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Dia Internacional para a Abolição da Escravatura – 02 de dezembro de 1949

No dia 2 de dezembro de 1949, deu-se início a Convenção das Nações Unidas sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição dos Outros (Resolução 317, IV), considerada como sendo um marco histórico referente ao Dia Internacional para a Abolição da Escravatura. Os debates promovidos dentro dessa Convenção, trataram de temas que estavam relacionados ao tráfico de pessoas, que eram coagidas ou obrigadas a trabalhar para abastecer o vasto comércio da exploração sexual, e de encontrar meios para reprimir a prostituição principalmente de mulheres e crianças. 

Todavia, o debate relacionado ao combate do tráfico de pessoas para o comércio da exploração sexual, surgiu no início do século XX, no ano de 1902, por meio da Convenção Nacional de Paris, sendo ratificado dois anos depois pelo Protocolo de Paris. Esse Protocolo recebeu muitas críticas, pelo fato de só reconhecer o tráfico de pessoas, no caso, o tráfico de mulheres brancas, como sendo algo repugnante e abominável, considerando normal, o mesmo ato com mulheres de outras etnias. A partir de 1921, a Liga das Nações organizou a Convenção pela Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, passando a considerar como vítimas do tráfico sexual, qualquer mulher e criança, sem se referir a cor da sua etnia. No ano de 1933, ocorreram novos avanços em torno dessa temática e do combate ao tráfico sexual, a partir da Convenção para Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, passou-se a condenar não só o tráfico sexual, mas também a criminalização do recrutamento para fins de prostituição, mesmo tendo o consentimento da vítima. 

Após todos esses avanços, conquistados por meio de intensos debates, a Organização das Nações Unidas – ONU -, recém-criada (1945), promoveu a Convenção sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição dos Outros, no dia 2 de dezembro de 1949. Este evento tinha como objetivo “reprimir o ato da prostituição, solidificando ainda mais a vinculação dessa espécie de tráfico com prostituição e os preceitos advindos do discurso abolicionista que foram contra as práticas que desrespeitam a dignidade do ser humano.

Contextualizando com os dias atuais

A abolição da escravatura, ao apresentar-se como um marco relativo ao processo histórico de cada país, costuma referir-se na linguagem histórica como o encerramento das práticas de comércio transatlântico, pujantes até sua progressiva erradicação a partir do séc. XIX, com o advento dos delineamentos acerca dos direitos humanos (JARDIM, 2007). Contudo, em contemporaneidade ao reconhecimento de diversas categorias de direitos, a escravatura, além de persistir relativamente em sua configuração original, passou a apresentar modalidade diversificada, em que indivíduos, em escala mundial, são forçados a exercer diferentes atividades laborais mediante o uso de forças de intimidação, consubstanciados, por seu turno, pela violência física ou psicológica. Dessa forma, este fenômeno, denominado como ‘escravidão moderna’, além de designar a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro, passou a manifestar-se intensamente, em diversos países, por meio de atividades forçadas ou obrigatórias de cunho sexual, doméstico, conjugal e comercial, onde parte significativa de suas vítimas são mulheres e crianças (JARDIM, 2007). 

Nesta égide, no ano de 1986, a Assembleia Geral das Nações Unidas retomou a pauta referente ao Dia Internacional para a Abolição da Escravatura, que havia perdido espaço dentro da conjuntura da Guerra Fria. O marco, além de rememorar, de modo celebrativo, a decisão do referido órgão pela Resolução 317, IV, de 2 de dezembro de 1949, trata-se de uma medida representativa que tem como objetivo a exortação dos Estados nacionais para a ratificação, aplicação e ampliação de instrumentos jurídico-institucionais que, auxiliem na erradicação das diversas formas de escravidão contemporânea, bem como, a denúncia legítima de Estados transgressores, perante as cortes judicantes internacionais, como por exemplo, o Tribunal Internacional de Justiça e, o Tribunal Penal Internacional.

