O presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de internacionalização desenvolvidas a partir do estado de Pernambuco, com ênfase no papel articulador do Consulado da República da Eslovênia, ativo há nove anos no estado, e nas relações diplomáticas históricas entre o Brasil e os países da Europa Central, que celebram dois séculos de conexões institucionais. Pernambuco, por meio de seu HUB Consular – uma rede com mais de 40 representações internacionais – tem fomentado parcerias estratégicas em áreas como comércio exterior, educação, inovação e políticas públicas, assumindo protagonismo na paradiplomacia brasileira. Este estudo também discute a relevância do Porto de Suape como ponto de integração logística entre o Atlântico Sul e os portos europeus, como o Porto de Koper, na Eslovênia. A análise inclui ainda as perspectivas futuras para o estado no campo da cooperação internacional, destacando oportunidades de inserção em redes globais de desenvolvimento sustentável, digitalização e ciência aplicada. A pesquisa adota metodologia qualitativa, baseada em fontes oficiais e casos concretos, com a finalidade de evidenciar como a diplomacia descentralizada pode redefinir o papel de atores subnacionais na agenda global do século XXI.
Sumário
Introdução
Em um mundo cada vez mais interdependente, os processos de internacionalização deixaram de ser monopólio dos grandes centros econômicos para se tornarem uma ferramenta acessível a territórios periféricos, como os estados do Nordeste brasileiro. Pernambuco, por meio do seu HUB consular e diplomático, desponta como protagonista regional em diplomacia econômica descentralizada, inovando nas relações exteriores por meio da articulação direta com países da Europa Central. O Consulado da República da Eslovênia em Pernambuco, instalado desde 2014, é o epicentro simbólico dessa transformação geopolítica em escala local, ao mesmo tempo em que celebra os 200 anos das relações diplomáticas entre o Brasil e nações como Áustria, Hungria, Eslováquia, Croácia, República Tcheca e a própria Eslovênia, expandindo os horizontes de cooperação com o Velho Continente.
Essas relações não se limitam à formalidade institucional: elas impactam diretamente as esferas do comércio exterior, da inovação, da educação e das políticas públicas, promovendo uma sinergia entre a vocação portuária de Pernambuco – ancorada no Complexo Industrial Portuário de Suape – e os interesses estratégicos de países europeus que buscam se conectar com o Atlântico Sul. Como destaca Castells (2000), “as redes tornam-se a nova morfologia social de nosso tempo”, e é nessa lógica que o HUB Pernambuco constrói pontes com o HUB Mundo, priorizando conexões que extrapolam a dimensão econômica para incluir valores culturais, científicos e ambientais.
A consolidação de Pernambuco como um centro de relações internacionais descentralizadas é evidenciada pela presença de mais de 40 representações consulares no estado, com o Consulado da Eslovênia ocupando posição de destaque pelo pioneirismo nas ações de diplomacia pública e cooperação bilateral. Em 2023, por exemplo, uma missão comercial e institucional entre os portos de Suape e Koper foi articulada com o objetivo de criar um corredor logístico entre América do Sul e Europa Central, reafirmando a relevância geoestratégica de Pernambuco no cenário atlântico global (SUAPE, 2023).
Ademais, não se trata apenas de internacionalizar a economia, mas de reinventar o papel de estados federados como atores diplomáticos autônomos, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e à Nova Agenda Urbana. Essa vertente da paradiplomacia, segundo Tavares (2016), “reconfigura os espaços subnacionais como sujeitos políticos que negociam diretamente com o mundo”, o que posiciona Pernambuco como um case relevante de articulação internacional liderada por governos locais, instituições acadêmicas, setor privado e representações diplomáticas não centrais.
Com base nesse panorama, o presente trabalho propõe uma análise crítica das estratégias de internacionalização promovidas a partir de Pernambuco, com ênfase nos casos exitosos do Consulado da Eslovênia, nas comemorações do bicentenário das relações Brasil-Europa Central e nas perspectivas futuras de cooperação internacional, especialmente nas áreas de políticas públicas e comércio exterior. Trata-se, portanto, de entender como Pernambuco está deixando de ser apenas um elo periférico na geopolítica internacional para se tornar um nó articulador de fluxos globais em múltiplas dimensões.
