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Rousseau e sua compreensão da Filosofia Política – resenha crítica

A análise da teoria política de Jean-Jacques Rousseau não é simples. Para tentar compreendê-la e criticá-la, faz-se necessário um estudo aprofundado acerca de duas obras fundamentais para a compreensão do tema – Curso de Filosofia Política e Os Clássicos da Política, respectivamente de Ronaldo Porto Macedo Jr e Milton Meira do Nascimento.

Exposição biográfica dos autores

Ronaldo Porto Macedo Jr, nascido em 1962, em São Paulo, é jurista e cientista social pela Universidade de São Paulo, atuando como professor da USP e da Faculdade Getúlio Vargas, além de Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo (LATTES, 08/01/2021). Tem experiência nas áreas de Filosofia e Teoria do Direito, sendo o organizador, em 2008, da obra Curso de Filosofia Política da qual será tratada na presente resenha, em específico a parte de Felipe Gonçalves Silva: “Rousseau e a soberania da vontade popular”.

Milton Meira do Nascimento também é atual professor da Universidade de São Paulo na área de Filosofia Política e Ética, tendo toda sua formação voltada à tradição do século XVIII, em especial “o pensamento político de Jean-Jacques Rousseau, e o jusnaturalismo do século XVII (LATTES, 05/06/2020)”.

No que toca ao autor estudado, Jean-Jacques Rousseau foi um filósofo suíço que viveu entre 1712- 1778, sendo um autor iluminista considerado como um grande influenciador da Revolução Francesa de 1789 (FRAZÃO, 2020). Suas obras receberam grande expressividade, principalmente O Contrato Social, que confere ao autor sua denominação como jusnaturalista. 

Exposição sintética 1

Jean Jacques Rousseau
Jean-Jacques Rousseau

O objetivo geral do trecho analisado da obra de Ronaldo Porto Jr é investigar a evolução do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, focando-se, em destaque, em suas obras sobre o estabelecimento do Estado. A análise é feita em dois pilares principais: a influência da biografia do autor em seu pensamento; e a evolução das organizações até o estabelecimento do Estado.

Efetivamente, a história do filósofo o permitiu ter um conhecimento acerca da dubiedade do mundo que o entorna: arrogância e futilidade dos detentores do conhecimento, em detrimento da pobreza e falta de liberdade daqueles que não o detém. Esta dicotomia levou o autor a reiterar uma negação à ciência e às artes, que considerou proliferadora de vícios, como egoísmo e vaidade. Ele aporta esse conceito de ciência para tratar-se mais tarde da civilidade e relacioná-la à perda da liberdade, à medida que a sociedade se rende ao luxo e a superficialidades.

Em seguida, o texto se detém sobre o estudo de Rousseau desde a origem das organizações até o estabelecimento de um Estado. O primeiro ponto tratado se refere a epistemologia rousseauniana: seu estudo inicial é feito por meio de hipóteses explicativas do estado de natureza dos indivíduos e determina que o homem natural é um ser selvagem que não teria capacidades sociáveis e seria guiado por desejos momentâneos. Por isso, segundo Rousseau, é um estado de paz, prazeres fáceis e poucos conflitos. Com o agrupamento dos indivíduos e a instituição da propriedade, a paz chega ao seu fim e dá lugar a disputas motivadas por ganância e inveja. 

O modo proposto para a solução dessas disputas é a instituição de um contrato proposto pelos ricos e que protegeria as propriedades privadas por meio do direito, da instituição de um governo e do compartilhamento da liberdade. Por meio deste tratado, o homem para de se ver como um indivíduo e passa a ser um membro de um grupo, que ao mesmo tempo, é o autor e o destinatário das normas estatais (leis), que, estas, nada mais são do que a partilha de valores comuns – ideia de autogoverno. 

Este governo deveria se organizar da seguinte maneira: legisladores que são somente redatores da vontade popular; governantes que executam a vontade das leis; e corpo jurídico que analisa os crimes e as divergências, sendo todos submissos à vontade popular. Este governo só definharia no caso da corrupção das instituições, isto é, o favorecimento dos interesses privados ao invés dos interesses gerais; ou da degeneração do povo (ou seja, o seu não interesse) que é a causa do prevalecimento dos interesses privados sobre os públicos. Apesar de irem contra a soberania do povo, a corrupção pode ser revertida com o monitoramento constante dos cidadãos e a degeneração pode ser revertida por meio de uma cultura republicana.

