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Os microchips na geopolítica global: uma análise da disputa entre China e Estados Unidos pela soberania tecnológica

O presente artigo propõe uma análise das dinâmicas geopolíticas entre China e Estados Unidos no contexto da disputa pela soberania tecnológica, com foco na questão dos microchips. Ambos os países, potências globais, competem pela liderança na produção de semicondutores, essenciais em setores estratégicos como defesa, economia e tecnologia. Destaca-se a importância dos microchips na atualidade, não apenas como elementos tecnológicos, mas como recursos estratégicos que moldam o campo das Relações Internacionais. A análise visa apontar as implicações dessa disputa pela soberania tecnológica e identificar estratégias políticas adotadas por ambos os países.

Introdução

Os Estados Unidos emergiram como a principal potência econômica e política global pós-guerra fria, saindo vitoriosos de uma disputa hegemônica contra União Soviética e consolidando sua liderança como estrutura dominante do sistema internacional.  Nesse cenário, a ascensão da China como superpotência desencadeou uma rivalidade intensa, marcada por disputas como a do domínio da tecnologia do 5G ou das guerras comerciais iniciadas pelo governo Donald Trump (Mahbubani, 2021). O presente trabalho se propõe a analisar um ponto crucial dessa rivalidade: a disputa pela soberania tecnológica, centrada na indústria de microchips.

Historicamente, o conceito de superpotência global refere-se à capacidade de exercer influência em escala mundial (FOX, 2006). A hegemonia dos Estados Unidos, consolidada após eventos como as Primeira e Segunda Guerras Mundiais e a Guerra Fria, enfrenta agora o desafio da ascensão da China, conforme analisado por autores como John Mearsheimer (2001) e Michael Pillsbury (2015). Esses autores abordam a possibilidade de a ascensão do poderio chinês, ao ponto de alcançar uma hegemonia regional, representar uma grande ameaça à hegemonia dos Estados Unidos.

A China, liderada por Deng Xiaoping nas décadas de 1970 e 1980, implementou reformas econômicas que resultaram em um crescimento notável. Sob a liderança de Xi Jinping, busca-se agora solidificar a presença global do país por meio de estratégias políticas e econômicas, desafiando a influência tradicional dos Estados Unidos.

A partir de meados dos anos 2000, a China busca ampliar sua presença global através de uma abertura transnacional, participando ativamente de instituições multilaterais e promovendo uma agenda de interdependência econômica com outros países (SHAMBAUGH, 2013). A partir de 2008, sob a gestão de Xi Jinping, a China reforça essa perspectiva, adotando uma postura “levemente revisionista” na tentativa de alterar a balança de poder no sistema internacional dentro das instituições tradicionais e, ao mesmo tempo, buscando criar novas instituições (SHAMBAUGH, 2013).

Contudo, a tensão sino-americana atingiu novos patamares nos últimos anos, especialmente durante a presidência de Donald Trump. Acusações de manipulação cambial, subsídios estatais e apropriação de propriedade intelectual alimentaram uma retórica hostil. A relação bilateral se agravou ainda mais com a disputa comercial e as restrições impostas às empresas chinesas, como, por exemplo, o fornecimento de licenças de exportação para as empresas norte-americanas que abastecem a Huawei.

A chegada de Joe Biden à presidência não suavizou a narrativa contra a China, com o presidente afirmando que os Estados Unidos “deveriam ser duros com a China” em um artigo escrito pelo presidente e publicado na revista Foreign Affairs (BIDEN, 2020).  Como destacado por Paulino e Pires (2021) a consideração da China como uma ameaça à soberania americana se tornou uma política de Estado, com apoio bilateral tanto dos Republicanos quanto dos Democratas, refletindo-se na retórica presidencial de Trump e Biden, e muito provavelmente dos próximos presidentes que os sucederem. A estratégia de conter a influência chinesa permanece como um dos objetivos centrais do governo dos Estados Unidos. 

Na sociedade capitalista atual, a revolução digital, impulsionada por dispositivos onipresentes, está transformando as dinâmicas sociais, econômicas e políticas nas Relações Internacionais entre as grandes potências mundiais. Ela se utiliza de dados para exercer controle sobre nações e tem um impacto significativo na governança global (HAN, 2022).

