A metodologia e as bases lógicas de investigação
Os métodos de pesquisa, instrumentos essenciais à atividade do pesquisador, tratam-se de procedimentos científicos que auxiliam na coleta e na sistematização de dados e amostras que buscam, por seu turno, a solução de um problema específico, mediante exame minucioso de determinado objeto ou fenômeno. Dentre as possíveis modalidades metodológicas, existem aquelas que proporcionam ao pesquisador as bases lógicas para uma investigação científica. Nesta modalidade, segundo o cientista social Antônio Carlos Gil, ocorre o esclarecimento acerca dos procedimentos lógicos que deverão ser seguidos no processo de investigação científica dos fatos da natureza e da sociedade, sendo, portanto, desenvolvidos a partir de elevado grau de abstração, o que permite ao pesquisador decidir acerca do alcance de sua investigação, das regras de explicação dos fatos e da validade de suas generalizações, mediante específicas propostas de explicação de processamento da realidade e do conhecimento acerca desta (GIL, 2008).
Ainda segundo Gil (2008), podem ser incluídos neste rol os métodos: dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Cada um destes, por sua vez, corresponde a uma específica corrente filosófica que os orientam e os fornecem diretrizes de interpretação e investigação dos fenômenos concernentes à realidade. Neste cerne, para fins de concretização do presente comparativo metodológico, serão analisados e confrontados os métodos dialético, fundamentado no materialismo dialético, e fenomenológico, fundamentado na própria fenomenologia. Para isso, em um primeiro momento, serão analisados individualmente os referidos métodos, por meio da descrição de suas características técnicas e procedimentais particulares, bem como, se discorrerá acerca da substância interpretativa das duas bases lógicas de investigação, diante do objeto de estudo. Em conseguinte, desenvolvido o exame particularizado dos métodos dialético e fenomenológico, a presente análise se desdobrará no eixo comparativo entre ambos, destacando o contraste entre suas simetrias e assimetrias.
O método dialético
O método dialético, introduzido, na antiguidade, pelo filósofo Platão, como conceito de arte do diálogo, atualmente fundamenta-se em sua concepção moderna trazida por Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), onde “a lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições que passam a requerer solução” (GIL, 2008, p. 32).
Esta concepção de Hegel, no entanto, sofreu críticas de orientação, feitas pelos filósofos Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) que, por sua vez, atribuíram caráter materialista ao conceito hegeliano, permitindo que houvesse a possibilidade de hegemonia da matéria em relação às ideias. Segundo Gil (2008), o método dialético firma-se sob a formulação de três grandes princípios. São eles: a unidade dos opostos, que considera os aspectos contraditórios entre objetos e fenômenos, organicamente unidos, como fonte do desenvolvimento do real; a quantidade e qualidade que, por sua vez, apresentam-se como características imanentes a todos os objetos e fenômenos interrelacionados, onde as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas, por meio de saltos; e, por fim, o princípio da negação da negação, que fundamenta-se na ideia de que a mudança nega o objeto mudado e o resultado desta negação, por sua vez, é também negado, gerando um desenvolvimento e não um retorno ao status anterior.
Desta forma, o método dialético apresenta bases para uma exegese dinâmica da realidade, onde os fatores inerentes ao fenômeno real sofrem abstração de diferentes ramificações do conhecimento, sendo, portanto, retirados de um estado de isolamento e colocados sob uma perspectiva de totalidade, onde a contradição é posta como elemento essencial. Neste sentido, Musse (2005), ao debruçar-se acerca das diferenças entre o idealismo alemão de Hegel e o método histórico de Marx, afirma:
O domínio do todo sobre as partes, configurado por meio da apreensão dos múltiplos fenômenos parciais como momentos do todo, como parcelas de um mesmo processo, torna-se, em História e consciência de classe, fator decisivo para a definição do campo marxista. Identificado com a essência do método de Marx, o ponto de vista da totalidade sobrepujaria inclusive outras determinações, consideradas até então suficientes para delimitar suas diferenças diante da ciência burguesa, como o “predomínio de motivos econômicos na explicação da história” ou mesmo a prática de “contrapor à sociedade burguesa conteúdos revolucionários” (MUSSE, 2005, p. 384).
Nesta cerne, a totalidade histórica do método dialético desenvolve-se por meio de um esquema básico de trilogia, formado por: tese, que trata-se da realidade social posta, característica e culturalmente identificável; a antítese, que trata-se, por sua vez, da dinâmica contrária derivada da tese, onde são gestadas condições necessárias para sua superação; e, por fim, a síntese, que trata-se da fase em que a superação da tese ocorre por elevação e a totalidade histórica é reinventada a partir da unidade dos contrários (DEMO, 1995).