Exposição sintética II 

O trecho selecionado de Milton Nascimento estuda a participação de Rousseau nos estudos filosóficos incorporando as obras do autor na sua análise e discussão. Nesse estudo, o autor guiou-se em dois pontos principais: a recusa do autor às ciências e artes; e o estudo aprofundado sobre as obras do autor, não se atendo a comparações. Inicialmente, Nascimento estuda Rousseau a partir de sua teoria acerca da ciência e arte: ele classifica ambas como uma maneira de buscar glória e reputação ao invés de um verdadeiro saber e que a única maneira de se contrapor a elas é por meio delas mesmo. Em seguida, estuda-se a primeira das obras, o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”.

Em sua epistemologia hipotética, Rousseau analisa o primórdio no homem que se reconhece a si mesmo e sem depender de ninguém, gozando de total liberdade e nenhum conflito. Por causa de dificuldades de sobrevivência, o homem começa a se agrupar para sobreviver. Nesses agrupamentos, iniciam-se as primeiras disputas, concentradas no plano familiar.

À medida que se evoluem as sociedades, inventa-se a agricultura e a metalurgia causando uma dependência de um homem em relação a outros. É no momento em que se tem um desequilíbrio de suprimentos nas especialidades de trabalho que se criam as raízes da desigualdade e da competição de um contra o outro. Torna-se necessário a instituição de um governo que una todas as forças por meio de uma igualdade jurídica a fim de proteger todos os lados.

A segunda obra estudada é o “Contrato Social“. Nela, o autor reforça a ideia de um homem que nasce livre e se aprisiona a todo instante baseado no direito do mais forte. A união de forças, por meio de um Contrato Social, faria com que os homens se protejessem e protejassem seus bens (tanto da escravidão quanto de autoritarismos) sem menosprezar sua liberdade. Esta liberdade passa de uma liberdade natural para uma liberdade civil, uma vez que os contratantes responderiam a si mesmos em total igualdade dentro desse “corpo político”.

Os interesses privados ou de grupos maioritários não podem, embora sempre tentem, se impor sobre o interesse do corpo político (nome dado à associação dos homens) para evitar que este se desfaça. Sendo assim, os soberanos são guiados pelo senso de moralidade e racionalidade em suas atitudes. As leis, em evidência, são formadas a partir da soberania da polis, da dependência de seus soberanos ao Estado, e principalmente da opinião e dos costumes compartilhados.

Por fim, Rousseau divide os poderes com o pretexto de ser o único jeito para que o Estado funcione. Ele seria, pois, dividido em um poder legislativo (incumbido de garantir a moral e pertencente ao povo); de um executivo (incumbido de executá-la e dotado de uma autonomia); e de um magistrado (incumbido de intermediar relações do povo com o governante). Esses pilares deveriam reger todos os Estados independentemente da forma de governo estabelecida. A única ressalva feita é em relação à atribuição das funções soberanas do povo a uma representatividade que é considerada a causa da decadência do poder popular.

Interpretação acerca dos textos e do autor

A importância de Jean-Jacques Rousseau ao século XVIII e os seguintes é inegável e de grande expressividade. A partir dos estudos de F. Silva e M. Nascimento, a seguinte análise é feita sobre o autor, destacando os pontos em que, em minha visão, são positivos e outros não tão verossímeis. 

O primeiro ponto destacado é a impossibilidade de uma liberdade total do homem: vínculos afetivos que ligam o filho na mãe e contrariamente a mãe no filho estimulam a criação de comunidades, opostamente ao que Rousseau diz ao falar que existe uma liberdade total entre os indivíduos. Basta observar os animais irracionais mais próximos a nós: a grande maioria dos animais mamíferos, em destaque aos primatas, reúnem-se em grupos para assegurar sua existência.

Ademais, creio que o equívoco da ideia de liberdade plena é fruto da remoção de características humanas ao homem primordial: considerado irracional, sem sentimentos e sem vínculos; em outras palavras, a objetificação do homem nascente desconfigura a racionalidade do pensamento hipotético.

Contudo, se considerada como válida a hipótese do homem errante, logo em seguida encontra-se um novo obstáculo: se esse ser primitivo não tem com suas unidades parentais nenhum vínculo afetivo, o que faria com que este mesmo tivesse qualquer sentimento, principalmente piedade, para com outros desconhecidos da mesma espécie? Se esta questão é respondida como um impasse, a base da teoria otimista de Rousseau (de que os homens seriam naturalmente bons) se torna falha.

Apesar desta incoerência, sua criação de uma epistemologia hipotética e racional para a explicação de uma história com carência de uma comprovação factual de todos os argumentos é, em meu ponto de vista, um ganho enorme, pois permite ao filósofo especular sobre assuntos onde não se tem muitas informações, e basear seu estudo nessa sua análise acerca do assunto, abrindo um leque enorme de possibilidades para o estudo filosófico.