Nesse contexto, a disputa pela soberania tecnológica, especialmente na produção de microchips, ganha proeminência. Os microchips desempenham um papel fundamental em praticamente todos os setores econômicos da atualidade, tornando-se cruciais em várias áreas de manufatura, como a indústria automobilística e de telecomunicações, mas também exercem um papel estratégico no contexto militar e de segurança das grandes potências, como no uso de drones e mísseis (MILLER, 2022). Em face do engrandecimento de grandes potências como a China e dos possíveis ajustes na posição dos Estados Unidos, a questão dos semicondutores no campo das Relações Internacionais se torna um elemento chave na rivalidade entre essas duas potências mundiais.

Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo destacar o papel dos microchips como estratégia política cibernética que envolve a disputa entre China e EUA pela soberania tecnológica global e apontar desafios no campo das Relações Internacionais. Para orientar a análise proposta, parte-se do pressuposto de que a questão dos microchips e seu campo tecnológico, mais do que um dos pontos focais da rivalidade entre China e Estados Unidos na atualidade, é uma questão de segurança nacional para ambas as nações.

China X Estados Unidos como Superpotências Globais

Para refletir sobre as estratégias políticas que a China vem executando para aumentar sua influência e poderio como potência global, primeiramente, busca-se aprofundar a definição de superpotência a partir dos estudos de William T. R. Fox, pesquisador da Columbia University. Segundo Fox (2006), o título de superpotência é designado aos países que apresentam extensa capacidade de exercer influência ou poder em escala global, projetando seu poderio econômico e militar em uma escala global. 

Nesse sentido, os Estados Unidos podem ser considerados a maior superpotência global, detentores do maior PIB e de uma enorme influência em vários órgãos internacionais, como a ONU (onde possuem poder de veto no Conselho de Segurança) e a OTAN (sendo membro fundador e principal financiador), além de diversas outras instituições relevantes. Ao mesmo tempo, a China também pode ser designada como superpotência, pois o país tem apresentado, nas últimas décadas, altas taxas de crescimento econômico, alcançando o segundo lugar na economia mundial. A China também é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU (com poder de veto) e  tem sido criadora de um número crescente de instituições, como o BRICS, Novo Banco de Desenvolvimento e a Iniciativa Cinturão e Rota.

Diante da disputa como superpotências mundiais, nos últimos anos, a rivalidade entre China e Estados Unidos tem se intensificado, tanto no campo econômico quanto no político. Essa rivalidade tem sido marcada pela expansão sem precedentes da China, que busca ampliar sua influência pelo mundo e afirmar-se como superpotência econômica e política (FOX, 2006).

Ao mesmo tempo, a hegemonia dos Estados Unidos, impulsionada por acontecimentos históricos como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e consolidada com o fim da Guerra Fria, tem exercido uma influência incontestável sobre as demais nações do globo. Contudo, é também no período pós-Guerra Fria que a China emerge como uma força significativa no cenário internacional. No final dos anos setenta, o líder chinês Deng Xiaoping promoveu inúmeras reformas econômicas no país, iniciando a implantação de uma economia de mercado nos moldes capitalistas, o que resultou em um vertiginoso crescimento econômico baseado em investimentos estatais e capital estrangeiro. 

 Com a chegada de Xi Jinping, considerado o presidente chinês de maior poder nas últimas décadas, a China intensificou sua atuação internacional por meio de estratégias políticas e econômicas frente à evolução de seu modelo econômico, buscando uma integração a uma economia globalizada. David Shambaugh (2013) descreve essa prática de política exterior como “transacional”, ancorada em trazer benefícios para China, em uma lógica de ganha-ganha para os países envolvidos, em vez de criar “bens comuns” para a sociedade internacional. Um dos principais desafios dessa política externa é estabelecer novos aliados e parceiros internacionais, algo que os Estados Unidos já possuem de modo solidificado. Para tanto, a China passa a adotar uma postura mais participativa no cenário internacional, integrando-se às já consagradas instituições multilaterais. Ao mesmo tempo, procura assumir novos modelos de economia que possam promover mudanças nas dinâmicas globais a partir de uma perspectiva interdependente entre as nações (SHAMBAUGH, 2013). 

