A UNHCR (sigla em inglês para United Nation High Commissioner for Refugees), também conhecida como Agência das Nações Unidas para refugiados (ACNUR), surge no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, como forma de atender à emergência de pessoas que estivessem deslocadas em razão do conflito instaurado. A sua criação no quadro de agências e escritórios das Nações Unidas se deu no decorrer da Assembleia Geral, no mês de dezembro do ano de 1950. Inicialmente, a sua institucionalização se limitou a apenas um mandato de três anos, voltado para os refugiados da Segunda Guerra. Contudo, o fenômeno do refúgio se intensificou ao longo dos anos, assim como o número de mandatos ao redor do mundo, por razões diversas.
Como pode ser observado da Resolução 428 (V), a qual corresponde à criação da UNHCR, os Estados Membros foram encorajados a integrar e implementar domesticamente as convenções internacionais, acordos e tratados sobre refugiados, como também a cooperar e estabelecer acordos com a Agência, a fim de aplicar medidas voltadas para o atendimento aos refugiados e para a redução do número de pessoas buscando proteção em diversos países. No que tange ao tratamento dos requerentes de refúgio, a Resolução destaca aspectos importantes, a exemplo da recepção não excludente no território em que chegam; do auxílio prestado no processo de documentação e naturalização, como também em relação à assistência no repatriamento voluntário, quando solicitado.
Um ponto relevante a ser notado no Estatuto da UNHCR é o caráter não político estabelecido para a Agência. Neste sentido, a funcionalidade da UNHCR está pautada na salvaguarda internacional, visando à atuação de caráter estritamente humanitário. Dentre as competências da UNHCR, mais especificamente tratadas no Capítulo II do Estatuto, constam a facilitação nos processos de admissão no território de acolhida e de obtenção da documentação necessária, assim como a assistência prestada quanto à transferência de bens, principalmente aqueles que possam auxiliar no estabelecimento no novo país. A gestão de fundos governamentais ou privados, e a transferência de informações entre as autoridades governamentais dos países que recepcionam os refugiados em seu território também são atribuições geridas de forma autônoma pela referida organização.
Faz-se necessário compreender, ainda, o termo “refugiado”, utilizado no Estatuto da UNHCR, o qual, assim como outros acordos internacionais nesta matéria, utiliza como referência o conceito estabelecido pela Constituição da Organização Internacional para Refugiados, de dezembro de 1946. Nesse documento, o detentor do “status de refugiado” é definido como todo aquele indivíduo que esteja fora de seu país de nascimento ou residência permanente, em decorrência de fatores como religião, etnia, posicionamento político, nacionalidade, conflito ou guerra. Em adição, por ter sido criada no contexto do pós-Segunda Guerra, a referida Constituição menciona aqueles que sobreviveram aos regimes análogos ao nazifascista na Europa e opositores do regime de Francisco Franco, na Espanha, como titulares do status internacional de refugiado.
No que tange à operacionalização, a atuação da UNHCR se desenvolve por meio da criação de mandatos, em razão do principal papel da Agência, que é a garantia da segurança internacional de refugiados e o trabalho para encontrar soluções permanentes para os fluxos dos deslocados no cenário global. Ainda que a UNHCR esteja sob a égide da Assembleia Geral das Nações Unidas, possui certo grau de autonomia legal. Para tanto, os mandatos da UNHCR são intransferíveis, ou seja, todos aqueles relacionados ao status de refugiados são delegados exclusivamente à referida organização.
Este ano marca os 71 anos da sua criação e, ao longo da sua história, muitos outros desafios se somaram à jornada das pessoas que buscam refúgio e asilo, tornando mais complexos os caminhos para a construção de soluções permanentes. A título de exemplo, em 2020, apesar de todas as restrições impostas pela Covid-19, a UNHCR registrou 82,4 milhões de pessoas forçosamente deslocadas, seja por conflitos, violações aos direitos humanos, ou por outras crises, como aquelas causadas por catástrofes naturais. Nesse contexto, os países que geraram os maiores números de deslocamento em 2020 foram, consecutivamente, Síria (6,8 milhões), Venezuela (4,9 milhões), Afeganistão e Sudão do Sul (ambos 2,2 milhões).
