riscos indesejáveis. No que se refere a perspectiva da Agenda 2030, as priorizações e focos vão além dos interesses corporativos, buscando perseguir os interesses da sociedade.

Belinky (2021), buscando contribuir com a melhoria das práticas de ESG, realizou um amplo estudo e criou um quadro de critérios indicativos de alinhamento das práticas ESG com a Agenda 2030 e os ODS. Os critérios estabelecidos por Belinky (2021), se estabelecem em 3 dimensões: Impactos – onde se mapeia as materialidade, conexões com investimentos e metas, e os focos de ação do negócio; Integração – parte em que se analisa a interdependência das práticas, se estabelece as dimensões de atuação, e o nível de inclusividade das ações; Implementação – são os critérios que são ligados a consecução da estratégia ESG, por qual se investiga o meio, formas de colaboração com os problemas identificados e a efetividade das ações do negócio. São critérios bastante objetivos, categoricamente ligados às questões apresentadas pela Agenda 2030, isto posto, o amadurecimento dos debates acerca da perspectiva ESG, tenderá a ampliar e especificar os critérios estabelecidos pelo autor.

A agricultura, por essência, tem profundas ligações com o meio ambiente e a exploração dos recursos naturais, se constituindo como um dos pilares de uma concepção de desenvolvimento que almeja ser sustentável. O desafio da promoção de uma agricultura de natureza sustentável, passa pela formação do conceito de desenvolvimento sustentável. Os consensos acerca da conceitualização do que seja “sustentabilidade” se tornou importante na definição de políticas e estratégias ecologicamente sustentáveis, contudo os desafios de operacionalização dessas teorias passam pelas diversas contradições sociais que surgem e que historicamente tendem a ser resolvidos a partir de uma visão técnica-econômica, preservando os interesses das classes que detém o poder econômico e político, em detrimento dos interesses e visões ambientais e da sociedade em geral.

A necessidade de conter o avanço da degradação do meio ambiente e controlar a crise climática, promoveu, como já supracitado, uma agenda de debates sobre sustentabilidade, que se expandiu para a agricultura. A partir dos anos 70, as organizações internacionais, pesquisadores e produtores ligados à agricultura começaram debater o que seria a Agricultura Sustentável. Segundo os Cadernos de Educação Ambiental do Governo do Estado de São Paulo (2014, p. 20), a definição concebida pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), é uma das mais aceitas internacionalmente:

Agricultura sustentável é o manejo e a conservação da base de recursos naturais e a orientação tecnológica e institucional, de maneira a assegurar a obtenção e a satisfação contínua das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Tal desenvolvimento sustentável (agricultura, exploração florestal e pesca) resulta na conservação do solo, da água e dos recursos genéticos, animais e vegetais, além de não degradar o ambiente, ser tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente aceitável. FAO (1999, apud GOVERNO DO ESTADO DE SP, 2014).

As práticas de ESG, dentro da perspectiva da Agenda 2030 abordada por Belinky (2021), são essenciais para a consecução das metas relativas à agricultura sustentável estabelecidas pelo ODS 2. O destaque dado aos atores corporativos pelas estratégias ESG, é importante principalmente pelas atividades agrícolas envolverem grandes empresas, que são donas de extensos latifúndios, muitas vezes geridos por uma “gestão familiar” que tem um domínio histórico sobre a terra e formações de interesses divergentes de outros atores sociais locais.

Análise das práticas de ESG relativas à Agricultura Sustentável da região do Oeste da Bahia de Matopiba e as possibilidades de adequação à Agenda 2030

O Desenvolvimento da Produção Agrícola e as coalizões de interesses do Oeste da Bahia de Matopiba

A expressão MATOPIBA é fruto de um acrônimo correspondente às iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A expressão é utilizada para designar parte do bioma cerrado pertencente a esses estados, onde se têm uma realidade geográfica caracterizada pela expansão da produtividade agrícola e o uso intensivo de insumos e tecnologias modernas (MANGABEIRA et al. 2015).