Em sua obra “The China Dream” (2015), Liu Yazhou aborda o sonho chinês de se tornar a maior potência global, superando os Estados Unidos e finalmente ocupando seu posto entre as grandes nações. O autor desenvolve o tema sob uma ótica nacionalista, reconhecendo a China como uma provável “nação guiadora”. Diferentemente da “nação colonizadora”, onde o Estado ocupa o território exercendo seu domínio e suprimindo o livre arbítrio das populações colonizadas, ou da “nação hegemônica”, onde o Estado usa sua liderança para favorecer seus próprios interesses, a “nação guiadora” privilegiaria o desenvolvimento, a liberdade e a cooperação entre os povos para alcançar seus objetivos. Para Yazhou, os Estados Unidos seriam uma nação hegemônica, enquanto a China estaria destinada a se tornar uma nação guiadora.

A visão de Liu Yazhou (2015) dialoga com as estratégias políticas e econômicas da China no contexto contemporâneo das Relações Internacionais. Desde a década de 2000, a China passa por um movimento de abertura transnacional devido a uma expansão comercial muito acentuada e a uma participação internacional mais reativa. Nesse sentido, a China vem procurando assegurar novas fontes de suprimento de recursos e novos mercados para escoar seus produtos. Na tentativa de obter mais espaço e relevância na conjuntura mundial, a China tem investido em um comércio global de interdependência entre nações, através de uma política de integração multilateral das cadeias de produção (SHAMBAUGH, 2013).

Entre os anos de 2017 e 2020, durante a presidência de Donald Trump, a retórica americana de tratar a China como inimiga dos Estados Unidos foi amplamente empregada. Argumentava-se que a China se beneficiou da relação comercial com os EUA ao manipular sua moeda e ao roubar propriedade intelectual de empresas americanas. Além dos discursos e da oratória empregada pelo ex-presidente americano, é fato que houve um agravamento na relação entre os dois países nos últimos anos, principalmente ao intensificar sua disputa comercial com a China, aplicando tarifas e limitando o acesso de certas empresas chinesas aos mercados domésticos (PAULINO; PIRES, 2021).

Apesar do governo de Joe Biden buscar se distanciar da imagem do governo anterior, a retórica de que a China é adversária dos EUA se manteve. A principal agência de segurança dos Estados Unidos, o FBI, considera que o governo chinês pratica atos de espionagem que  representam uma “grave ameaça para o bem-estar econômico e os valores democráticos dos Estados Unidos” (FBI, 2024). Não obstante, o próprio presidente Biden demonstrou, em seu posicionamento na Foreign Affairs (2020), que sua administração enfrentaria “comportamentos abusivos da China e violações dos direitos humanos”. Essas declarações demonstram o alinhamento do governo americano com a estratégia de conter a crescente influência chinesa em âmbito global. Essa postura reflete a determinação dos Estados Unidos em enfrentar os desafios apresentados pela ascensão da China e em proteger seus interesses no cenário internacional.

A rivalidade entre Estados Unidos e China transcende as questões políticas, estendendo-se ao campo tecnológico e refletindo as dinâmicas de poder no sistema internacional. A competição neste setor entre as duas potências pode ser entendida à luz de duas principais vertentes teóricas das Relações Internacionais: o Realismo Clássico e o Neorrealismo.

O Realismo Clássico, proposto por Hans Morgenthau (1948), baseia-se nos princípios do Estado de Natureza de Immanuel Kant, defendendo que a segurança no cenário internacional é garantida por um Estado forte e militarmente capaz. Por outro lado, os estruturalistas ou neorrealistas, como John Mearsheimer (2001) e Kenneth N. Waltz (1979), argumentam que o cenário anárquico entre Estados não é resultado da natureza humana, mas sim da ausência de uma autoridade superior, o que gera uma insegurança sistêmica. Assim, para garantir sua própria segurança, um Estado deve se tornar militarmente mais poderoso que os demais.

Enquanto o Realismo Clássico enfatiza a importância do poder militar para a segurança nacional, o Neorrealismo destaca a necessidade de um Estado se posicionar como o mais poderoso no sistema internacional para garantir sua própria segurança. Nesse contexto, a busca pela superioridade tecnológica torna-se um aspecto crucial da competição entre as duas potências, refletindo seus esforços para fortalecer sua posição no cenário global.