A data do dia 2 de dezembro, visa estabelecer a importância da cooperação internacional no combate a este fenômeno, no sentido de dar ensejo político a Relatoria Especial da ONU sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, assim como, tem por finalidade o angariamento de recursos para o Fundo das Nações Unidas, para Formas Contemporâneas de Escravidão que, fornece ajuda humanitária, jurídica e financeira às vítimas da escravidão moderna, por meio de bolsas destinadas a diversas organizações da sociedade civil.

Sendo assim, é necessário que estejamos atentos às mudanças que ocorrem no mundo desde o século XX, até o presente momento, quando o assunto é tráfico de pessoas. Atualmente esse tipo de atividade atinge diversos estratos sociais e estruturais da nossa sociedade, exigindo dos Estados, da Comunidade Internacional e das Organizações Não-Governamentais, maiores atenções no que tange o tráfico de pessoas, exploração sexual, casamento e recrutamento forçado de crianças para uso em conflitos armados, servidão por dívida, servidão infantil, trabalho forçado ou obrigatório, escravidão doméstica, venda de esposas e de crianças, dentre outros abusos.

Principais atividades desenvolvidas no âmbito da escravidão moderna na atualidade

Segundo o site Organización Internacional del Trabajo, a comemoração do Dia Internacional para Abolição da Escravatura, ganhou um novo significado, após a divulgação de dados alarmantes, apresentados pela ONU, que estima haver mais de 27 milhões de pessoas vítimas de alguma forma da escravidão moderna. Esses números conseguem ultrapassar os valores quantitativos de pessoas escravizadas na África ao longo dos 400 anos de escravidão negra no mundo. Na perspectiva do ano da publicação deste artigo – 2 de dezembro de 2009 – acreditava-se que o tráfico de seres humanos gerava um vultoso lucro de 32 bilhões de dólares por ano no mundo. Quando comparamos esses dados com números mais recentes, identificamos que esses indicativos não diminuíram com o espaçamento de uma década, pelo contrário, segundo informações extraídas do site da Defensoria Pública do Paraná, publicado no dia 2 de dezembro de 2020, mais de 40 milhões de pessoas, estão submetidas a algum tipo de privação, coação e/ou ameaças. Ou seja, em 2009, eram 27 milhões o número de vítimas, e em 2020, esse número quase que dobrou, passando para 40 milhões. Essas informações, representam pessoas, mulheres, crianças, famílias que buscam fugir da fome e/ou da guerra, com a promessa de uma vida melhor, e que acabam sendo coabitadas e/ou coagidas a viverem de forma desumana, tendo que trabalhar em locais insalubres sem uma condição mínima de dignidade.

Quando olhamos para os dados referentes ao número de refugiados no mundo, esse número salta para 82,4 milhões. Em todo o globo terrestre, ou seja, são milhares de famílias buscando abrigo em outros países, onde muitos desses não conseguem obter a cidadania nos países que se encontram, podendo tornar-se, serem invisíveis aos olhos do Estado. Outro ponto importante que precisamos ressaltar nesse artigo, é que a Organização das Nações Unidas, no ano de 2016, informou que no mundo, existem aproximadamente, 25 milhões de pessoas que são obrigadas a realizarem trabalhos forçados. Desse quantitativo, 16 milhões foram vítimas de exploração do trabalho forçado no setor privado (trabalho doméstico, construção e agricultura); 5 milhões foram vítimas de exploração sexual forçada; e pouco mais de 4 milhões (16% do total) de pessoas foram impostos pelas autoridades estaduais a realizarem trabalhos também, forçados. 

 Já na categoria de casamentos obrigados, estima-se que até o ano de 2016, cerca de 15,4 milhões de pessoas foram vítimas desse tipo de escravidão, desse número, 6,5 milhões de casos ocorreram nos últimos cinco anos (2012-2016) e, o restante ocorreu antes deste período. E o dado mais alarmante, é que um terço das vítimas desse tipo de casamento forçado, eram crianças, sendo quase todas do sexo feminino. 