A partir da década de 70, se inicia com o incentivo de programas governamentais a ocupação do cerrado brasileiro e, por conseguinte, do Oeste da Bahia. O maior desafio para a região era a questão da falta de água, nesse sentido a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), iniciou projetos de irrigação na região, que contribuíram para a expansão de uma agricultura irrigada de forte produtividade no Oeste Baiano. Nascimento (2016 apud LIMA, 2020, p. 67), destaca também o papel do Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR) que era destinado à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) no financiamento por meio de créditos subsidiados pesquisas e projetos relativos à expansão da agricultura na região do Oeste da Bahia.

A ocupação das terras do Oeste Baiano, também foi marcada pelos incentivos de programas governamentais, muitas partes de terras, de acordo com Lavoratti e Moura (2012, p. 8), foram adquiridas por preços irrisórios ou doadas pelo governo a imigrantes sulistas. O papel do Projeto PRODECER, que contemplou do Oeste da Bahia em 1985, fornecendo suporte de infraestrutura e foi fundamental para ocupação da região, uma vez que a cooperação iniciada pelo governo brasileiro com o Japão por intermédio da JICA, fomentou a doação de terras e vendas a preço insignificantes a imigrantes sulistas que em sua maioria eram descendentes de japoneses.

[…] nas décadas de 1970/80, com o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER) o agronegócio é financiado pelo Governo Japonês, que através de vários programas ofereceram suporte à infraestrutura, energia e transporte aos investidores na região, principalmente os descentes de japoneses provenientes da Região Oeste do Paraná. (LAVORATTI; MOURA; 2012, p. 9).

Lavoratti e Moura (2012, p. 8), explicita que os antigos moradores das terras doadas ou vendidas pelo governo brasileiro, foram expulsos da terra, pela falta de comprovação documental de vínculo de posse, um processo marcado pela grilagem, violência e assassinatos. De acordo com a delimitação territorial de Matopiba (2014), o Oeste da Bahia corresponde a 18,06% do território da região, com quatro microrregiões: Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Cotegipe e Santa Maria da Vitória; Que abriga 30 municípios baianos.

A microrregião de Barreiras é a que possui os municípios mais produtivos do Oeste Baiano, também se destaca por ter a maior área em hectares, cerca  de 53.017 mil. A microrregião possui a maior população urbana do Oeste da Bahia, com 75,5% da população vivendo nas zonas urbanas, segundo o censo do IBGE (2010), maior renda média domiciliar com R$ 543,06 reais e o melhor IDH Municipal com 0,691.

Um ponto importante é que a microrregião de Barreiras tem uma forte participação na produção de grãos de Matopiba, como também é muito importante por ser um polo de comercialização tecnológica de serviços e produtos agrícolas de Matopiba. Segundo Lima (2020, p. 68) a cidade de Luís Eduardo Magalhães, abriga representantes de grandes corporações como Muller, John Deere e Massey Ferguson que produzem tecnologias no ramo agrícola, o que gera um forte comércio de máquinas, veículos e fertilizantes para a região.

A microrregião de Santa Maria da Vitória, também aparece com um crescente dinamismo no Oeste Baiano, abrigando 50,94 nas zonas rurais, e conseguindo manter um o segundo melhor IDHM entre as microrregiões com 0,608 (PNUD, 2009). A região tem uma forte participação na comercialização de grãos, principalmente as culturas de soja e algodão.

No que tange a ocupação das terras, deve se salientar a atuação de grupos multinacionais como Amaggi, Bunge e Cargill, que segundo Santos (2016 apud LIMA, 2020, p. 67), se estabeleceram no Oeste da Bahia desde 1990, que realiza uma gama bastante diversificada de atividades ligadas à economia agrícola como esmagamento de grãos, comercialização, financiamento e venda de fertilizantes. As empresas supracitadas e outras da mesma natureza que estabelecem ligações com a localidade acabam comandando as produções da região e isso reflete inclusive na estrutura produtiva sub-regional, que deixou segundo os dados do IBGE (2017) progressivamente desde os anos 2000 de produzir grãos para o consumo direto como arroz e feijão e passou a se concentrar nos grãos mais atrativos para a indústria exportadora, que o uso de uma agricultura altamente mecanizada e insumo fertilizantes modernos, passaram a produzir em larga escala culturas como soja, milho e algodão.

