Introdução
A ideia de método surgiu na Grécia Antiga, onde methodos (methá+ odon) significava “o caminho para chegar a um fim”. Em seu processo de formação e consolidação histórica, a ideia de método também era utilizada para expressar coisas como “maneira de agir”, “tratado elementar”, “processo de ensino”, etc (RAMALHO & MARQUES, 2009). Para RAMPAZZO (2002 p.33) “o método se concretiza nas diversas etapas ou passos que devem ser dados para solucionar um problema: entende-se, então, como a coordenação unitária dessas diferentes etapas”. Considerando a literatura adotada neste trabalho sobre o tema (ANDRADE, 1993; CHAUÍ, 1994; MARCONI e LAKATOS, 2010, POPPER, 1975, etc), procura-se apresentar o método de pesquisa como uma reunião de atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança, permite o alcance de um conhecimento válido e verdadeiro.
Por meio da comparação entre dois métodos, este trabalho procura trazer uma perspectiva acerca da complementaridade entre um método que se apropria da definição de todos os atores/partes que compõem determinado campo de análise (método funcionalista), e um método que se preocupa em apresentar hipóteses racionais e condizentes com a realidade a respeito de possíveis efeitos das ações ordenadas e/ou desordenadas dos atores/partes para o campo investigado. Há também uma preocupação em demonstrar que pela baixa improbabilidade de execução de ambos os métodos de forma individual ou simultânea, os dois podem se complementar proporcionando o melhor aproveitamento possível dos dados e da reflexão dos mesmos sobre o que está sendo observado.
Em suma, este trabalho procura apresentar de forma breve dois métodos de pesquisa, explicitando seus principais conceitos e, em sequência, estabelecer uma comparação entre eles. Tal análise procura identificar as principais semelhanças entre os métodos aqui citados e, se possível, construir uma linha de complementaridade para uma pesquisa que busque lidar com tais métodos de forma simultânea.
Método Hipotético-Dedutivo segundo Bunge
O método de pesquisa dedutiva é o processo de análise da informação que se fundamenta no raciocínio lógico e na dedução para chegar a uma conclusão sobre determinado tema/assunto. Como uma ramificação dentro da linhagem de pesquisa dedutiva, o método hipotético-dedutivo aparece no campo das ciências através de Sir Karl Raymund Popper (MARCONI; LAKATOS, 2010) e possui como um dos principais nomes de outras interpretações e leitura do mesmo método, Mário A. Bunge.
O físico e filósofo argentino Mario Augusto Bunge se consolidou pela defesa do cientificismo, racionalismo e humanismo, assim como pelas suas críticas ao que ele denominou de “pseudociência” (medicina alternativa, microeconomia neoclássica, psicanálise, dentre outras). Bunge trouxe o conceito de filosofia científica para as ciências sociais, onde acredita que a filosofia é totalmente compatível com a ciência, sendo esta passiva de racionalização, materialização e cientificismo (OLIVEIRA, 2019).
Nesse contexto, Bunge foi um dos principais expoentes na defesa da adoção do método científico para realização de pesquisas. Para ele era essencial a verificação da compatibilidade da ciência com a tecnologia adequada ao momento em que determinada pesquisa é realizada, juntamente com a investigação científica ou técnica e seu valor na concepção de políticas que tendem ao aprimoramento da qualidade de vida (OLIVEIRA, 2019).
Tratando-se de método hipotético dedutivo, a crítica de Bunge se dirigia ao próprio criador do método, Karl Popper, que entendia que uma teoria pode ser científica se, e somente se, existir alguma circunstância que permita refutação. Para Bunge, isso soava exageradamente simplista e não satisfaria o problema de demarcação no problema de pesquisa. Bunge acredita que mais importante que a refutação de uma pesquisa, é a compatibilidade com a maior parte do conhecimento (OLIVEIRA, 2019).
O método consiste na percepção de problemas, lacunas ou contradições no conhecimento que já se obtém ou em teorias prévias. Com base nessa identificação de questões a partir da informação existente, cria-se teorias e/ou soluções que são testadas através da experimentação ou análises estatísticas. A partir da análise dos resultados, o método hipotético-dedutivo avalia as soluções e teorias elaboradas a fim de identificar aquelas que podem ser descartadas ou aproveitadas (POPPER, 1995).
