O advento da corrida espacial, em meio à competição entre as duas grandes superpotências durante a Guerra Fria, evidenciou para a comunidade internacional a necessidade de regulação da exploração do espaço exterior por parte dos Estados. Foi nesse contexto que se deu, no dia 13 de dezembro de 1958 (pouco mais de um ano após o lançamento do Sputnik-1 pela União Soviética), a criação do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (do inglês United Nations Office for Outer Space Affairs – UNOOSA).
Estabelecido inicialmente por força da Resolução 1348 (XIII) da Assembleia Geral das Nações Unidas, como um grupo de experts a orientar o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior, o UNOOSA teve como objetivos iniciais discutir e produzir relatórios acerca dos aspectos legais e científicos da exploração e do uso daquilo que transcende a atmosfera terrestre (BRKOVIC et al, 2015). Eventualmente, tornou-se um escritório autônomo, dentro do Secretariado da ONU, em janeiro de 1993. Sua atual diretora é Simonetta Di Pippo, astrofísica italiana com passagens pela Agência Espacial Italiana e pela Agência Espacial Europeia (ESA). A sede do órgão localiza-se em Viena, capital da Áustria, num complexo que serve inúmeras organizações internacionais.
Dentre as responsabilidades do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior, podem ser citadas a promoção dos tratados e princípios que regem o Direito Espacial, a administração de registro de objetos lançados ao espaço, bem como a manutenção do UN-SPIDER, plataforma que facilita o uso de tecnologias como satélites meteorológicos e de comunicação para auxiliar no gerenciamento de desastres naturais e tecnológicos (BRKOVIC et al, 2015).
O UNOOSA, por meio de suas atribuições, atua junto a organizações internacionais, entidades privadas, governos e agências espaciais nacionais, de modo a promover a exploração pacífica do universo, e a construção de mecanismos de coordenação entre os Estados com o objetivo de compartilhar informações. O órgão tem promovido ainda a participação de mulheres na indústria espacial e o programa Access to Space for All, que tem como objetivo a cooperação internacional e a fundação de projetos por parte de países em desenvolvimento. O Quênia, por exemplo, desenvolveu em conjunto com a Agência Japonesa de Exploração Espacial (JAXA) e a Universidade de Roma “La Sapienza” seu primeiro satélite, lançado em 2018 com a participação do UNOOSA.
Desdobramentos jurídicos e conquistas legais
Ao longo dos anos, com o advento do UNOOSA, cinco tratados internacionais de grande relevância foram pautados, estabelecidos e regulados pelas Nações Unidas: o Tratado do Espaço Sideral, o Acordo de Resgate, a Convenção de Responsabilidade no Espaço, a Convenção de Registro e o Acordo Lunar. Imediatamente, fora decidido que todas as obrigações e vínculos legais decorrentes desses instrumentos legais deveriam ser implementados sob supervisão do UNOOSA. Pode-se então afirmar que, coletivamente, esses cinco tratados consistem em uma importante base do Direito Espacial. (UNOOSA, 2017)
O primeiro deles, chamado de Tratado do Espaço Sideral ou Tratado sôbre Exploração e Uso do Espaço Cósmico, data de 1967 e diz respeito aos princípios basilares que devem ser respeitados no ambiente espacial, com destaque para a proibição de armas nucleares no espaço sideral, já que a escalada da Guerra Fria havia resultado no desenvolvimento dos primeiros mísseis balísticos intercontinentais, que podem atingir alvos à distância espacial. Face ao potencial catastrófico, este tratado multilateral foi redigido e negociado sob a liderança das Nações Unidas para conter as ameaças que tais armas poderiam causar à humanidade. Além disso, o tratado também restringia o uso da Lua e outros corpos celestiais para fins pacíficos, além de proibir que um único país pudesse proclamar soberania e propriedade do espaço sideral ou qualquer um de seus planetas. (UNOOSA, 2017)
Em seguida, elaborado entre 1967 e 1968, há o Acordo de Resgate (do inglês Rescue Agreement), também conhecido como o “Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico”. Como seu nome indica, visa proteger as espaçonaves e seus astronautas que estejam em perigo, estabelecendo que operações de busca e resgate deverão ser obrigatoriamente implementadas pelos países signatários. (UNOOSA, 2017).
O terceiro instrumento legal, chamado de Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais, data de 1972 e é uma extensão do anterior, ao prever com detalhes que há a responsabilidade de arcar com os danos e prejuízos causados por objetos espaciais, quando estes são lançados por uma nação mas acabam adentrando em um território indevido, causando detrimento a outros. (UNOOSA, 2017).