Deve se destacar que a expansão da produção agrícola no Oeste da Bahia, não reflete uma melhora na distribuição de renda, assim como em outras partes do Matopiba, o Oeste Baiano, também sofre com a concentração de renda e as fortes assimetrias existentes entre municípios da região, se observa alguns polos de crescimento como são os casos da cidades de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães que tem altos níveis de IDHM, entretanto, fora dos centros urbanos de maior preponderância, Santos (2016, p.173 apud LIMA, 2020) afirma que existe uma economia da pobreza, caracterizada por grandes latifúndios altamente mecanizados e cidades que crescem forma desordenada, com uma infraestrutura inadequada, poucos postos de trabalho e serviços básicos precários, destinados à população de menor poder aquisitivo.

No Oeste da Bahia de Matopiba existe uma complexa teia de atores que estão disputando interesses na região, deve-se salientar que os conflitos presentes na região tem uma íntima ligação com a posse de terras e o manejo dos recursos naturais. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) (2020), existem 403 conflitos por terra em Matopiba, sendo 127 deles presentes na Bahia. Os acirramentos das disputas são marcados pelo uso da violência e assassinatos, em 2020 a CPT registrou 21 ocorrências de casos criminais ligados aos conflitos na Bahia.

A diversidade de atores com interesses conflitantes em um cenário de fortes assimetrias, colabora para a existência de dificuldades no estabelecimento de uma governança equilibrada na região. Vale evidenciar que Matopiba é um organismo vivo, os interesses e conflitos eles são interligados, apesar do foco da análise estar situada na esfera sub-regional do Oeste Baiano, existe uma evidente relação dos atores com as demais partes de Matopiba. A coalizão formada pelos produtores rurais, em Matopiba e na sub-região do Oeste da Bahia, tem realizado uma ampla defesa do avanço da fronteira agrícola, se contrapondo fortemente a visões contrárias ao avanço desimpedido das atividades rurais. O estudo realizado na tese de doutorado de Salomon (2020), faz uma pesquisa bibliográfica e de campo nos interesses da coalizão dos ruralistas.

A coalizão rural enquanto grupo que movimenta as principais atividades econômicas do Matopiba, seja no setor primário, secundário ou terciário, existe uma importante responsabilidade do grupo sobre o uso dos recursos naturais e os impactos causados pelas suas atividades produtivas. Além disso, Salomon (2020, p. 67), apura que a Aprosoja e a Aiba – que são duas das associações mais próximas dos produtores rurais da região de Matopiba – não aceitaram participar do Grupo de Trabalho Cerrado (GTC), por discordarem do debate acerca do combate ao desmatamento na região. A pesquisa realizada pela autora, apurou que a negação dos efeitos de mudança climática é propagada em meio aos produtores rurais do Piauí e da Bahia, tomando como base as opiniões de pesquisadores céticos sobre a existência do aquecimento global.

Salomon (2020, p. 68), afirma que existem algumas práticas de agricultura sustentável promovidas pelos agricultores rurais de Matopiba, como é o caso do cultivo de capim braquiária no período entre safras em que não se pode plantar soja. Entretanto, como já foi levantado, as práticas de sustentabilidade pensadas e implementadas de forma localizada, pensando somente dos objetivos das corporações, não equacionando as dimensões das parcerias e promoção da paz, propostas pela Agenda 2030, não conseguem gerar um efeito notável e duradouro para o desenvolvimento sustentável dos atores envolvidos com as atividades produtivas, nem com a sociedade em geral. (BELINKY, 2021).

No que tange a coalização dos compradores, se destaca que os interesses entre os produtores rurais e os compradores se confundem, exceto por alguns pontos de diferenciação que tem ligação com a dimensão internacional. A coalização dos compradores é caracterizada pela defesa da produção e expansão de Matopiba, entretanto ela é moldada pelas pressões acerca da sustentabilidade das cadeias de produção. A coalizão dos compradores é formada pelas tradings, que são empresas multinacionais que fazem a intermediação entre os produtores e consumidores. No Oeste da Bahia de Matopiba, tem uma forte presença de empresas com essa natureza, como Bunge, Cargill, Cofco e dentre outras. Essas empresas integram grandes fóruns de discussão acerca da promoção do desenvolvimento sustentável e assumem compromissos internacionais de preservação ambiental.