Além dos dados supracitados, em média, 152 milhões de crianças estão sujeitas ao trabalho infantil, das quais 88 milhões são meninos e, 64 milhões, são meninas. O maior número de crianças vítimas de trabalho infantil, fica em torno da faixa etária dos 5 aos 17 anos, onde o continente africanos somatiza em média um total de 72,1 milhões de crianças escravizadas, seguido pela Ásia e Pacífico, com um percentual de 62 milhões, no continente americano, o estimativo é de aproximadamente 10,7 milhões; a Europa e a Ásia, somam uma estimativa de 5,5 milhões, e, os Estados Árabes, 1,2 milhões de crianças escravas. Quase um terço dessas crianças, que estão na faixa etária dos 5 aos 14 anos, estão fora do sistema escolar, e 38% delas realizam trabalhos perigosos.

Quando olhamos para os dados divulgados por alguns canais de comunicação brasileiros, sobre as atividades de escravidão moderna, observamos que essa também é uma prática recorrente aqui, e que segundo o último relatório da Fundação Walk Free, o Brasil possui 161,1 mil pessoas exercendo algum tipo de trabalho escravo. Destes, a maioria concentra-se nas áreas rurais, principalmente nas regiões do Cerrado e da Amazônia. Numa perspectiva social, por sua vez, das 936 pessoas em situação de exploração resgatadas no ano de 2015, a maioria era do sexo masculino, dentro da faixa etária dos 15 aos 39 anos, apresentando um baixo nível de escolaridade e, sob realidade migratória.

A ONG Walk Free Foundation, também divulgou, que em uma escala de 0 a 100, o Brasil aparece com 56,85%, no quesito “resposta governamental” à prática. O relatório diz que, se for levado em conta o PIB do país, a atuação do Brasil no combate à escravidão moderna merece destaque, por deslocar mais recursos proporcionalmente para o combate à prática, em relação aos países mais desenvolvidos.

Segundo o Radar SIT, que monitora informações e estatísticas da inspeção do trabalho no Brasil, destaca-se que já foram resgatados, em todo o território nacional, 55,7 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão tradicional desde o ano de 2003. Do número divulgado, 13.249 pessoas estavam localizadas no Estado do Pará, 6.875, em Minas Gerais, e 6.712 em Mato Grosso. Nos três estados em questão, a população menos abastada e com baixa escolaridade são os mais afetados por essa realidade, o que reforça a necessidade do Estado brasileiro – para além do ato de inibir penalmente este fenômeno – criar mecanismos de efetivo alcance para a garantia dos direitos educacionais e trabalhistas nessas localidades, como forma socialmente apreendida de garantir à dignidade da pessoa humana para esses grupos.

No entanto, em contrapartida ao modelo combativo esperado pelo Estado brasileiro, em abril 2019, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) foi extinta pelo Decreto 9.759, e depois recriada pelo Decreto 9.887, de 28 de junho do mesmo ano, sob composição reduzida. Assim, de 20 membros anteriormente, decaiu-se para apenas 8, sendo 4 de órgãos públicos e, 4 de entidades não governamentais de diversos setores. Ademais, as reuniões necessárias para o planejamento da Comissão foram limitadas a 2 horas de duração, diminuindo a capacidade de discussão da Conatrae acerca das diretrizes, estratégias e logísticas necessárias para o enfrentamento dos problemas concernentes ao trabalho escravo no Brasil. Desta forma, infere-se que, apesar de notórios avanços nacionais e internacionais no que concerne à atenção diante a problemática descrita, persistem ainda diversificados e densos desafios de âmbito estatístico e institucional que reforçam o contínuo reforço da conscientização societária acerca do referido marco histórico no cotidiano socioeconômico, bem como, acerca dos próprios desdobramentos da escravidão contemporânea na vida internacional. 

Referências

DOMINGUES, Joelza Ester. Dia Internacional para a Abolição da Escravatura. Ensinar História, 2021. Acesso em: 21/10/21.

SOUZA, Isabela. Um panorama da escravidão moderna no Brasil e no mundo. Guia do Estudante, 2019. Acesso em: 21/10/21.

JARDIM, P. G. NEO-ESCRAVIDÃO: AS RELAÇÕES DE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL. Tese (Mestre em Direito) –  Programa de Pós-Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, p. 186. 2007. 

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