A Agência da ONU para refugiados no Brasil
Apesar de criada em 1950, foi apenas em 1967, quando houve a reforma da Convenção de 1951 com o Protocolo de 1976, que foi expandido o mandato do ACNUR para além das fronteiras da Europa. Sendo assim, para atender a refugiados e apátridas no mundo todo, o ACNUR conta com uma verdadeira rede global de agências, sem esquecer dos diversos parceiros e fornecedores.
No Brasil, foi em 1982, na cidade do Rio de Janeiro, que o ACNUR inaugurou as suas operações em território nacional, prestando assistência aos refugiados latino-americanos. Em seguida, em 1988, o escritório da Agência foi transferido para Brasília, local em que permaneceu por cerca de dez anos. É apenas em 2004 que o escritório da ACNUR é reaberto, novamente no Distrito Federal, onde se encontra atualmente em operação. A agência também estabeleceu “braços” em Manaus, São Paulo e Belém.
De acordo com a sexta edição do Relatório “Refúgio em Números”, elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em parceria com o Observatório das Migrações Internacionais, o Brasil contava, ao final do ano de 2020, com 57.099 refugiados reconhecidos, tendo sido realizadas 28.899 solicitações de refúgio apenas naquele ano. Do total de pessoas reconhecidas nessa condição entre 2011 e 2020, a grande maioria é composta por cidadãos venezuelanos (46.412), seguidos dos sírios (3.594) e congoleses (1.050).
É nesse contexto que o ACNUR tem um papel de grande relevo no Brasil, pautando-se sempre no ideal de apresentar soluções duradouras e proteção aos refugiados. Em linhas gerais, são cinco as principais frentes de atuação da agência em território nacional, quais sejam: integração local, reassentamento, repatriação voluntária, reunião familiar e assistência em dinheiro.
A integração local é essencial para aqueles casos em que a repatriação não é possível. Dessa forma, busca-se integrar, gradualmente, as pessoas em situação de refúgio à comunidade local, dando-os a chance de construir uma nova história. O reassentamento, por sua vez, diz respeito à transferência de refugiados para um outro país, o qual tenha concordado em recebê-los e proporcionar a eles uma proteção adequada.
Quanto à repatriação voluntária, o ACNUR busca facilitá-la, ao fornecer diversas formas de assistência para o retorno dos refugiados aos seus países de origem, as quais vão da atualização de informações sobre a Nação de destino, até o fomento à restituição de propriedades.
Não menos importantes são as ações em prol da reunião familiar, sobretudo quando o caso envolve um menor que esteja desacompanhado, de forma que a agência busca não só assegurar a ele a proteção devida, como também realizar o rastreamento da sua família, com a ajuda de parceiros. Por fim, a assistência em dinheiro e vouchers auxilia os deslocados no atendimento às suas necessidades principais, atribuindo-lhes dignidade e dando-lhes a possibilidade de construir uma nova vida no local de acolhida.
Uma outra iniciativa de destaque do ACNUR no Brasil diz respeito à Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), a qual é implementada em cooperação com diversas universidades presentes em território nacional, visando à promoção do ensino sobre a questão do refúgio, à capacitação daqueles que compõem o meio acadêmico quanto à temática em questão e à implementação de trabalhos comunitários que forneçam um apoio direito aos refugiados.
No campo da extensão universitária (atuação da instituição junto à sociedade), a referida Cátedra possibilita que sejam prestados diversos serviços de apoio aos refugiados, a exemplo da assistência médica à saúde mental e física, da assessoria jurídica e do ensino da língua portuguesa. Na tabela a seguir constam os dados referentes aos atendimentos realizados entre os anos de 2017 e 2021:
Números de Atendimentos de Extensão realizados pela CSVM
O trabalho do ACNUR mostra-se, portanto, essencial para que haja uma verdadeira rede de apoio e assistência aos refugiados nos mais diversos países de acolhida, não sendo o Brasil uma exceção. A ação da agência, seja por meio de iniciativas individuais, seja em cooperação com autoridades, instituições e patrocinadores locais, tem por escopo atender não apenas às necessidades básicas daqueles que se encontram nessa situação, mas também proporcionar o necessário para que eles construam uma nova história no local em que se encontram, esteja ele em território brasileiro, ou em diversos outros lugares do mundo.