Nesse sentido, os interesses dos produtores rurais e dos compradores, em certo momento se confundem, pois existe o interesse de ambas partes de expansão da fronteira agrícola que preponderante frente aos compromissos ambientais firmados, que revelam fragilidades. Em maio de 2018, foi deflagrada a operação Shoyo Matopiba, realizada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Ministérios Público Federal, que aplicou muitas de R$ 105,7 milhões por descumprimento de embargos de produção em Matopiba. De acordo com Salomon (2020, p. 82), além dos produtores rurais, cinco empresas (Bunge, Cargill, Uniggel, ABC (Algar) e JJ Samara) foram multadas por comprar mais de 49 mil sacas de soja produzidas em áreas embargadas.

A coalizão das organizações sociais e comunidades, se estruturam com o avanço da fronteira agrícola, o posicionamento em defesa da preservação da fauna e flora da região, contrário à ocupação produtiva expansiva do cerrado de Matopiba e a criação de latifúndios que expulsaram as comunidades nativas das regiões são os principais interesses que permeiam o posicionamento desses atores. As organizações sociais, mantém em Matopiba um intenso trabalho buscando a proteção do bioma cerrado e das áreas ocupadas pelas comunidades nativas. Organizações como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Central Única dos Trabalhadores (CUT), mobilização ações para denunciar os problemas socioambientais vividos em Matopiba. De acordo com Salomon (2020, p. 70), as organizações sociais são importantes na mobilização e provocação do debate público, em 2017 a CTP (2017) publicou um documento chamado “Não queremos morte para o Cerrado. Queremos vida!”, em que retratar os impactos da expansão agrícola sobre o cerrado brasileiro.

De acordo com dados do GITE/EMBRAPA (2014), às terras referentes às comunidades indígenas, quilombolas e assentamentos rurais somam uma área de 8,1 milhões de hectares, além das áreas destinadas à conservação que tem 8,8 milhões de hectares, totalizam a soma de 15,7 milhões de hectares que não podem ser ocupados por agricultura intensiva do agronegócio. Matopiba também reúne, além dos indígenas e quilombolas, as comunidades de fecho de pasto, quebradeiras de coco-de-babaçu e geraizeiros. Algumas são consideradas “invisíveis” pela falta de informações e visibilidade pública. As comunidades de fundo de pasto, são pequenos grupos familiares que passaram a se organizar nas margens dos riachos, rios e morros, fechando as margens da localidade com cerca, formando os fechos de pasto de uso coletivo. No Oeste Baiano, na microrregião de Santa Maria da Vitória, o caso da comunidade de fecho de pasto é um dos conflitos por terra mais proeminentes na região.

Barreto (2016) realiza uma análise acerca da expansão do agronegócio na microrregião, consoante a autora, a expansão agrícola ampliou as práticas de expropriação de terras por meio da grilagem, o que fez com que muitos habitantes dos fechos de pasto perdessem suas terras e sua forma de sustento. A autora também afirma que o processo de disputa pelas terras é impactado pela dificuldade de comprovação de vínculo formal com a terra e a omissão do estado da Bahia de emitir títulos de domínio para as comunidades tradicionais de Fechos de Pastos, por alegar que a medida é inconstitucional, entretanto, o estado da Bahia não cassou a matrícula 2.280, de natureza falta e que deu origem a grilagens de terra na região do Oeste da Bahia. Destaca-se também que a coalizão frequentemente constrói argumentações embasadas em pesquisas e estudos ambientais e econômicos para contestação da situação econômico-social da região. Além disso, é evidente a pressão realizada pela coalizão sobre o setor público, em defesa de políticas que protejam e consolidem os direitos das comunidades tradicionais, sendo isso uma das fortes atuações das organizações populares em Matopiba.

A coalização dos ambientalistas, se configura como um importante grupo em Matopiba, a defesa da conservação da biodiversidade da fronteira e do controle do desmatamento é um ponto que os diferencia da coalização das comunidades e organizações populares. Salomon (2020, p. 74) afirma que a coalizão ambientalista fará frente aos interesses dos produtores rurais, entretanto existe um diálogo muito forte com os latifundiários devido à necessidade de conter o avanço do desmatamento. Os ambientalistas entendem que os produtores rurais, enquanto detentores de maior parte dos fatores de produção de Matopiba, têm um papel muito importante no controle da biodiversidade da região, uma vez que a agricultura intensiva e expansiva é o principal motor do desmatamento na região. Os ambientalistas procuram manter um diálogo com os produtores rurais e buscam formas de remunerar os produtores rurais que se comprometem com a preservação da floresta nativa, via financiamentos realizados em cooperação com empresas de trading da região.