O quarto instrumento legal fora estabelecido após um intenso debate entre diversas nações, resultando na Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico, no ano de 1974. De acordo com esse documento, todos os Estados e organizações intergovernamentais devem estabelecer seus próprios registros nacionais e fornecer informações sobre o lançamento de objetos para o Secretário-Geral do UNOOSA, que ao compilar e realizar a manutenção de todos os dados, deve disseminá-los publicamente por meio de documentos oficiais emitidos pelas Nações Unidas, como medida de transparência. Atualmente, estima-se que 88% de todos os satélites, sondas, pousadores, espaçonaves tripuladas e elementos de voo de estações espaciais lançados na órbita da Terra foram registrados com o Secretário-Geral. A parcela majoritária dos registros averbados recentemente provém da Federação Russa e Estados Unidos. Somente em 17 de março de 2006 que a Convenção supracitada foi efetivamente ratificada pelo Brasil. (UNOOSA, 2021).
O quinto instrumento legal surgiu em 1979. Seu nome em inglês é “Moon Agreement”, e possui vários nomes em português, sendo conhecido como Tratado da Lua, Lei da Lua, Acordo da Lua, dentre outros. É o que possui menos relevância jurídica – ou até mesmo nenhuma sequer -, tendo somente 18 países vinculados a ele. É também o único desta lista a não ter sido ratificado pelo Brasil. Estabelece que a jurisdição da Lua e quaisquer outros corpos celestiais deverá ser controlada, mas devido às dificuldades em entrar em um consenso sobre as explorações dos recursos naturais da Lua, bem como condições fixas para viagem ou ocupação, nenhum país que realiza voos lunares quis o ratificar, como os Estados Unidos, Federação Russa ou República Popular da China. Esse tratado também proíbe o uso de corpos celestiais como bases militares e bane qualquer tipo de contaminação ambiental que irá causar impacto ou alteração nos planetas, além de obrigar os países a alertarem imediatamente a ONU sobre a existência de extraterrestres. (UNOOSA, 2017).
Em suma, todos esses acordos e tratados possuem um ponto em comum: a noção de que atividades realizadas no Espaço Sideral e quaisquer benefícios derivados dele devem ser devotados ao bem-estar de todos os países e da humanidade, com ênfase na promoção da cooperação internacional, de grande importância uma vez que as atividades espaciais estão sendo desenvolvidas e executadas por um número crescente de países e organizações não governamentais.
Conclusão
É possível inferir que o Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA) tem grande relevância no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, com a crescente exploração do universo por meio de satélites artificiais e sondas espaciais enviadas para planetas como Marte e outros corpos celestes. A ascensão de empreendimentos privados de exploração do espaço por iniciativa de grandes bilionários também é digna de nota, e revela um novo campo de atuação (e provável busca de regulação) do UNOOSA. É louvável, ainda, o fomento dado pelo Escritório pela inclusão de mulheres na ciência e da indústria do espaço, bem como a utilização de suas tecnologias para o estabelecimento de uma agricultura sustentável.
O UNOOSA demonstra ter, por tudo isso, papel fundamental na formação de uma sociedade em que o domínio das capacidades espaciais tem cada vez maior importância. A transmissão de know-how, nesse sentido, tem a capacidade de estimular o desenvolvimento econômico-social desejado, sem abdicar, todavia, da conservação do planeta.
Referências
BRASIL. Decreto nº 5.806, de 19 de junho de 2006: Promulga a Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico, adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 12 de novembro de 1974, e pelo Brasil em 17 de março de 2006. Brasília, 2006.
BRASIL. Decreto nº 64.362, de 17 de abril de 1969: Promulga o Tratado sobre Exploração e Uso do Espaço Cósmico. Brasília, 1969.
BRASIL. Decreto nº 71.981, de 22 de março de 1973: Promulga a convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Objetos Espaciais. Brasília, 1973.
BRASIL. Decreto nº 71.989, de 26 de março de 1973: Promulga o Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de objetos lançados ao Espaço Cósmico. Brasília, 1973.
BRKOVIC, Boris et al. New Eyes: ‘A look from above’ on the post-2015 Development Agenda, and the growing relevance of UNOOSA. In: ACUNS Vienna Annual Conference 2015 Lessons Learned from the Millennium Development Goals and Perspectives for the Post-2015 Development Agenda Held at the Vienna International Centre, Vienna, Austria, January 13–16, 2015. 2015. Disponível em: http://www.ra-un.org/uploads/4/7/5/4/47544571/unoosa_new_eyes.pdf. Acesso em: 23 de out. 2021.
UNITED NATIONS OFFICE FOR OUTER SPACE AFFAIRS (UNOOSA). International Space Law: United Nations Instruments. Nova Iorque: United Nations, 2017. Disponível em: https://www.unoosa.org/res/oosadoc/data/documents/2017/stspace/stspace61rev_2_0_html/V1605998-ENGLISH.pdf. Acesso em: 25 de out. 2021.
UNITED NATIONS OFFICE FOR OUTER SPACE AFFAIRS (UNOOSA). Space Law Treaties and Principles. Disponível em: https://www.unoosa.org/oosa/en/ourwork/spacelaw/treaties.html. Acesso em: 25 de out. 2021.