Em outubro de 2020, tornou-se viral um vídeo da guerra de Nagorno-Karabahk, entre a Arménia e o Azerbaijão, que mostra uma coluna de tanques armênios sendo destruída dos céus por armas misteriosas, que mais tarde revelaram ser drones de procedência israelense e turca. Esse episódio ativou as luzes de alerta da maioria dos estudiosos militares, chamando sua atenção para uma nova realidade que silenciosamente foi evoluindo ao longo das duas últimas décadas: a ascensão dos drones como arma essencial do esforço de guerra moderno, dispondo de capacidade de mudar os rumos de um conflito e subverter preceitos militares até então em voga. Mas de que forma ocorreu essa ascensão?
O que são e como surgiram os drones
Antes de mais nada, é necessário definir o que é um drone. Essa palavra de origem inglesa, cujo sentido original significava “zangão”, foi apropriada pela opinião pública para se referir aos chamados veículos aéreos não-tripulados (VANT), os quais são essencialmente aeronaves roboticamente autônomas, direcionadas por um operador humano. Embora o uso de drones para uso civil seja disseminado nos dias de hoje, os VANTs militares, foco de nosso estudo, podem ser divididos entre os de suporte, voltados para funções de reconhecimento de terreno; observação do campo de batalha; inteligência em tempo real e marcação de posições para alvos de artilharia e bombardeios aéreos; e os de combate, muito mais complexos e equipados com armas para conduzir ataques. A distinção entre as duas categorias não é de todo absoluta, uma vez que, em conflitos recentes, como as guerras da Síria e da Líbia, é comum, por parte de forças que não tem capital ou tecnologia para colocar em campo drones de combate, o uso de VANTs suicidas improvisados a partir de unidades de suporte.
Os drones não são uma arma relativamente nova. Podemos traçar o primeiro drone até 1916, quando o engenheiro britânico Archibald Low construiu, a pedido das forças armadas britânicas, um avião remotamente pilotado através de uma tecnologia de rádio rudimentar. Denominado RPAT (Ruston Proctor Ariel Target), esse veículo foi seguido, em 1935, por outro VANT primitivo britânico chamado “Queen Bee (abelha rainha)”, acabando assim por popularizar o termo drone. Nas décadas seguintes, uma série de inovações no campo da robótica criou o terreno para o advento dos drones modernos.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os soviéticos fizeram experimentos com um teletanque guiado por rádio enquanto os alemães produziram o “Goliath”, um pequeno veículo de demolição guiado de modo remoto. Mais importante ainda, a máquina de guerra alemã colocou em campo os mísseis V1 que, como os primeiros mísseis de cruzeiro remoto da história, eram essencialmente drones suicidas equipados com uma carga explosiva. Ainda que nenhuma dessas inovações possa ser considerada de fato um drone, elas pautaram importantes avanços em matéria de tecnologia wireless e robótica que formariam o substrato para o nascimento do drone atual.
Foi durante a Guerra Fria (1945-1991) que o uso de VANTs se popularizou entre as grandes potências, com o barateamento das tecnologias aeronáuticas e robóticas necessárias para produzi-los. Durante os anos 80, os EUA, a URSS, o Reino Unido, a França e Israel produziam e mantinham estoques de drones. Mas por que então os drones não se tornaram um “gamechanger” nas questões militares já naquela época? A resposta está na discrepância da tecnologia eletrônica. Ainda que tivessem o know-how para produzir o drone em si, os sensores, as câmeras e os sistemas de navegação e de comunicação eram demasiadamente rudimentares para permitir que fossem usados de modo versátil e, por conta disso, os drones do século XX ficaram confinados a um número reduzido de tarefas. Seu uso principal foi, sem dúvida, como alvo móvel para treinar pilotos de caça e equipes de baterias de mísseis no abatimento de aeronaves inimigas.
Contudo, houveram exceções, durante a Guerra do Vietnã (1964-1975), drones norte-americanos modelo Ryan 147AB foram utilizados em missões limitadas de reconhecimento enquanto que, durante a Guerra de Yom Kippur, o Estado de Israel sagazmente utilizou sua frota de drones-alvo de modelo Ryan Firebee para distrair a artilharia antiaérea egípcia, permitindo a seus caças executarem ataques sem retaliação.
Foi durante a década de 90 que surgiram os avanços tecnológicos que permitiriam aos drones superar suas dificuldades técnicas e se tornar um elemento disruptivo de peso dentro da ciência da guerra. O advento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), somadas à ampla gama de subsequentes avanços em matéria de sensores, câmeras, orientação por satélite e controle remoto, criaram o substrato tecnológico que viabilizou o real potencial dos drones. Agora essas máquinas poderiam ser utilizadas para operações complexas a longas distâncias, realizando missões com um grau cada vez maior de autonomia e dotados de uma precisão antes inatingível.