Já no âmbito das relações internacionais, como afirma Samoff (1982), a dialética histórica, em sua esfera materialista, obtém contribuição metodológica, quando na análise do fenômeno internacional, leva-se em conta seu modo de produção, bem como, a formação social em que se insere a dinâmica a ser estudada, através da definição e identificação das classes implicadas e suas respectivas tensões. Contudo, para a devida adequação ao âmbito político-internacional, torna-se necessário dissimular os níveis de abstração da análise em que as tensões ocorrem, além de considerar que existem diferentes tensões, em diversificados nivelamentos, ocorrendo em coexistência, e configurando relação comum entre si. Ademais, para devida adequação deve-se considerar o contexto e a experiência histórica que está inserido o fenômeno internacional (SAMOFF, 1982).
Por fim, ao caracterizar-se pela priorização dos procedimentos qualitativos na análise dos objetos e fenômenos, o método dialético distancia-se de pesquisas onde a ótica constitui-se predominantemente por meio de técnicas quantitativas, como a positivista. Desta forma, o método dialético configura-se num processo de análise circular e repetida ad infinitum, onde a junção dos elementos quantitativos, na unidade dos opostos, produzem em dado momento e circunstância, um evento qualitativamente novo e vice-versa, fenômeno conceituado por Engels como “lei da conversão da quantidade em qualidade e vice-versa” ou “lei dos saltos” (GADOTTI, 1990).
O método fenomenológico
O método fenomenológico, por seu turno, foi apresentado por Edmund Husserl (1859-1938), sob a prerrogativa de análise dos fenômenos, com devido desprendimento de proposições e certezas positivas encontradas no empirismo. Segundo Gil (2008), o método fenomenológico entende a racionalidade refletida numa “consciência doadora originária”, em que a obtenção de dados leve ao avanço da própria coisa estudada, de modo que não haja obsessão pelo desconhecido, e a preocupação em definir aquilo que é real ou aparente desapareça, dando espaço a uma descrição direta da experiência.
Desta forma, o pesquisador, no enfoque fenomenológico, visa descrever os fenômenos na medida em que eles se apresentam, sem apegar-se a princípios ou leis que deduzam aquilo que está imediatamente posto diante de sua consciência ou da consciência de outros indivíduos. Nesta cerne, afirma Bochenski (1962):
O que interessa ao pesquisador não é o mundo que existe, nem o conceito subjetivo, nem uma atividade do sujeito, mas sim o modo como o conhecimento do mundo se dá, tem lugar, se realiza para cada pessoa. Interessa aquilo que é sabido, posto em dúvida, amado, odiado etc. (GIL apud. BOCHENSKI, 2008, p. 14).
Portanto, se o objetivo do método fenomenológico é fazer o pesquisador debruçar-se diante do fenômeno puramente experimentado pela consciência, deve ele salientar-se de tudo aquilo que pode obscurecer ou modificar sua percepção, como a sobreposição de sua subjetividade. Ademais, a análise pura do fenômeno depende da disposição pura em analisá-lo, o que presume a necessidade de distanciar o objeto de determinado dados de pesquisa que não o contemple factualmente. Nesta cerne, segundo Gil (2008), Husserl enfatizou a necessidade de impor-se a proposta de redução fenomenológica que, por seu turno, trata-se da:
(…) suspensão das atitudes, crenças e teorias – a colocação “entre parênteses” do conhecimento das coisas do mundo exterior – a fim de concentrar-se exclusivamente na experiência em foco, no que essa realidade significa para a pessoa. Isto não significa que essas coisas deixam de existir, mas são desconsideradas temporariamente. Quando, pois, o pesquisador está consciente de seus preconceitos, ele minimiza as possibilidades de deformação da realidade que se dispõe a pesquisar (GIL, 2008, p. 15).
No entanto, ainda segundo Gil (2008), o fenômeno real apenas pode ser concebido perante a compreensão, a interpretação e a comunicação de quem o observa. Este fato, impõe a fenomenologia a ideia de não apenas uma realidade, mas quantas realidades forem possíveis, mediante sua justa interpretação e comunicação. Assim, de acordo com Moreira (2002) e Queiroz (2007), na pesquisa fenomenológica:
Coletam-se estrategicamente os dados; os resultados da pesquisas são invariavelmente descritos a partir da orientação dos participantes e, não codificadas em linguagem científica ou teórica; o pesquisador identifica “temas ou essências” nos dados; a partir dos temas é desenvolvida uma explicação estrutural (SIANI, CORREA, LAS CASAS apud. MOREIRA e QUEIROZ, 2016, p. 207).
Desta forma, apreende-se que método fenomenológico carece de planejamento rígido e técnicas estruturais, partindo para a interpretação do real por meio do viés experimental e subjetivo do pesquisador, onde o cotidiano e o modo de viver dos indivíduos apresentam-se como essenciais, na medida em que contribuem para a transferência de significados aos objetos estudados, fato este que aproxima o supracitado método, ademais, de técnicas qualitativas e desestruturadas de pesquisa.