Quadro 1: Demonstração das fases do método hipotético-dedutivo segundo Mário A. Bunge
ETAPAS | DESCRIÇÃO |
Colocação do Problema | Esta etapa é executada através do reconhecimento dos fatos, da descoberta dos problemas e da formulação do mesmo. |
Construção de um Modelo Teórico | Esta etapa consiste na seleção dos fatores pertinentes, na invenção das hipóteses centrais e das auxiliares. |
Dedução de Consequências Particulares | Esta etapa trata da procura por suportes racionais e pela procura de suportes empíricos. |
Teste de Hipóteses | Nesta etapa ocorre o rascunho da prova, a execução da prova, a elaboração dos dados e a inferência da conclusão. |
Adição ou Introdução das Conclusões na Teoria | Esta, que é a última etapa, ocorre a comparação das conclusões com as predições e retrodições, o reajuste do modelo e as sugestões para trabalhos superiores. |
Método Funcionalista
O método funcionalista é mais um método de interpretação do que de investigação (MARCONI & LAKATOS, 2003) consiste em ser aquele que analisa vários elementos que constituem uma sociedade como integrantes de um mesmo corpo vivo. Esse método foi desenvolvido por Malinowski, conhecido por realizar trabalhos de etnografia. Para ele, um dos primeiros no que diz respeito às pesquisas de campo, para o entendimento sobre uma sociedade, é preciso analisar o conjunto de estruturas e mecanismos que a constitui de modo preciso e profundo.
O método funcionalista, além de ser uma pesquisa exploratória, é importante para a compreensão da dinâmica de acontecimentos complexos. Tratando-se de antropologia, a visão de Malinowski está ultrapassada, entretanto, para o estudo das sociedades, é considerada um marco importante, sendo bastante utilizado nas ciências sociais. Faz-se uso dele quando um pesquisador deseja compreender o funcionamento de cada parte que compõe o todo que ele busca analisar, e a forma como elas se interrelacionam (MARCONI & LAKATOS, 2003).
Por ser um método que exige um alto nível de dedicação do pesquisador, visto que é crucial a este (o pesquisador) possuir uma compreensão de todas as partes de um sistema complexo e por último, o funcionamento do sistema como um todo, é necessário uma certa cautela em sua escolha. Cabe ao pesquisador que escolhe o método funcionalista a visão clara a respeito da essencialidade da identificação clara de todos os atores/fatores/partes que compõem o tema e de todas as formas possíveis de interação entre elas (RAMALHO E MARQUES, 2009).
Análise Comparativa dos Métodos
O método hipotético-dedutivo e o método funcionalista se assemelham em um ponto crucial para a execução das duas metodologias: a análise da informação. Os dois métodos se preocupam com a racionalização lógica das informações como sendo o único caminho para se tirar conclusões sobre os temas e assuntos.
Enquanto o método hipotético-dedutivo usa da análise das informações para criar suas hipóteses e sugestões buscando resolver situações imediatas, o método funcionalista entende que a compreensão racional das informações sobre todos os atores envolvidos com o campo que se pretende analisar, é o suficiente para sanar quaisquer questões.
A respeito da aplicabilidade dos métodos hipotético-dedutivo e funcionalista, é possível concluir que, a priori, não há grandes impedimentos. Os dois métodos se fundamentam na compreensão e análise racional de dados que definem as características gerais e atores envolvidos no campo que pretende-se analisar. Em um olhar mais aprofundado, o método hipotético-dedutivo é mais maleável e passível de adaptações durante a sua construção, o que facilita a sua aplicabilidade. O método funcionalista se torna mais complexo no tocante a aplicação quando considera-se sua característica básica de definição de todos os atores envolvidos no campo a ser analisado. A possibilidade de alteração, ampliação ou redução de atores envolvidos no campo, termina por influenciar de certa forma a aplicabilidade do método.
Os dois métodos também conseguem cobrir de forma minimamente satisfatória as informações que se propõe a coletar e processar. Os dois métodos se apoiam em fontes confiáveis para compreensão dos envolvidos no campo, seus papéis e atividades isoladas ou coletivas. A partir da análise dessa interação entre atores diferentes que compõem o campo a ser investigado, é possível averiguar que os dois métodos conseguem coletar informações que definem o campo de estudo, definem os atores envolvidos no campo, a natureza positiva ou negativa da interação entre os atores sobre o campo e processo que fortalece ou enfraquece a interação entre os atores no campo.