A análise das dinâmicas geopolíticas entre China e Estados Unidos nas Relações Internacionais é enriquecida por contribuições de diversos estudiosos. Um dos estudiosos sobre a ascensão chinesa em escala global, Michael Cox (1983), ainda que ressalte a grande vantagem dos Estados Unidos nos campos econômicos e militares, reconhece o crescimento da China dos últimos anos. Cox destaca o crescimento chinês, ressaltando a redução da pobreza e o aumento das exportações chinesas no comércio global, ao mesmo tempo que aponta as estratégias políticas adotadas pela China para se afirmar como uma superpotência global, buscando substituir os Estados Unidos nesse papel.

Por outro lado, a perspectiva de Mearsheimer, como mencionado por Arrighi em “Adam Smith em Pequim” (2005), destaca a necessidade dos Estados Unidos de endurecer sua postura diante da ascensão da China. Na obra “A Tragédia da Política das Grandes Potências” (2001), Mearsheimer argumenta que, na época, os EUA não reconheciam a China como a antagonista atual, mas sua ascensão como Potência Regional representaria um grande risco para a hegemonia americana.  

Outros autores expressam preocupações significativas em relação à ascensão da China, como Michael Pillsbury, autor do livro “The Hundred-Year Marathon” (2015). Pillsbury sustenta a ideia de que a China tem um plano de longo prazo para superar os Estados Unidos como a principal potência mundial até o final do século XXI. Ele sugere que a China está seguindo uma estratégia paciente e meticulosa, envolvendo desenvolvimento econômico, expansão militar e influência geopolítica. Pillsbury foi consultor de política externa durante a campanha presidencial de Donald Trump em 2016 e, segundo o “The New York Times” (2024), continuou a aconselhar a administração após a eleição.

Em contrapartida, David Shambaugh (2013) tem observado uma nova postura revisionista chinesa, evidenciada pela tentativa de estabelecer normas e instituições alternativas de governança global nas Relações Internacionais.  Enquanto Liu Yazhou, em sua obra “The China Dream” (2015), explora o sonho chinês de se tornar a maior potência global. Liu descreve a China como uma “nação guiadora” devido às suas tradições e heranças culturais, o que a levaria a cumprir sua tarefa histórica de liderar o mundo, buscando abordagens que beneficiem seus próprios interesses, bem como os interesses das nações parceiras.

Entende-se, portanto, que apesar das divergências entre os posicionamentos de diversos autores sobre a disputa entre China e Estados Unidos, é evidente que a ascensão da China se tornou um dos principais focos da política externa norte-americana. A recente proibição da rede social chinesa TikTok é um exemplo emblemático, evidenciando a intensificação da rivalidade no campo econômico e das novas tecnologias. Os Estados Unidos estão buscando conter o avanço chinês em setores cruciais da economia, o que evidencia que a disputa entre as duas potências está se desdobrando de maneira acirrada e abrangente na contemporaneidade.

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Os Microchips e a Disputa pela Soberania Tecnológica

Um dos principais pontos de conflito entre China e Estados Unidos tem sido a disputa tecnológica por influência global, que abrange áreas como política, economia e segurança, e vem adquirindo cada vez mais importância na rivalidade geopolítica entre as nações. Na atualidade, os dispositivos digitais se tornaram uma presença ubíqua na vida cotidiana de bilhões de pessoas ao redor do mundo, revolucionando a maneira como quase todas as tarefas são executadas. O filósofo e escritor sul-coreano Byung-Chul Han (2021) desenvolve a ideia de que essas tecnologias transformaram a forma como os governos exercem sua governança sobre suas populações, com o uso de dados gerados e compartilhados por dispositivos digitais para governar diante de uma digitalização do mundo que abrange “âmbitos políticos e leva a fraturas e disrupções massivas no processo democrático” (ibidem, p.25). 

A existência desses dispositivos, que determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos em escala global, só é possível graças à vasta quantidade de microchips contidos em sua composição. Um chip, microchip ou nanochip é por definição um circuito eletrônico integrado e altamente miniaturizado, construído sobre um substrato fino de material semicondutor. Esses circuitos integrados desempenham um papel essencial em quase todos os dispositivos eletrônicos usados atualmente, desde aparelhos domésticos, smartphones e computadores pessoais até sistemas de saúde, comunicações e transporte. Sua presença onipresente promoveu uma verdadeira revolução no mundo da eletrônica, permitindo avanços significativos em termos de eficiência, desempenho e funcionalidade em uma variedade de setores tecnológicos e industriais.

