Dia 10 de dezembro é considerado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data que marca a instituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo Figueirôa (2019, p. 21), Declaração Universal dos Direitos Humanos é “um documento de suma importância para a preservação dos direitos humanos tendo, pela primeira vez, estabelecido uma proteção universal sobre a matéria”.
Antecedentes
A Segunda Guerra Mundial resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração e na morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos e outras minorias (PIOVESAN, 2006). Também foi a primeira vez na história contemporânea em que os exércitos atacaram diretamente a população comum, e não apenas outros exércitos. Cerca de trinta milhões de civis morreram nessa guerra, muito mais do que os soldados mortos.
Segundo Piovesan (2013), após a Segunda Guerra Mundial, relevantes fatores contribuíram para que se fortalecesse o processo de internacionalização dos direitos humanos. Dentre eles, o mais importante foi a maciça expansão de organizações internacionais com propósitos de cooperação internacional. Isso porque a era Hitler foi caracterizada pela violação de direitos humanos pelo próprio Estado, necessitando uma instituição internacional que vigiasse as ações dos Estados e os punisse se não respeitassem as regras impostas. Assim,
É nesse cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional. Fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania (PIOVESAN, 2004, p. 23).
Sem dúvida, a maior organização internacional criada nesse período foi a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual entrou em funcionamento em 1945 com a elaboração da Carta de São Francisco, ou Carta da ONU. Essa apresenta os objetivos da organização, como “manter a paz, sendo suas ações coordenadas sob os pilares de harmonia, desenvolvimento e cooperação” (FIGUEIRÔA, 2019, p. 21), e “conseguir uma cooperação internacional para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (LAFER, 2008, p. 71). Houve, assim, a internacionalização sem discriminações dos direitos humanos, com base não só de Estados igualmente soberanos mas de indivíduos livres e iguais (LAFER, 2008).
Contudo, foi necessária a elaboração de um documento jurídico que melhor definisse os direitos essenciais para a manutenção da segurança entre as nações e seus indivíduos, ou seja, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (FIGUEIRÔA, 2019). A Declaração, mediante a adoção de inúmeros instrumentos internacionais de proteção, confere lastro axiológico e unidade valorativa a esse campo do Direito, com ênfase na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos (PIOVESAN, 2009).
Elaboração
É no cenário do pós-guerra que surge a ONU, em 1945, e três anos mais tarde, por meio da Assembléia Geral na França, em 10 de dezembro de 1948, a Organização adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento é formado por 30 artigos e surgiu no rastro da Segunda Guerra Mundial. Apontou os principais direitos e deveres que todas as pessoas do planeta deveriam lançar mão (PIOVESAN, 2009).
Durante sua elaboração, vários líderes, de todas as regiões do mundo intervieram. Diversas culturas e ordenamentos jurídicos poderiam efetivar, em conjunto, o compromisso de jamais permitir que ocorram novamente as atrocidades da II Guerra Mundial. O esboço preliminar da Declaração foi apresentado em 1946, na Assembleia Geral da ONU, remetido então à Comissão de Direitos Humanos, presidida por Eleanor Roosevelt, que contava com a presença de mais de 50 países na redação da Declaração. Seu texto final foi apresentado somente em 1948, sendo adotado e proclamado pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução nº 217-A (III) de 10 de dezembro de 1948 (FIGUEIRÔA, 2019).
Além de Eleanor Roosevelt, estadunidense que presidiu o Comitê que redigiu a Declaração, outros participantes que se destacaram na elaboração da Declaração foram John Humphrey, canadense Diretor da Divisão de Direitos Humanos, responsável pela redação do primeiro rascunho da Declaração, e René Cassin, francês sob cuja responsabilidade ficou a versão final do texto aprovado (SORTO, 2008).
A declaração não esconde, desde o seu primeiro artigo, a referência e a homenagem à tradição dos direitos naturais: “Todas as pessoas nascem livres e iguais”. Ela pode ser lida assim como uma revanche histórica do direito natural, uma exemplificação do “eterno retorno do direito natural”, promovida pelos políticos e diplomatas, na tentativa de encontrar um “amparo” contra a volta da barbárie (TOSI, 2009).