Sua visão da propriedade privada como a causa das desigualdades e dos conflitos é muito válida, pois, tanto na visão micro (bens individuais) quanto na visão macro (disputas entre matérias-primas) essa teoria se afirma. Contudo, a análise de que a subdivisão do trabalho leva a vínculos de interdependência que causariam uma ruptura social, para mim não é válida, pois creio que ela levaria sua afirmação, pois as trocas morais se intensificam. Karl Marx incorpora essa teoria mais tarde quando tratando das relações do capital.

Outro conceito interessante é o de soberania popular sobre os órgãos de governo. Apesar de muito expressivo, é difícil de se ver concretamente essa ideologia nos países modernos. Estes têm a tendência a se guiar mais pela teoria soberana dos poderes de Montesquieu, o que, na minha visão, é uma pena. A não submissão dos órgãos ao interesse popular reitera tanto as desigualdades, a partir do momento em que grupos poderosos (inclusive grupos financiadores, lobbies) mantém o monopólio do poder, fazendo do Estado a manifestação de seus interesses, quanto a perda gradativa do interesse popular na participação governamental (vista como excludente e elitista).

Apesar de muito positiva e interessante a ideia de submissão ao povo, tem-se neste uma grande ingenuidade, pois considera-se o povo como um grupo unificado, homogêneo e de plena consciência de seus interesses (isto é, não alienado). A ideia de assembleia de cidadãos lembra os traços da ágora grega e, segundo Rousseau, a não participação dos cidadãos nas assembleias é uma opção de uma sociedade degenerada, que opta pelos interesses privados em detrimento dos interesses públicos.

Em minha opinião, esta análise é totalmente válida, mas deve ser conformista, porque não é possível um retorno dessas características, tanto no âmbito dos indivíduos quanto no da sociedade moderna, cada vez mais excepcional (com indivíduos que trabalham a maior parte do tempo, alguns que migram constantemente, a dificuldade dos Estados de grande densidade populacional ou de grande território, etc). Em outras palavras, o homem moderno está acorrentado à sua condição de não liberdade, sendo assim muito difícil estabelecer uma cultura republicana e reverter este quadro social.

Outro ponto inovador de Rousseau é a negação da legitimidade tanto da escravidão quanto do direito de morte, algo que ainda era presente em muitas partes do globo na época. O caráter ilegítimo do direito de matar abre brecha para, anos mais tarde, estabelecer-se o Direito do Homem e do Cidadão, ao longo da Revolução Francesa.

Contudo, a censura como método de impedir a deturpação das opiniões e, portanto, da opinião geral, não pode ser considerado como um método válido de governança por dois pontos principais: os sensores podem começar a atender às vontades particulares e, assim, deturpar sua atuação em direção dos próprios interesses; e com a censura de ideias inovadoras e possivelmente revolucionárias, impede-se o progresso das sociedades.

Por fim, no que se toca aos comentadores, M. Nascimento é muito mais aprofundado e percebe-se uma visão claramente positiva acerca do autor, enquanto F. Silva é mais superficial e faz questão de ressaltar as contradições de Rousseau ao mostrar as novas interpretações de seus textos.

Como conclusão, a teoria de uma soberania popular sobre as instituições políticas baseia a teoria rousseauniana e traz às leis, ou seja, à manifestação das vontades populares, uma legitimação. O poder dividido em três tende a manter a submissão à soberania popular, como se esta fosse um poder moderador que pode intervir em tudo. Esse contrato social busca manter no homem suas características primordiais consideradas como características de quando o homem era bom.

Apesar de algumas incoerências relacionadas a essa visão “otimista”, Rousseau tem um grande aporte para a filosofia: ele inova quanto a sua epistemologia, baseada em uma análise hipotética e racional acerca dos assuntos sem total verificação em provas. Sua teoria, embora muito interessante e muito representativa, encontra, porém, dificuldade de se firmar no mundo concreto, justificado em grande parte por causa da alienação dos homens, da heterogeneidade do corpo político e, principalmente, pela condição de aprisionado que se encontra o homem moderno.

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Referências bibliográficas:

FRAZÃO, Dilva. Jean-Jacques Rousseau. Disponível em: https://www.ebiografia.com/jean_jacques_rousseau/ .

MACEDO Jr., Ronaldo Porto. Currículo do sistema currículo Lattes. São Paulo. Disponível em:  http://lattes.cnpq.br/7211343265073949

NASCIMENTO, Milton Meira do. Currículo do sistema currículo Lattes. São Paulo. Disponível em:  http://lattes.cnpq.br/8429886109080931.

NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In- Francisco Weffort. Org. – Os Clássicos da Política, Vol 1. Série Fundamentos, 2006.

SILVA, Felipe Gonçalves. Rousseau e a soberania da vontade popular. In- MACEDO Jr., Ronaldo Porto. Curso de Filosofia Política. Atlas, 2008.

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