O HUB Consular de Pernambuco e a Inovação Diplomática
O HUB Consular de Pernambuco constitui uma verdadeira arquitetura diplomática descentralizada, rara no contexto federativo brasileiro, e inovadora no plano das relações internacionais contemporâneas. Com mais de 40 representações internacionais oficialmente reconhecidas, entre consulados, cônsules honorários e escritórios de representação, o estado ressignifica o papel das unidades federativas como protagonistas da paradiplomacia. A convergência entre interesses locais e estratégias geopolíticas globais permite ao HUB funcionar como plataforma de cooperação transnacional. Como enfatiza Aldecoa (1999), “a internacionalização das regiões é hoje uma das manifestações mais evidentes da globalização”.
Essa estrutura consular instalada no Recife não apenas facilita serviços diplomáticos tradicionais, como vistos, registros e apoio consular, mas também se tornou polo catalisador de negócios internacionais, intercâmbios científicos, culturais e acordos técnicos entre governos locais e estrangeiros. A lógica da inovação diplomática praticada em Pernambuco reside na articulação horizontal entre os atores: universidades, setor produtivo, órgãos públicos, consulados e organismos multilaterais. Essa sinergia cria um terreno fértil para o nascimento de parcerias sustentáveis, antecipando tendências que hoje são defendidas por instituições como a ONU e a OCDE em matéria de cooperação descentralizada.
Um exemplo concreto dessa inovação diplomática está na colaboração entre o Porto de Suape, em Ipojuca, e o Porto de Koper, na Eslovênia, articulada por meio do Consulado Honorário da Eslovênia no Recife. Essa aliança busca criar um corredor logístico eficiente entre o Atlântico Sul e a Europa Central, conectando fluxos comerciais e tecnológicos entre continentes. Segundo reportagem da própria administração portuária, a aproximação foi estratégica para fomentar o intercâmbio bilateral, ampliando a movimentação de contêineres, navios roll-on/roll-off e operações multimodais (SUAPE, 2023).
Além disso, o HUB é protagonista em agendas internacionais voltadas à inovação, como os eventos realizados em parceria com universidades e centros de pesquisa europeus, especialmente em áreas como sustentabilidade urbana, energias renováveis e transformação digital. Nesses encontros, o modelo pernambucano de diplomacia aberta tem sido apresentado como benchmark para outros estados brasileiros e até países do Sul Global. Como argumenta Keating (2013), “as regiões que buscam o mundo através da cooperação descentralizada tendem a acelerar seus processos de modernização sem perder identidade”.
Neste contexto, o HUB Consular de Pernambuco não apenas promove relações protocolares, mas ativa mecanismos concretos de desenvolvimento internacional. Ele se insere numa nova geração de diplomacia prática, onde o território atua como plataforma viva de experimentação global. É uma emulação de um “hub mundo”, onde as interações fluem menos por hierarquias formais e mais por interesses convergentes, talento local e redes transnacionais de colaboração.
O Consulado da Eslovênia em Pernambuco: Um Case de Sucesso
A atuação do Consulado Honorário da República da Eslovênia em Pernambuco, ao longo de seus nove anos, configura-se como um dos exemplos mais notórios de diplomacia funcional no Brasil. Em vez de se limitar às obrigações consulares tradicionais, o consulado ampliou sua atuação para a promoção de relações comerciais, culturais e logísticas entre Pernambuco e a Europa Central. A Eslovênia, país-membro da União Europeia e com forte tradição portuária por meio do Porto de Koper, viu em Pernambuco uma plataforma geoestratégica para a América Latina. Como destaca Hocking (2004), “a diplomacia contemporânea demanda a habilidade de conectar narrativas locais a fluxos globais com inteligência institucional”.