Além de reafirmar o caráter “natural” dos direitos, os redatores desse artigo tiveram a clara intenção de reunir, numa única formulação, as três palavras de ordem da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade (TOSI, 2009).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, resultante da percepção política de que as atrocidades do totalitarismo representavam uma ruptura inédita da tradicional preocupação ética com o bom governo, assinala o início do direcionamento no campo dos valores no plano internacional (MASCARO, 2014).
Ainda, segundo Piovesan, a Declaração Universal de Direitos Humanos inova ao introduzir uma combinação entre o discurso liberal da cidadania e o discurso social, isto é, inclui “tanto direitos civis e políticos (arts. 3.º a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28), afirmando a concepção contemporânea de Direitos Humanos” (PIOVESAN, 2014).
É oportuno também lembrar que a Declaração Universal foi proclamada em plena vigência dos regimes coloniais, e que, como afirma Trindade:
“Mesmo após subscreveram a Carta de São Francisco e a declaração de 48, as velhas metrópoles colonialistas continuaram remetendo tropas e armas para tentar esmagar as lutas de libertação e, em praticamente todos os casos, só se retiraram após derrotados por esses povos” (TRINDADE, 2003 apud TOSI, 2009, p.3).
Ressalte-se que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948 quando, em seu § 5º, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase”. A Declaração de Viena afirma ainda a interdependência entre os valores dos direitos humanos, democracia e desenvolvimento (PIOVESAN, 2009).
Resultados
Embora a DUDH não tenha força legal, como a única mais importante declaração de ética, sua autoridade é sem paralelo. Muitos juristas estimam que ela tenha adquirido o status de lei consuetudinária internacional. Além da DUDH ser o documento mais traduzido do mundo, atualmente em torno de 375 línguas (BAETS, 2009), ela funciona como fonte das Constituições de muitos Estados e serve como base a uma série de tratados internacionais ratificados desde 1945, possibilitando, assim, que os Direitos Humanos fossem preservados (FIGUEIRÔA, 2019).
A Declaração Universal opera uma transformação significativa, abolindo, no plano ideal, a barreira existente entre o Estado, espaço exclusivo da atividade política, e a sociedade civil, espaço de garantia de privilégios travestidos de direitos dos cidadãos. Nesse sentido, destina-se não exclusivamente ao Estado, ou à garantia dos direitos dos cidadãos vinculados a ele, mas sim a todos os povos e todas as nações, bem como a cada indivíduo e cada órgão da sociedade (MASCARO, 2014).
Conclui-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi não só um marco na promoção e no desenvolvimento dos direitos humanos internacionalmente, mas também abriu caminho para a instituição de outros regimes internacionais que tentam garantir a plena proteção dos direitos humanos.
Referências bibliográficas
BAETS, Antoon De. The impact of the Universal Declaration of Human Rights on the study of history. Wesleyan University, 2009.
BALERA, Wagner. Comentários à Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Editora Conceito Editorial, 2011.
FIGUEIRÔA, Hugo Rossi. Comentário. In: Declaração Universal dos Direitos Humanos | Convenção Europeia dos Direitos Humanos: Anotações pelos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Portugal: Universidade do Porto, 2019, p. 16-21.
LAFER, Celso. A Declaração Universal dos Direitos Humanos – sua relevância para a afirmação da tolerância e do pluralismo. Revista OABRJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-88, 2008.
MASCARO, Laura Degaspare Monte. A declaração universal dos direitos humanos: educação para o pensamento e para a política. Revista Hundu, v.5, p. 56-76, 2014.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2006.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 1, número 1, 2004.
PIOVESAN, Flávia. Declaração Universal de Direitos Humanos: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Estudos Jurídicos, Montes Claros, v. 9, n. 2, p.31-56, jul./dez. 2014.
SORTO, Fredys Orlando. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu sexagésimo aniversário. Verba Juris, ano 7, n. 7, p. 9-34, jan./dez. 2008
TOSI, Giuseppe. Direitos humanos: história, teoria e prática. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006.
TOSI, Giuseppe. O significado e consequências da declaração universal de 1948. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2009.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil. Brasília: UnB, 1998.