O berçário dos drones modernos foi o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, beneficiado pelo fato de seu país ter sido o pioneiro da revolução informacional no final dos anos 80. A primeira metade da década de 90 foi palco dos vultosos investimentos por parte do Pentágono, que permitiram a integração das novas tecnologias no antigo conceito aeronáutico da Guerra Fria, resultando na introdução, em 1995, do primeiro drone moderno de combate, o MQ-1 Predator.
Testado experimentalmente de modo secreto na intervenção da OTAN na Guerra do Kosovo (1998-1999), esse VANT conheceu seu batismo de fogo na Guerra do Afeganistão (2001-), como parte de um projeto supersecreto da CIA. Armados com mísseis ar-superfície, os Predators foram originalmente introduzidos tendo como função realizar missões de assassinato contra líderes do Talibã por meio do bombardeio cirúrgico de seus abrigos e comboios. Contudo, dado que a eficiência dos ataques se provou maior do que o esperado, o Predator e seu primo mais avançado, o MQ-9 Reaper, introduzido em 2007, foram logo colocados sob a asa da Força Aérea, passando a tomar parte no esforço de guerra convencional dos EUA no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão e na Somália por meio de bombardeios pontuais contra posições inimigas. Os drones chegaram até mesmo a substituir parcialmente os caças, os mísseis e a artilharia como mecanismo de bombardeio contra as tropas e os acampamentos escolhidos como alvo.
O drone se torna uma arma global
Nesse primeiro momento, o uso de drones ainda era uma particularidade dos EUA, os quais eram bastante ciosos de sua superioridade tecnológica e se recusaram a compartilhá-la com outros países, até mesmo com suas nações aliadas da OTAN. Apenas Israel, o Reino Unido e, mais tarde, a França, a Itália e a Holanda tiveram autorização para comprar carregamentos de drones em pequenas quantidades ao longo dos anos 2000.
Essa exclusividade norte-americana, contudo, estava fadada a eventualmente acabar. A disseminação e o barateamento das tecnologias necessárias para a fabricação de drones espontaneamente foi se espalhando pelo globo, permitindo que novos players adentrassem a arena da nova robótica. Isso, é claro, atualmente mesmo no meio civil: drones cada vez mais fazem parte de nossa vida cotidiana, sendo utilizados por cidadãos comuns e empresas para tirar fotos, realizar entregas, mapear terrenos, servir como brinquedo e atuar como ferramenta de trabalho em uma gama de atividades econômicas, indo desde a agricultura à logística.
Essa disseminação também ocorreu, evidentemente, de forma mais reduzida devido à maior complexidade tecnológica, no meio militar, na área dos drones de suporte. Atualmente, quase todas as potências militares de grande e médio porte fazem maior ou menor uso de drones domésticos ou importados para mapear posições inimigas e cumprir funções de inteligência, mapeamento e reconhecimento. Mesmo atores não estatais, como grupos terroristas, fazem hoje o uso disseminado desse maquinário e talvez os melhores exemplos disso sejam o Estado Islâmico na Guerra da Síria (2011-) e os rebeldes Houthi na Guerra do Iêmen (2015-). Ao que parece, o drone de suporte, na guerra moderna, tornou-se a regra e não a exceção.
Contudo, a disseminação dos drones de combate se deu de modo muito mais lento, dada a enorme complexidade tecnológica necessária para produzi-los, os enormes custos de produção em relação a seus primos de suporte e o protecionismo científico da maioria dos Estados fabricantes. A despeito dos esforços norte-americanos para se manter invicto na área de drones de combate, outros países foram eventualmente capazes de desenvolvê-los e, ao contrário dos EUA, muitos não tiveram qualquer pudor em vendê-los no mercado mundial. No caso, nos referimos especificamente a Israel e a China, que praticamente dominam esse pequeno porém lucrativo mercado.
Tendo desenvolvido um repertório de drones autônomos, a partir dos exemplares comprados dos EUA por meio de tecnologia reversa, Israel exporta para mais de 56 países sua tecnologia robótica, cujo carro-chefe são os VANTs de combate modelo Elbit Hermes 450 e IAI Eitan. No caso chinês, as famílias de drones CAIG Wing Loong e CASC Rainbow, embora de menor qualidade que suas contrapartes ocidentais, são também mais baratas, o que as tornam interessantes artigos de exportação para mercados do terceiro mundo. Graças aos esforços comerciais de Tel Aviv e Pequim, hoje Nigéria, Egito, Índia, Arábia Saudita, Indonésia, Burma, Sérvia, Paquistão e Emirados Árabes possuem drones de combate, ainda que em pequenas quantidades.