Desde sua fundação, o consulado promove missões comerciais, intercâmbios acadêmicos, eventos bilaterais e cooperações técnico-institucionais, notadamente com foco em inovação, logística, educação e economia verde. Um dos pontos altos dessa relação é a articulação entre o Porto de Koper e o Porto de Suape, que, ao estabelecer diálogo direto, rompeu a lógica dependente dos grandes centros diplomáticos (Brasília–Liubliana) e institucionalizou uma nova via para o comércio marítimo entre os dois continentes. Esta estratégia atende diretamente às diretrizes da paradiplomacia contemporânea, que segundo Cornago (2010), “não é mais exceção, mas parte integrante do novo multilateralismo descentralizado”.
O consulado também tem sido protagonista na articulação de encontros bilaterais de alto nível, como fóruns de negócios e seminários sobre sustentabilidade, reunindo empresários, gestores públicos e universidades de ambos os países. Esses eventos permitem que startups locais acessem oportunidades internacionais de financiamento e incubação tecnológica. A aproximação com instituições como a Universidade de Liubliana, por exemplo, abriu portas para parcerias em projetos de smart cities, mobilidade urbana e bioeconomia. Essas trocas não apenas elevam a qualificação dos profissionais pernambucanos, mas posicionam o estado como polo diplomático emergente da inovação.
Do ponto de vista institucional, o sucesso do consulado esloveno reside em sua atuação com base na tríade: presença territorial, transversalidade temática e pragmatismo estratégico. A representação funciona como catalisador de ações que envolvem o setor portuário, o campo educacional, as artes e até o turismo, transformando uma unidade diplomática periférica em espaço dinâmico de interlocução internacional. Como afirmam Nye & Keohane (2012), “o poder de atração e a capacidade de gerar cooperação sustentável são as novas moedas das relações internacionais modernas”.
A longevidade e expansão da atuação do consulado em Pernambuco consolidam o estado como interlocutor legítimo da Eslovênia e de outros países da região centro-europeia. A agenda não se restringe ao passado comemorativo dos 200 anos de relações diplomáticas entre o Brasil e a Europa Central; ela projeta o futuro, com foco em inteligência comercial, desenvolvimento sustentável e redes internacionais de inovação. Com isso, o consulado da Eslovênia não apenas representa seu país — ele representa um modelo de diplomacia proativa, territorializada e sensível às complexidades locais.
Os 200 Anos de Relações Diplomáticas Brasil–Europa Central
A marca de dois séculos de relações diplomáticas entre o Brasil e os países da Europa Central — Áustria, Hungria, Eslovênia, Croácia, República Tcheca e Eslováquia — não representa apenas uma celebração histórica, mas sim a consolidação de um vínculo político-cultural que atravessa fases geopolíticas distintas. A trajetória dessas relações foi marcada por intensos fluxos migratórios, trocas comerciais estratégicas e, mais recentemente, parcerias tecnológicas e científicas. Segundo Saraiva (2003), “a política externa brasileira sempre manteve uma postura de abertura com as nações europeias, inclusive com aquelas que emergiram de reconfigurações territoriais do século XX”.
Durante o século XIX, imigrantes da Áustria-Hungria chegaram ao Brasil, especialmente ao Sul, trazendo consigo não apenas mão de obra, mas também traços culturais, religiosos e técnicos que deixaram marcas na arquitetura, na agricultura e na indústria regional. Com o desmembramento do império austro-húngaro e o surgimento de novas repúblicas no século XX, o Brasil adaptou sua política externa às novas realidades, reconhecendo as independências e estabelecendo embaixadas, consulados e tratados bilaterais. Atualmente, todos os países mencionados mantêm relações diplomáticas formais com o Brasil, participando ativamente de fóruns como o Mercosul-União Europeia, além de câmaras de comércio e conselhos bilaterais (Itamaraty, 2024).
Mais recentemente, essas relações ganharam novo fôlego com a intensificação da cooperação científica e educacional. Diversas universidades brasileiras mantêm convênios com instituições de ensino superior centro-europeias, viabilizando intercâmbios estudantis, pesquisas conjuntas e programas multilíngues. A Eslovênia, por exemplo, promove o idioma esloveno no Brasil por meio de cursos e bolsas de estudo, ao passo que o Brasil exporta expertise em energias renováveis, bioeconomia e gestão ambiental, temas sensíveis para os países da região. Conforme aponta Leite (2011), “a diplomacia contemporânea é educacional, científica e digital: ela se desenvolve em múltiplas camadas além do chanceler e do embaixador”.