O método hipotético-dedutivo trabalha com a possibilidade de alterações durante o percurso. Nele é possível alterar hipóteses e soluções que não atenderam a proposta inicial pela qual foram feitas, ou descartá-las e começar do zero. No método funcionalista as conclusões feitas a partir da leitura e definição racional de todos os atores envolvidos e a forma como eles se relacionam, não são passíveis de alteração durante o seu processo de contraposição com as hipóteses ou a própria pergunta de pesquisa.
No tocante às limitações, o método funcionalista, enquanto experiência que defende a crucialidade do pesquisador saber identificar todas as partes que compõem o objetivo/campo analisado, juntamente com as formas de interações entre elas, leva-nos a refletir sobre o quanto isso é possível. Considerando que análises nas ciências sociais raramente são experiências controladas (tudo na sociedade está em constante mudança e adaptação), o método funcionalista pode se auto limitar ao acreditar na impossibilidade de sua aplicação sem a definição dos papéis de todos os envolvidos.
Em termos mais gerais, talvez o conhecimento apenas dos principais fatores e atores envolvidos seja o bastante para uma análise geral. Nesse ponto, o método hipotético-dedutivo possui mais vantagens pela sua capacidade de testagem de hipóteses e sugestões, juntamente com a reformulação das mesmas – quando necessário – durante o processo. A maior abertura para não teorizar ou criar soluções para tudo, e sim apenas para as questões que se apresentam como imediatas, cria uma maior mobilidade durante a pesquisa.
Considerações finais
Através da busca pela descrição de dois métodos de pesquisa centrados na análise da informação, este trabalho buscou apresentar os principais conceitos e autores dos métodos hipotético-dedutivo e o método funcionalista. Considerando a relevância do processo posterior a coleta de dados (a análise das informações reunidas), neste trabalho entende-se que a preocupação em racionalizar as informações, seja pela verificação de hipóteses previamente construídas com base nos primeiros olhares do campo ou objeto de estudo (hipotético-dedutivo), seja pela checagem dos dados coletados dentro das possíveis funções a serem executadas (método funcionalista), considera-se aqui de extrema importância a racionalização dos dados a fim de o colocar o mais próximo possível da realidade.
Por meio da verificação das diferenças entre aplicabilidade dos métodos hipotético-dedutivo e funcionalista, este trabalho entende que não há choque ou algum tipo de desconforto pelo uso simultâneo dos dois métodos para determinada pesquisa, se, for considerado o papel de cada ator/parte que compõe o que está sendo estudado, e que todos os atores/partes juntas são importantes dentro de suas particularidades para que determinada situação ocorra (como se dá pela perspectiva funcionalista), de forma complementar ao método que busca prever de forma racional e segura através de hipóteses cabíveis ao meio analisado, do que pode acontecer por meio da interação organização ou desorganização dos atores/partes que compõe o campo estudado (visão hipotético-dedutiva).
Considerando a baixa quantidade de impedimentos a aplicabilidade de ambos os métodos, este trabalho entende que pesquisas hipotético-dedutivas e funcionalistas podem se complementar e apresentar maiores variações de resultados por trazer consigo necessariamente a descrição dos papéis das partes e atores envolvidas assim como estimativas sobre a interação ordenada ou desordenada destes mesmos atores e partes.
Referências
ANDRADE, M.M. Introdução à metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas, 1993.
Canadian Journal of Archaeology / Journal Canadien d’Archéologie Vol. 30, No. 2 (2006), pp. 346-349 (4 pages) Published By: Canadian Archaeological Association. Available in: <https://www.jstor.org/stable/41103585>
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos Pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia científica. Ed. Atlas. São Paulo, 2003.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 5. Ed. Atlas. São Paulo, 2010.
OLIVEIRA, Douglas Rodrigues Aguiar. Mario Bunge, 100 anos: um filósofo contra a pseudociência. Revista Questão de Ciência, dossiê questão, SP, set/2019.
POPPER, K. R. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. São Paulo: Itatiaia: EDUSP. 1975.
RAMALHO, Ângela Maria Cavalcanti. MARQUES, Francisca Luseni Machado. Os Métodos de Pesquisa. Universidade Estadual da Paraíba, 2009. RAMPAZZO, L. Metodologia Científica: para alunos dos cursos de graduação e pós-graduação. São Paulo: Loyola, 2002.