No caso da Rússia, ainda que o desenvolvimento da frota de drones de suporte tenha ocorrido de modo impressionante, o país não possui drones de combate à exceção do Orion, um modelo de suporte fortemente modificado. Isso se deve principalmente à doutrina militar russa, que ainda prefere empregar aeronaves tripuladas em operações de bombardeio, como demonstrado por sua atuação na Guerra da Síria. Contudo, seria prematuro descartar Moscou como um player relevante na guerra robótica. Ciente de seu atraso na área, o Kremlin vem investindo pesadamente no drone Okhotnik, um modelo de combate pesado voltado para bombardeios estratégicos de longa distância. Previsto para entrar em serviço em 2024, se ele realmente atender às expectativas, os modelos ocidentais estarão em notória desvantagem.
Ainda mais impressionante foi o exemplo da Turquia e do Irã. A primeira, frente a resistência de Washington em lhe vender exemplares Reapers, investiu pesadamente num programa nacional de drones que agora, uma década depois, se mostra totalmente justificado: considerada uma “superpotência de drones”, Ancara demonstrou a eficiência letal de seus modelos TAI Anka e Bayraktar na Líbia e no Azerbaijão. Quanto ao segundo, o medo dos drones de seu rival norte-americano levou Teerã a desenvolver seus próprios modelos, o Shared e o Qods Mohajer. O sucesso de dois países emergentes em desenvolver armas tão complexas mostra que uma iniciativa de longo prazo bem gerida pode render mais frutos no campo militar do que um simples potencial tecnológico ou financeiro bruto.
O segredo do sucesso
Desde a sua introdução em 2001, os drones de combate vêm se tornando uma arma cada mais relevante nos conflitos mundiais e isso fica atestado pela linha direta de evolução que vai desde o Afeganistão até o Nagorno-Karabakh: de uma arma experimental, usada para eliminar terroristas em ataques pontuais, até um meio de guerra convencional, capaz de destruir colunas inteiras de caminhões e blindados em poucos minutos, o drone hoje possui uma relevância bélica similar a de um caça e superior a de um tanque. Mas o que explica essa tamanha importância? Qual o diferencial do drone como arma de guerra?
O segredo está em seu custo-benefício. Uma operação de ataque que antes necessitava de um caça F-35 custando 94 milhões de dólares e manejado por um piloto que precisou de mais de um ano de treinamento intensivo, agora pode ser realizada por um Reaper de 15 milhões pilotado remotamente por um operador treinado em semanas o qual, na pior das hipóteses, não corre risco de vida caso o veículo seja abatido. Em outras palavras, com os drones, ficou mais barato, mais seguro e mais preciso lançar operações de ataque, especialmente contra alvos terrestres desprovidos de proteção aérea. Com as variáveis de risco reduzidas, lançar ataques antes caros e perigosos se tornou algo muito mais prático e acessível. Ainda que o custo elevado e o grau tecnológico altíssimo impeçam a maioria dos países de obter drones de combate, para os que conseguem, o custo-benefício se mostra totalmente viável. É claro que é necessário enfatizar que os drones ainda não são livres de falhas: mesmo os modelos de combate mais avançados não têm mecanismos de defesa contra caças inimigos e novas armas vêm sendo desenvolvidas especificamente para lidar com eles, como é o caso do sistema de guerra eletrônica Belladonna, utilizado pela Rússia em Nagorno-Karabakh para derrubar drones por meio da fritura a distância de seus componentes eletrônicos. Contudo, fica claro que a linha evolutiva da guerra robótica já foi cruzada e não voltará atrás: o drone já é parte essencial do arsenal militar moderno.
O futuro abre as portas para possibilidades ainda maiores: atualmente concentrados na função de bombardeiros táticos, é esperado que os drones eventualmente passem por um grau de diversificação que lhes permitirá tomar parte a todas atividades militares. Dos enxames de pequenos drones suicidas, idealizados a partir dos ataques feitos com unidades improvisadas pelo Estado Islâmico na Síria, aos drones submarinos, operando a partir de “porta-submarinos” teorizados pela marinha dos EUA, passando pelo drone tanque testado pela Rússia em 2020, fica claro que a evolução dessa arma de guerra ainda está apenas em sua infância.
Como último ponto, o autor gostaria de enfatizar a posição de seu país em relação aos drones militares. Tendo em vista que o arsenal robótico brasileiro se resume à 20 drones israelenses voltados para patrulha marítima enquanto o Ministério da Defesa gasta bilhões com caças comuns, é necessário se questionar até que ponto nossas prioridades com gastos militares estão de fato bem direcionadas e se não está na hora de seguir o exemplo dos turcos e dos iranianos.
Referências Bibliográficas
BENJAMIN, Medea. Drone Warfare: Killing by Remote Control, 2012.
CHANDLER, Matt. Military Drones, 2017.
COCKBURN, Andrew. Kill Chains: Drones and The Rise of High Tech Assassins, 2015.
SINGER, Peter. Wired for War: The Robotics Revolution and Conflicts in the 21th Century, 2009.