O campo econômico também registra avanços expressivos. A Hungria, por exemplo, tem investido na área de tecnologia agrícola em parceria com empresas brasileiras; a Áustria, por sua vez, mantém relevante presença no setor automotivo e metalúrgico no Sul do país; e a República Tcheca tem sido uma das grandes compradoras de produtos farmacêuticos brasileiros. A Europa Central, portanto, não é apenas destino de exportações, mas também fonte de investimentos diretos estrangeiros no Brasil, especialmente nos setores de infraestrutura, transporte e inovação digital.
Outro ponto de destaque na relação com esses países é o estímulo à governança colaborativa. Iniciativas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), à mobilidade urbana inteligente, à transição energética e à diplomacia climática têm sido firmemente apoiadas por Áustria, Eslovênia e Eslováquia em parceria com estados brasileiros. Pernambuco, por meio do seu HUB consular, tem se beneficiado desse novo perfil de cooperação técnica, participando de editais internacionais e missões oficiais, inclusive com apoio da União Europeia. Tais iniciativas colocam o estado em posição vantajosa para absorver os frutos de uma diplomacia que, como define Cooper (2013), “opera por redes, não por hierarquias”.
Ao celebrar os 200 anos dessas relações, não se olha apenas para o passado. Olha-se sobretudo para o futuro: um futuro em que cidades, estados e regiões assumem papel de coprotagonistas no tabuleiro diplomático global, articulando interesses legítimos com inovação, sustentabilidade e desenvolvimento regional. O exemplo de Pernambuco, mediado por seu HUB diplomático e representações como a da Eslovênia, é um dos sinais mais robustos de que esse futuro já começou.
Internacionalização de Pernambuco: Desafios e Oportunidades
A trajetória de internacionalização de Pernambuco insere-se em um cenário complexo e multifacetado, no qual a descentralização diplomática se torna instrumento de desenvolvimento econômico, cultural e tecnológico. O estado, por meio de iniciativas como o HUB Consular, projeta-se para além das fronteiras nacionais, mas enfrenta obstáculos estruturais, institucionais e logísticos que ainda limitam sua inserção plena nos fluxos globais. Como afirma Ribeiro (2020), “a internacionalização exige um ecossistema articulado entre Estado, academia e setor privado; sem isso, qualquer avanço torna-se episódico, não sistêmico”.
Entre os principais desafios está a ausência de uma política pública estadual robusta e contínua voltada especificamente para a internacionalização. Apesar de iniciativas isoladas, falta institucionalizar uma estratégia de longo prazo que integre os eixos de comércio exterior, ciência, tecnologia, educação internacional, turismo e cultura. A rotatividade política e a ausência de um corpo técnico diplomático especializado nos órgãos estaduais muitas vezes enfraquecem a continuidade das ações. Ainda assim, há avanços importantes: a criação de coordenadorias internacionais em secretarias estaduais, a atuação do Porto de Suape como plataforma de atração de investimentos e as cooperações com organismos multilaterais apontam caminhos promissores.
Outro gargalo está na infraestrutura logística e digital. Embora o Porto de Suape seja um ativo estratégico, ele ainda carece de maior integração ferroviária e de serviços alfandegários mais ágeis. Da mesma forma, a conectividade aérea internacional do Recife precisa ser ampliada para consolidar a capital como hub regional de acesso ao exterior. No campo da digitalização, o estado já apresenta polos promissores como o Porto Digital, mas ainda há lacunas em municípios do interior, dificultando a expansão de startups globais fora da capital. Como aponta Sassen (2001), “a conectividade global de uma cidade não se mede apenas por sua posição geográfica, mas pela densidade de suas redes”.
Por outro lado, Pernambuco acumula oportunidades ímpares. Sua localização estratégica no Atlântico Sul, equidistante da Europa e da África, confere vantagem comparativa na atração de investimentos estrangeiros e rotas comerciais. Além disso, a presença crescente de consulados e organismos internacionais cria uma ambiência institucional propícia à cooperação multilateral. Programas como Erasmus+ e Horizon Europe, da União Europeia, oferecem linhas de financiamento direto para projetos em estados brasileiros, muitos dos quais já acessados por universidades e centros de inovação pernambucanos (European Commission, 2024).