Conforme o Boletim INFOQUEIMA (2022), realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Bahia registrou, em dezembro de 2022, um aumento de 103% nos focos de desmatamento em relação a dezembro de 2021. A situação nos anos anteriores era pior, chegando a aumentos de 238% como ocorreu no período de setembro de 2020 e setembro de 2021. A coalização dos ambientalistas, realiza um amplo esforço para manter a vegetação nativa dentro das margens estipuladas pelo Código Florestal, que varia entre 20 a 35% na região de Matopiba. (SALOMON, 2020, p. 74).

A coalizão ambientalista, se alinha aos entendimentos das associações ambientais que realizam estudos e pesquisas no cerrado brasileiro. Com o avanço da fronteira agrícola, notas e manifestos têm sido publicados se contrapondo ao avanço descontrolado do agronegócio sobre as vegetações nativas. O Manifesto de Cerrado, fruto de uma colaboração entre mais de 40 entidades ambientalistas, entre elas a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) – que fazem um reconhecido trabalho de pesquisa e no cerrado brasileiro – publicaram o documento de título “Nas mãos do mercado, o futuro do cerrado: é preciso interromper o desmatamento” WWF et al. (2017 apud SALOMON, 2020, p. 75). O Manifesto do Cerrado foi importante para formulação de um entendimento comum entre atores relevantes atuantes no contexto socioeconômico de Matopiba, para compreenderem as problemáticas do avanço desenfreado da fronteira agrícola, sem olhar para a sustentabilidade da região. De acordo com Salomon (2020, p. 76) o documento ensejou uma série de medidas e de investimentos realizados para a preservação da floresta nativa de Matopiba.

Visto isso, a coalizão dos ambientalistas, está comprometida com o controle do desmatamento em Matopiba e preservação do Bioma. A posição da coalizão ambientalista é a que mais se aproxima da visão de sustentabilidade da Agenda 2030, observam-se esforços para a manutenção do diálogo pragmático com partes com interesses opostos, buscando meios termos para o alcance do equilíbrio socioambiental na região.

As Possibilidades de Adequação a Agenda 2030 da Prática de Agricultura Sustentável do Oeste da Bahia de Matopiba

As práticas de ESG relativas à agricultura sustentável, implementadas no Oeste Baiano, como já introduzido na parte 2, apresentam algumas fortes contradições e inadequações aos princípios e normas de sustentabilidade pactuados na Agenda 2030. Belinky (2021) em seu estudo, criou um quadro de critérios indicativos de alinhamento de práticas ESG com a Agenda 2030, o modelo contribuirá para a expansão das discussões iniciadas no capítulo anterior sobre as práticas de agricultura sustentável implementadas na região. O quadro criado por Belinky (2021), se estrutura em 3 dimensões: impactos, integração e implementação, e reúne 9 critérios que ajudam na análise da região do Oeste da Bahia de Matopiba.

Visto isso, na dimensão dos impactos, três critérios são importantes: materialidade, conexão e centralidade. O ponto que se destaca nessa dimensão no Oeste da Bahia é como as ações de promoção da agricultura sustentável, promovidas principalmente pelas tradings de commodities agrícolas, são mal dimensionadas, observa-se pelos relatórios de sustentabilidade das empresas como Bunge (2022), Cargill (2022), Cofco (2022), que as ações de ESG tendem a trabalhar somente um ou dois Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, além de muitas vezes terem uma atuação pontual e economicamente orientada, como já criticado por Belinky (2021), as corporações elas tendem realizar uma avaliação ruim dos impactos das atividades realizadas pelo seu empreendimento, realizando ações de ESG que são economicamente mais atrativas para seus negócios.