No âmbito das relações internacionais, por fim, segundo Castro (2012), o método fenomenológico, além de representar instrumento de reconstrução para introdução às Relações Internacionais por meio do conceito de pré-ordem, reforça a importância do conhecimento da política internacional como ato humano de liberdade. Assim, o sujeito cognoscente é o destinatário final dos atos e fatos internacionais e, desta forma, a liberdade apresenta-se como nexo causal, em suas modalidades de decisão, invenção, interpretação, proposição e reformulação. Deste modo, cria-se, em RI, a formação de fluxos modulados de subjetividades e intersubjetividades em decorrência do componente da liberdade humana.
Contrastes entre os métodos dialético e fenomenológico
Ao analisar-se os elementos constitutivos dos métodos de pesquisa dialético e fenomenológico, pôde-se observar uma série de contrastes entre ambos, no que concerne às semelhanças e diferenças. Neste sentido, apreende-se que tanto a modalidade fenomenológica, quanto à modalidade dialética de metodologia, detém uma tendência à técnica de pesquisa qualitativa, seja pela força da unidade dos contrários, seja pela busca de significação interpretativa em objetos estudados, respectivamente. Desta forma, como dito, ambas afastam-se da técnica de pesquisa quantitativa, onde a tendência metodológica se estabelece mediante informações contáveis e conclusões imparciais.
Por outro lado, diferentemente do método fenomenológico, o método dialético comporta-se de acordo com princípios de interpretação bem definidos, onde a totalidade e contradição apresentam-se como elementos essenciais e indispensáveis a esta modalidade de pesquisa científica. Na metodologia fenomenológica, por sua vez, ocorre a ausência de princípios modeladores, pois o eixo deste método encontra-se no aproveitamento da experiência subjetiva e fenomenologicamente reduzida, o que faz com que o objeto estudado, torne-se passível da compreensão, interpretação e comunicação do pesquisador.
Ademais, a supracitada totalidade presente no método dialético, ao trazer o princípio da unidade dos contrários ao objeto especificamente examinado, submete a pesquisa a um estudo multidisciplinar, que leva em consideração fatores presentes em diversas ramificações do conhecimento humano, como o próprio fator econômico presente na dialética histórica de Karl Marx e Friedrich Engels, por exemplo. No entanto, o método fenomenológico, como apresentado no decorrer da análise, detém-se ao estudo puro do objeto apresentado imediatamente à consciência. Deste modo, escapa a necessidade do método dialético em assimilar diversas associações que transcendam aos próprios elementos inerentes do objeto examinado, debruçando-se literalmente aos aspectos originários de determinado fenômeno, tendo a experiência subjetiva como eixo norteador.
Já no âmbito das relações internacionais, enquanto o método dialético preocupa-se em trazer os modos de produção e a formação social em adequação a experiência histórica e as tensões existentes entre classes como componentes para a análise internacional, o método fenomenológico orienta-se pela arrastamento do instituto da liberdade humana como nexo de causalidade para os atos e fatos concernentes a política internacional, desdobrando numa tendência (inter)subjetiva de interpretação dos fenômenos em RI.
Sendo assim, em suma, apreende-se que o comparativo estabelecido entre os métodos dialético e fenomenológico explicita semelhanças no que concerne ao uso de técnicas comumente utilizadas para seus objetivos inerentes. Contudo, apresenta diferenças no âmbito do grau de aprofundamento diante o objeto estudado, assim como, no âmbito de leis e princípios existentes que norteiam o filtro interpretativo e o objetivo dos dados científicos recolhidos na construção da pesquisa. Ademais, no âmbito das relações internacionais, conclui-se que na medida em que o método dialético orienta-se na busca pela contextualização histórico-social do fenômeno político-internacional, o método fenomenológico traz a liberdade humana como consciência posicional fundamental para a interpretação das ações e situações concernentes a política global.
Referências
CASTRO, Thales. Teoria das relações internacionais / Thales Castro. – Brasília: FUNAG, 2012.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1995.
GADOTTI, Moacir. A dialética: concepção e método. in: Concepção Dialética da Educação. 7 ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990. p. 15-38.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social / Antônio Carlos Gil. – 6. ed. – São Paulo : Atlas, 2008.
MOREIRA, A.D. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002
MUSSE, Ricardo. A dialética como discurso do método. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 1. São Paulo: 2005, p. 368-389.
SAMOFF, Joel. Class, Class Conflict, and the State in Africa. Political Science Quarterly, Nova Iorque, v. 97, n. 1, p.105-127, abr. 1982.
SIANI, Sergio Ricardo; CORREA, Dalila Alves; LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Fenomenologia, método fenomenológico e pesquisa empírica: o instigante universo da construção de conhecimento esquadrinhada na experiência de vida. Revista de Administração da Unimep, vol. 14, n. 1, Universidade Metodista de Piracicaba. São Paulo: 2016, p. 193-219.