Conforme argumentado por Chris Miller (2022), a fabricação, melhoria e miniaturização de semicondutores exerceram uma função determinante na evolução tecnológica das últimas décadas. Graças a esses dispositivos, os computadores que costumavam ocupar salas inteiras, como o IBM X, foram transformados em dispositivos compactos, como os smartphones que cabem no bolso. O constante aprimoramento proporcionado pela indústria de microchips tornou possível esse salto tecnológico. Em 1961, um chip continha apenas quatro transistores, enquanto nos dias de hoje, um processador de smartphone pode abrigar bilhões desses componentes eletrônicos. 

Consequentemente, a evolução dos microchips, desde os primeiros computadores até os modernos smartphones, ilustra não apenas um avanço tecnológico extraordinário, mas também o impacto profundo que essas inovações têm na maneira como vivemos, trabalhamos e nos conectamos no mundo atual. A importância dos microchips ficou bastante evidente durante a pandemia de Covid-19, quando várias fábricas de microchips tiveram que interromper suas operações devido à crise sanitária. Isso resultou em escassez de chips em várias cadeias de produção, incluindo os setores automobilístico e de tecnologia da informação. Chris Miller (ibidem, p.98) ressalta que a Covid-19 gerou uma grande demanda por mercadorias específicas, como computadores pessoais, à medida que as pessoas eram obrigadas a trabalhar de casa, criando grandes interrupções nas cadeias produtivas e gerando enorme demanda pela fabricação de microchips específicos.

A busca pela soberania tecnológica no setor de microchips, entre os EUA e a China, emerge como uma estratégia determinante no cenário da revolução digital global. Em 2022, o governo americano começou a restringir empresas de exportar tecnologia de semicondutores para a China, visando determinadas empresas chinesas. Enquanto a China, como um dos principais polos industriais do planeta, desembolsa mais recurso importando microchips do que importando petróleo (MILLER, 2022). Esse fato demonstra a enorme dependência que a indústria chinesa tem desses produtos. Por causa disso, bilhões de dólares estão sendo investidos pelo governo chinês na criação de uma indústria nacional de semicondutores. Isso aconteceu através da estratégia de “empresas campeãs”, a qual se preconizava a criação de empresas nacionais chinesas de alta tecnologia que pudessem competir em áreas-chaves da economia (MOREIRA, 2022). Neste contexto, os Estados Unidos encaram a estratégia chinesa de tornar-se independente no acesso a microchips como uma grande ameaça à sua segurança e soberania nacional.

A concepção e desenvolvimento de chips avançados representam desafios de imensa complexidade. Segundo Isabel Tsang (2023), pesquisadora sobre a indústria chinesa de semicondutores, na atualidade, apenas um punhado de empresas detém a capacidade de produzir microchips de última geração, como a TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company), uma empresa taiwanesa com fortes laços com os EUA. Isso implica que o domínio dessa indústria crucial para a economia moderna está nas mãos de um seleto grupo de nações, com os Estados Unidos liderando esse conjunto. 

Dada a crescente capacidade computacional, que possibilitou a execução de tarefas cada vez mais complexas, o governo norte-americano sempre considerou a indústria de semicondutores como uma questão de segurança nacional. Durante a Guerra Fria, o progresso dos semicondutores teve um impacto determinante nos avanços das indústrias bélica e aeroespacial, transformando o aprimoramento dessa tecnologia em um campo de disputa direta entre Moscou e Washington. Os Estados Unidos saíram vitoriosos desse embate, conseguindo fabricar chips de tecnologia superior aos dos soviéticos. Essa vantagem foi vital para impulsionar o desenvolvimento de inúmeras indústrias de ponta nos Estados Unidos, que contribuíram para a manutenção da hegemonia norte-americana no sistema capitalista global (MILLER, 2022).

Por outro lado, a estratégia adotada pela China para promover o surgimento de empresas líderes decorre inicialmente da necessidade de recuperar participação de mercado frente às empresas estrangeiras que ingressaram no país após as reformas econômicas. Posteriormente, essas empresas de capital misto têm buscado alcançar o status de “campeãs globais” por meio da inovação financiada por programas de incentivo do governo (MOREIRA, 2022). Muitas das principais empresas de tecnologia chinesas, como Xiaomi, Huawei e BYD, surgiram e cresceram com os esforços do governo chinês para criar empresas inovadoras e competitivas no cenário global.