Na dimensão da integração, três critérios são apontados por Belinky (2021): interdependência, dimensão e inclusividade. No que tange a esses critérios as ações implementadas pelas tradings, apresentam uma baixa inclusividade, e isso retorna a questão supracitada das ações de ESG pontuais e economicamente orientadas que na maioria das vezes estão ligadas a promoção de técnicas produtivas sustentáveis voltadas para os produtores rurais.

Na dimensão da implementação, Belinky (2021) estabelece três critérios: meios, colaboração e efetividade. Alguns pontos se destacam nas práticas de ESG das tradings, no Oeste da Bahia, a cultura da soja, é uma das mais preponderantes na sub-região de Matopiba, as empresas envolvidas nesse processo de intermediação da commodity com os produtos rurais e os compradores internacionais, apresentam uma baixa articulação com os atores sociais que são impactados pelo desenvolvimento dos seus negócios. As ações de ESG dessas empresas no Oeste da Bahia, têm um foco muito maior na articulação com os produtores rurais do que os demais atores sociais.

Observa-se que na dimensão da implementação, as empresas de tradings, realizam ações de ESG relativas à agricultura sustentável com pouca efetividade por não considerar corretamente os meios impactados pelos seus negócios, realizando projetos economicamente localizados e com uma baixa sinergia entre atores presentes no Oeste Baiano, privilegiando o grupo dos produtores rurais. Nesse sentido, as práticas de ESG de agricultura sustentável, presentes no Oeste Baiano, apresentam grandes desafios de adequação ao que se espera na Agenda 2030. A proteção do meio ambiente e a superação das assimetrias socioeconômicas, estão ligadas a consolidação de uma agricultura sustentável que equalize os interesses dos atores relevantes do Oeste da Bahia e que não atue somente na dimensão econômica, mas que se expanda e busque também o desenvolvimento socioambiental.

A adequação a Agenda 2030 das práticas de ESG relativas à agricultura sustentável é essencial para a superação dos problemas diagnosticados no Oeste da Bahia de Matopiba. Adequação da dimensão ambiental do Oeste da Bahia de Matopiba, tem como ponto prioritário o reforço dos sistemas de proteção da vegetação nativa, o ritmo do desmatamento no cerrado de Matopiba é intenso, requerendo iniciativas que reduzem os índices de degradação ambiental.

O ODS 2, na meta 2.4 e 2.5 (ONU, 2015), estabelece a necessidade de construção de sistemas sustentáveis de produção agrícola, que viabilizem a proteção ambiental e da biodiversidade genética dos biomas. Como já supracitado o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), são iniciativas que já são implementadas para promover a sustentabilidade ambiental na região, mas não são suficientes para se estabelecer um sistema de proteção adequado, uma vez que existe uma série de inconsistências nos mecanismos de segurança. As organizações sociais, como visto em Salomon (2020), denunciam uma série de irregularidades no CAR autodeclaratório que possibilita a grilagem de terras.

A criação de mecanismos que aumentem a rastreabilidade das cadeias produtivas, também são importantes, principalmente para as cadeias produtivas indiretas, que não são ligadas diretamente atividades produtivas das tradings, atuantes no Oeste Baiano, já que maioria das irregularidades acontecem durante o processo de transporte e armazenagem, onde as commodities irregulares tendem a se misturar com as advindas de produções regulares. As soluções integradas é outro ponto que deve ser adequado no Oeste Baiano, é necessário criar programas integrados para o combate dos problemas ambientais, com a participação de múltiplos atores e que possam ter uma abrangência adequada quanto aos objetivos de desenvolvimento sustentável que serão trabalhados. A ampliação dos corredores ecológicos e a recuperação de áreas desmatadas se fazem emergentes, entretanto visto o custo extremamente oneroso de criar soluções de recuperação das áreas degradadas do cerrado, é mais prioritário a ampliação do sistema de proteção adequado sobre a vegetação nativa.

Outro ponto a ser destacado é a moratória da soja no cerrado, apoiada pela coalizão dos ambientalistas (SALOMON, 2020, p. 75), deve ser discutida e amadurecida, uma vez que a coalização dos produtores rurais e compradores são divergentes da ideia, deve-se considerar os interesses desses atores divergentes e criar mecanismos mais efetivos de controle sobre as florestas nativas do cerrado, uma vez que no bioma se estabelece um sistema produtivo agrícola expansionista e os índices de desmatamento e degradação são altos.