A educação internacional surge como vetor indispensável nesse processo. Universidades como a UFPE, UFRPE e UNICAP têm firmado acordos com instituições da Eslovênia, Croácia, Hungria e Áustria, promovendo intercâmbios, pesquisas conjuntas e mobilidade estudantil. A captação de estudantes estrangeiros também se mostra crescente, criando um ecossistema multicultural que beneficia o ambiente acadêmico e empresarial. Como enfatiza Knight (2011), “a internacionalização da educação superior é motor para a diplomacia do conhecimento e para a projeção internacional das nações”.
Além disso, o campo da inovação se revela cada vez mais fértil. O Porto Digital do Recife, considerado um dos maiores parques tecnológicos da América Latina, tem atraído empresas internacionais e fomentado negócios de base tecnológica com foco em internacionalização. Startups pernambucanas já participam de programas de aceleração na Europa Central e contam com apoio de consulados para inserção em ambientes regulatórios estrangeiros. Essa ponte entre diplomacia e inovação é o que permite ao estado criar “vocações globais” a partir de talentos locais.
Assim, entre desafios persistentes e oportunidades emergentes, Pernambuco está diante de uma encruzilhada histórica: consolidar-se como ator internacional relevante no cenário sul-global ou permanecer como elo periférico de redes de poder centralizadas. A resposta dependerá, em grande parte, da capacidade de transformar estruturas consulares e experiências diplomáticas exitosas, como a da Eslovênia, em políticas públicas duradouras, intersetoriais e territorialmente distribuídas.
Perspectivas para Pernambuco na Cooperação Internacional em Políticas Públicas e Comércio Exterior
O futuro de Pernambuco na arena internacional dependerá de sua habilidade em converter seus ativos geoestratégicos em inteligência institucional voltada à cooperação. As perspectivas mais promissoras residem na convergência entre políticas públicas inovadoras e inserção nos mercados globais, com base em redes diplomáticas consolidadas e projetos multissetoriais de médio e longo prazo. A articulação entre o Consulado da Eslovênia, o HUB Consular e o Porto de Suape sinaliza que o estado possui não apenas vocação internacional, mas também infraestrutura institucional para exercer protagonismo no século XXI. Como destaca Milani (2015), “os governos subnacionais podem se tornar diplomatas legítimos quando agem com coerência política, continuidade administrativa e inserção estratégica”.
No campo das políticas públicas, Pernambuco tem potencial para se posicionar como laboratório de boas práticas em governança global. Programas em áreas como segurança alimentar, gestão de recursos hídricos, saúde pública digital e cidades inteligentes podem ser objeto de cooperação técnica com países da Europa Central. A experiência de cidades eslovenas, croatas e tchecas em economia circular e urbanismo sustentável é um exemplo de know-how aplicável ao contexto pernambucano, especialmente em regiões metropolitanas como Recife e Jaboatão. Por meio de projetos em rede, financiados por agências multilaterais como a UN-Habitat, o estado pode inserir seus municípios em agendas globais de urbanismo resiliente e planejamento territorial inovador (UN-Habitat, 2024).
Já no comércio exterior, as oportunidades são igualmente robustas. A tendência global de regionalização das cadeias produtivas – acelerada pela pandemia e pelos conflitos geopolíticos – abre espaço para que portos como Suape se tornem hubs logísticos de médio curso entre a América do Sul e a Europa. A conexão entre os portos de Suape e Koper, por meio do corredor interoceânico em negociação, representa mais que uma rota comercial: é a ancoragem de Pernambuco nas novas rotas globais do comércio verde, inteligente e resiliente. Como analisa Zignago (2021), “os portos inteligentes serão os vértices da próxima economia: data-driven, descarbonizada e geopoliticamente adaptável”.