Da perspectiva realista de Mearsheimer (2001), abordada anteriormente, sob o ponto de vista dos Estados Unidos, permitir que a China desenvolva empresas capazes de produzir bens altamente tecnológicos e essenciais para as demandas contemporâneas representa um sério risco para sua influência em vários setores-chave da economia. As restrições à compra de chips por empresas chinesas são, portanto, uma maneira de retardar o progresso das “campeãs globais” chinesas. Isso é especialmente significativo, dado que o mercado de chips de alta tecnologia é controlado por poucas empresas que dependem da tecnologia americana. Na prática, os embargos americanos criam uma barreira substancial para a China obter chips avançados, limitando sua capacidade de adquiri-los por meio de exportações e de obter o equipamento necessário para produzi-los internamente. 

A problemática dos semicondutores tem gerado tensões nas relações comerciais entre os Estados Unidos e a China, representando um dos principais obstáculos enfrentados por ambas as nações na busca pela conquista da soberania tecnológica. A importância dos chips mais avançados é indiscutível na disputa tecnológica entre China e Estados Unidos, como destacado por Chris Miller (2022) e Moreira (2022). O acesso a tecnologias de ponta, como aviação militar e inteligência artificial, torna-se cada vez mais dependente da disponibilidade de chips de última geração, estando intrinsecamente ligado à questão da segurança internacional. Neste cenário, a China tem empreendido esforços significativos em direção à autossuficiência na produção de chips, alcançando progressos consideráveis em um curto período.

Diante do exposto, torna-se evidente que a questão dos microchips e sua esfera tecnológica tornaram-se um dos pontos centrais da rivalidade entre China e Estados Unidos, conduzindo-os para uma iminente revolução digital. Esta revolução promete uma série de oportunidades e avanços no setor, ao mesmo tempo em que apresenta desafios significativos para o estudo das Relações Internacionais entre as duas nações. 

Conclusão

Diante da emergência de grandes potências como a China e a possível decadência americana, a questão dos semicondutores se torna um elemento chave na rivalidade entre essas duas potências mundiais. Os embargos e restrições aplicados pelos Estados Unidos e seus aliados à China podem, assim, se apresentar como estratégias políticas utilizadas para dificultar o progresso tecnológico chinês e de suas empresas. Neste cenário, a ascensão da China está intrinsecamente ligada à sua capacidade de adaptação às demandas da economia global e a sua necessidade de desenvolver uma indústria tecnológica eficiente e independente. Essas medidas são essenciais para encurtar a distância em relação aos EUA na corrida tecnológica e fortalecer sua posição como uma potência global no cenário da inovação digital.

O avanço contínuo das tecnologias modernas está alcançando um nível de sofisticação cada vez maior, o que tem provocado uma redefinição das tradicionais dinâmicas nas relações internacionais. Isso resulta na introdução de novos potenciais conflitos e na reconfiguração das hierarquias de poder entre as nações. Nesta perspectiva, a disputa pela soberania tecnológica entre as grandes potências mundiais aponta para uma revolução digital como uma oportunidade competitiva para a nação chinesa finalmente assumir a liderança no cenário internacional, controlando não apenas a produção tecnológica, mas influenciando sua distribuição e consumo em âmbito global. Essa dinâmica está desestabilizando as estruturas hierárquicas existentes e estabelecendo os fundamentos para um novo tipo de influência geopolítica. Assim, compreende-se ser fundamental investigar o novo cenário digital mundial que está gradualmente se moldando no campo das Relações Internacionais.

Ao mesmo tempo em que a tecnologia dos microchips significa uma grande oportunidade de avanço tecnológico em escala global, fica evidente que seus desafios ainda necessitam de intensa investigação acerca dos possíveis e verdadeiros impactos para o cenário das Relações Internacionais. Diante desses apontamentos, o presente artigo pretendeu contribuir para os estudos das relações bilaterais entre a China e os EUA, com o foco na compreensão dos contextos políticos diante da presença das novas tecnologias e para a reflexão a respeito desse novo momento nas dinâmicas geopolíticas internacionais. 

Referências

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