Na dimensão social a proteção das comunidades tradicionais no Oeste da Bahia é um dos pontos prioritários de adequação, como visto no capítulo 2, os mecanismos de resolução de conflitos como a Ação Discriminatória Rural para investigar a veracidade de documentos e chegar a um entendimento acerca do possuidor da tutela da terra, não vão adiante ficando parados na Coordenação de Desenvolvimento Agrário da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura do Estado da Bahia (SEAGRI/BA).

O uso da terra pelas comunidades tradicionais está associado à preservação ambiental, como defende a coalizão dos ambientalistas (SALOMON, p. 74), que convergem com as organizações sociais e defendem a tutela das unidades de preservação pelas comunidades tradicionais. Tendo em vista isso, a meta 2.3 do ODS 2 (ONU, 2015), levanta o papel da agricultura familiar e do cooperativismo como elementos indutores do crescimento socioeconômico das comunidades tradicionais.

A dimensão da governança é a mais afetada no Oeste da Bahia de Matopiba, a posição da coalizão dos produtores rurais de realizar críticas com pouco fundamentos a emergência climática e se colocar contrária ao diálogo, é vista como uma renúncia desse principal ator econômico de liderar uma governança sustentável na região, conforme é elencado pela Agenda 2030.

O estabelecimento de uma gestão sustentável na região que busque equalizar os interesses dos grupos divergentes é o ponto prioritário de adequação na dimensão da governança. A ampliação dos grupos de trabalho, com a participação dos atores relevantes do Oeste da Bahia, é uma forma de estimular o diálogo entre atores. Existem grupos estabelecidos, como o Grupo de Trabalho do Cerrado, mas que não conseguem ter a participação de atores prioritários como os produtores rurais.

Análise das práticas de ESG relativas à Agricultura Sustentável da região do Oeste da Bahia de Matopiba e as possibilidades de adequação à Agenda 2030

Considerações Finais

Este estudo de caso pretendeu analisar as práticas de ESG relativas à promoção da agricultura sustentável na região do Oeste da Bahia de Matopiba e as possibilidades de adequação à Agenda 2030. A disputa entre visões díspares de sustentabilidade, frente ao crescimento exponencial da degradação ambiental do Oeste da Bahia, são fatores que suscitaram a necessidade de realizar uma análise da sustentabilidade local, visando contribuir para a consolidação de uma agricultura sustentável e a consequente redução da vegetação nativa do cerrado setentrional.

Com isso, a hipótese de que os conflitos sociais por territórios, fruto do avanço do modelo de economia linear historicamente praticado pelo agronegócio na região do Oeste da Bahia de Matopiba, apontam para falhas na governança local e nas práticas de promoção da agricultura sustentável, se confirma os conflitos existentes na região é fruto de uma posição economicamente orientada dos produtores rurais, que abdicam de praticar uma governança sustentável em prol da expansão dos negócios agrícolas. A hipótese de que a destruição do bioma cerrado, predominante na região do Matopiba pelo avanço das atividades do agronegócio, apontam para uma aplicação insuficiente e/ou errônea da prática de agricultura sustentável, se confirma a agricultura intensiva e mecanizada no Oeste Baiano de Matopiba avança sobre a vegetação nativa e fragmenta o bioma cerrado, causando danos irreparáveis ao bioma.

Conclui-se que a região do Oeste da Bahia de Matopiba, é alvo do capital internacional que se beneficia da grande disponibilidade de terras aliada a uma forte produtividade. As contribuições de práticas de ESG das forças econômicas da região, para a promoção de uma agricultura sustentável são, em sua maioria, voltadas para a disseminação de algumas soluções de produção sustentável. Entretanto, a proteção da vegetação nativa e superação das debilidades socioeconômicas são colocadas em segundo plano, frente a manutenção dos exponenciais números produtivos.

Sendo assim, as práticas de ESG relativas à agricultura sustentável no Oeste da Bahia de Matopiba são inadequadas e insuficientes dentro do que se postula na Agenda 2030, por possuírem fortes debilidades no estabelecimento de parcerias e na promoção da paz como elementos promotores da agricultura sustentável.

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