Adicionalmente, Pernambuco pode liderar uma diplomacia comercial descentralizada com foco em bens intangíveis, como tecnologia, cultura, conhecimento e serviços criativos. A economia criativa pernambucana, alicerçada em festivais, design, audiovisual e software, já tem potencial de exportação comprovado, mas ainda carece de uma estratégia internacional clara e apoio institucional estruturado. A criação de escritórios de negócios internacionais e centros de soft power cultural em capitais estratégicas da Europa Central seria uma iniciativa de baixo custo e alto impacto, capaz de conectar empreendedores locais a ecossistemas globais de inovação e consumo.
Além disso, a formação de consórcios intermunicipais para acesso a editais internacionais pode descentralizar os benefícios da cooperação internacional, levando desenvolvimento para o interior do estado. Municípios como Petrolina, Garanhuns e Araripina podem estabelecer relações com cidades-irmãs na Europa Central, especialmente na troca de experiências sobre agricultura irrigada, turismo sustentável e energias limpas. Como propõe Hooghe e Marks (2003), “a nova governança multinível exige que regiões e cidades assumam protagonismo na arena transnacional, rompendo com a rigidez da diplomacia estatal”.
Em resumo, Pernambuco reúne os elementos-chave para se tornar um ator diplomático regional com projeção internacional: presença consular robusta, infraestrutura portuária estratégica, polos de inovação, diversidade cultural e capacidade acadêmica instalada. O desafio, entretanto, será transformar essas potencialidades em uma política externa estadual efetiva, transversal e contínua — com visão de futuro e respaldo institucional — capaz de projetar o estado como referência em cooperação internacional, políticas públicas sustentáveis e diplomacia econômica no hemisfério Sul.
Conclusão
A trajetória recente de Pernambuco na cena internacional não pode mais ser tratada como mero reflexo das diretrizes da política externa nacional. O estado, por meio da criação e fortalecimento de seu HUB Consular, projeta uma agenda própria de internacionalização, firmada em estratégias concretas de cooperação bilateral, integração logística, intercâmbio educacional e inovação diplomática. O caso emblemático do Consulado da Eslovênia, com seus nove anos de atuação exitosa, materializa o que há de mais avançado na paradiplomacia contemporânea: presença territorial ativa, construção de redes institucionais e geração de resultados tangíveis tanto para o país representado quanto para a comunidade local receptora.
A celebração dos 200 anos de relações diplomáticas entre o Brasil e a Europa Central representa um momento simbólico, mas também uma plataforma estratégica de relançamento de parcerias. Os países envolvidos — Áustria, Hungria, Eslovênia, República Tcheca, Eslováquia e Croácia — oferecem know-how, capital humano e possibilidades de intercâmbio com elevada densidade tecnológica, cultural e institucional. Pernambuco, por sua vez, apresenta ativos geoestratégicos, infraestrutura portuária de classe mundial, universidades dinâmicas e um ecossistema de inovação em crescimento. A convergência dessas forças aponta para uma inserção internacional sofisticada, baseada na diplomacia da prática e na cooperação de múltiplos níveis.
No entanto, os avanços observados até aqui exigem institucionalização para que se sustentem no longo prazo. É imperativo que o estado desenvolva uma política pública contínua de internacionalização, com recursos estáveis, metas claras e articulação intersetorial. A criação de mecanismos de monitoramento, escritórios internacionais de negócios e políticas de estímulo à mobilidade acadêmica e científica são caminhos promissores. Da mesma forma, a descentralização da cooperação para o interior pernambucano pode expandir os benefícios da internacionalização de forma equitativa e territorialmente democrática.
Por fim, Pernambuco encontra-se em um ponto de inflexão. O que até pouco tempo era visto como “periferia diplomática” agora emerge como território diplomático ativo, capaz de mediar relações internacionais de alta complexidade, sem depender exclusivamente do aparato central da diplomacia brasileira. Como destaca Rosenau (2005), “o poder no mundo contemporâneo não é mais exclusivo dos Estados, mas compartilhado com unidades subnacionais que constroem, negociam e influenciam a ordem global por meio da prática cotidiana”. É neste ponto que Pernambuco, ao conectar-se com o HUB Mundo, transforma-se em elo vital da nova diplomacia dos territórios.
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